"Tenho dúvidas que Portugal ganhe alguma coisa com o gasoduto ibérico"
O Presidente executivo da Greenvolt defende que a Europa devia, pelo menos, ter feito estudos para avaliar os custos de investimentos alternativos.
Corpo do artigo
João Manso Neto tem dúvidas que a construção do gasoduto ibérico seja um bom negócio para Portugal.
Na semana em que a Agência Internacional de Energia alertou para a possibilidade de faltar gás na Europa no inverno de 2022/23, João Manso Neto acredita que Portugal não corre esse risco, mas defende que o país devia ter reaberto as centrais a carvão, como plano B, e que a Europa devia ter investido mais nas infraestruturas de gás uma vez que, por enquanto, não há energias alternativas
João Manso Neto é licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e pós-graduado na mesma área pela Universidade Católica Portuguesa. Tem um percurso profissional que passou pelo Banco Português do Atlântico e pelo Banco Comercial Português.
Entre 2002 e 2003 foi administrador no Grupo Banco Português de Negócios. Atualmente, é gestor na área da energia, antigo CEO da EDP Renováveis, é desde 2021 presidente executivo da Greenvolt, a empresa de energia do Grupo Altri.
Como é que avalia as medidas que têm sido tomadas para mitigar a crise energética, quer a nível europeu, quer a nível nacional?
Ninguém esperava o que se passou. Uma relação com a Rússia era algo estabelecido desde os anos sessenta e estava estável. As decisões que foram tomadas na altura foram razoáveis, ninguém esperava esta mudança.
Face a uma situação de crise, as medidas que a Europa tem vindo a tomar no campo da energia são as possíveis no curto-prazo.
Basicamente, consistiu em diversificar o abastecimento de gás a curto-prazo, reduzir a procura, criar alguns terminais flutuantes, proteger as famílias e empresas mais afetadas, tudo isto tem sido feito.
Portanto, relativamente a estas medidas de choque, penso que era possível ter feito mais porque os investimentos em energia demoram tempo. Em termos de medidas mais de fundo, vejo-as como positivas.
A conclusão de tudo isto é que para os países estarem mais imunes a choques como este e, ao mesmo tempo, não desrespeitarem os compromissos ambientais previstos, é preciso mais energias renováveis.
Naturalmente, a Comissão Europeia com o REPowerEU - um documento muito bem-feito -, verifica duas coisas e questiona, precisamente, porque é que não há mais renováveis?
Porque o processo das legislações é ineficiente e, portanto, de alguma forma desincentiva os países a tomar essas medidas. O segundo ponto, é óbvio, porque se queremos expandir as renováveis, não podemos ter tanta dificuldade em fazer os projetos de energia.
Diria que, no geral, as medidas da Comissão Europeia são boas. E mesmo algo que não é muito lógico, mas que é defensável, que é o Windfall Profits Tax se for bem aplicado, é difícil dizer que não.
Também diria que pensar nalguma reformulação do mercado energético, no sentido de reduzir a dependência do gás, também é positivo. As compras conjuntas de gás, a médio-prazo, também poderão ser positivas.
De uma forma geral, as medidas tomadas até agora foram positivas, o que falta agora é o que diz respeito aos países. Ou seja, não podem estar à espera - nem é desejável -, que a Comissão Europeia decida tudo.
Parece-lhe que Portugal tem estado à espera?
Aqui temos outra questão. Vejamos o seguinte: Portugal já tomou medidas, o chamado simplex das renováveis, um pacote que diria que está bem-feito. A questão é que se definem boas leis - e Portugal tem boas leis -, mas depois a sua implementação é complicada.
https://d2al3n45gr0h51.cloudfront.net/2022/11/avd1_manso_neto_20221104173536/hls/video.m3u8
Porque é que são difíceis de implementar?
O que nos falta, designadamente na administração pública e especialmente nas entidades monopolistas, quer na distribuição quer no transporte de energia, há faltas de meios humanos e mentais.
Está a falar, por exemplo, da Direção-Geral de Energia?
Sim, aí estamos a falar na parte pública, mas não é que as pessoas não sejam competentes, porque são, mas não estão preparadas para um conjunto de requisitos necessários para depois tornar expedito.
O que a lei diz é que basta apresentar um conjunto de documentos e que é mais ou menos automático. Isto é verdade, mas a questão é que não é só a Direção-Geral de Energia, é a REN, é a EDP Distribuição, e o facto de se lhes estar a pedir um conjunto de coisas para as quais não estão preparadas.
Fala-se muito em leis, e as leis estão bem, aliás, há áreas em que Portugal é pioneiro em legislação. Por exemplo, no fomento de comunidades de energia, ou seja, uma pessoa poder utilizar o seu telhado para gerar energia para si, mas também para vizinhos.
Portugal tem uma boa lei e define o conceito de vizinhança num raio de quatro quilómetros, mas depois é preciso que isso se aplique na prática. A questão é que se demora bastante tempo para isto.
Isto para dizer que a comunidade europeia define medidas corretas, os governos até definem leis, mas depois na prática as coisas não funcionam porque se prendem com coisas muito mais profundas do que isto.
Essencialmente, prende-se com a questão da falta de capacidade de investimento público e com alguns atrasos na rede. Por exemplo, relativamente à Europa, as medidas tomadas a curto-prazo eram as possíveis.
A médio-prazo, o fomento de renováveis através de simplificação, o fomento da descentralização, uma reforma do mercado de gás que não seja radical, tudo isto faz sentido.
Aliás, tem havido um conjunto de medidas e propostas um bocadinho voluntaristas que a Comissão Europeia até tem travado. No princípio diziam que não há mercado, mas sem mercado isto não funciona.
A Comissão Europeia tem tido uma grande capacidade de impedir que sejam tomadas posições voluntaristas. Mas diria que face à situação existente, têm sido tomadas as medidas possíveis.
Quer do ponto de vista redistributivo, quer do ponto de vista de aumentar a oferta de gás com fontes externas, creio que tem sido feita a gestão correta. Se pode ser feito mais? Talvez possa e talvez se deva, mas há ideias boas que podem ser mais bem exploradas.
Por exemplo, as compras conjuntas de gás, podemos ter uma visão mais minimalista ou mais maximalista da questão. A minimalista é comprar gás em conjunto para ter mais poder de negociação, o que é simpático, mas não sei se será suficiente.
Mas podemos pensar de outra forma: o que é interessante é que o aumento dos preços da eletricidade, ao contrário do que as pessoas pensam, não vem só desde o início da guerra na Ucrânia.
Já no segundo semestre do ano passado tivemos preços de eletricidade muito altos, porque o gás estava muito alto. E o gás estava muito alto, sem nada ter a ver com a Rússia, mas sim com algum atraso a nível mundial no investimento na estação de gás natural.
Este atraso aconteceu porque, de forma talvez um pouco romântica, pensou-se que se podia eliminar o gás natural a muito curto-prazo. Se houver um pensamento de que o gás natural vai ser eliminado a curto-prazo, quem é que vai investir em gás natural? Ninguém.
O que quero dizer com isto é que esta história das compras conjuntas foi pensada a médio-prazo, no sentido de fomentar o investimento em novas fontes de gás natural, mas ainda pode ter efeito mais positivo.
O que nos falta ver agora é se as medidas mais de fundo vão ser tomadas com mais coragem. Portanto, o que foi feito até agora, está bem, mas pensando mais a fundo, acho que vale a pena ser mais objetivo e não tanto político-ideológico em algumas matérias.
É preciso ter coragem para ver se é a melhor solução ou não. Que é um facto que a Europa não pode estar dependente do gás russo de tubo, é evidente. Mas a melhor maneira é fazer gasodutos que vêm da Península Ibérica, ou é fomentar mais os terminais de gasificação onde são precisos?
Esta é uma matéria para a qual vale a pena olhar, sem estar obcecado pela necessidade de pré-decisão.
Para si, este corredor de energia verde que foi acordado, é mais um embaraço que uma vitória?
Do meu ponto de vista, é preciso analisar a questão em dois níveis: um deles é pensar o que é mais barato, se é construir mais terminais de gasificação na Europa Central ou se é construir um gasoduto na Península Ibérica.
Sabemos qual é mais barato? Não sei, se se estudou isso, então não tenho conhecimento. Às vezes as pessoas dizem que isto é dinheiro da Europa, mas esse dinheiro também é um bocadinho nosso, e se for para isso, não vai para outra coisa.
Gostaria que sem complexos se visse o que é mais barato e mais eficiente, isto do ponto de vista da Europa. Do ponto de vista de Portugal, tenho ainda mais dúvidas sobre se Portugal ganha alguma coisa com isto.
Porque, de facto, se se chegar à conclusão que a maneira mais eficiente de colocar mais gás na Europa é através de terminais na Península Ibérica, quem é que tem terminais a mais?
É Espanha, não é Portugal. Inclusive, têm um nas Astúrias que nunca funcionou. Portanto, tenho as minhas dúvidas de que Portugal vá ganhar alguma coisa com isso, não tenho a certeza, mas façam-se as contas.
É preciso que não embarquemos na primeira ideia, são precisos estudos para perceber qual é a melhor solução. Não vejo que Portugal vá ganhar muito com isso, acho que poderia ganhar mais noutras matérias.
Porque a realidade é que não falta só eletricidade, outra coisa que vejo claramente em que Portugal tem um défice, é no reforço da rede de distribuição. A rede podia e devia ser mais bem utilizada, por exemplo.
Portugal tem um sério problema de falta de água e essa é uma das matérias que exigia um investimento diferente. Não é a minha área, mas parece-me à priori muito mais vantajoso investir nisto ou na dessalinização - que deve ser estudada seriamente -, do que um gasoduto.
Não é correto metodologicamente partir de uma decisão e depois justificá-la, tem de ser ao contrário. Primeiro estudasse, depois decide-se, e não me parece que seja algo assim tão difícil de estudar.
Acredito muito no mercado nacionalista e acho que é o que faz sentido, mas o que não acho que esteja bem é que haja tantos consumidores dependentes deste mercado. Sou muito mais favorável a contratos de longo-prazo.
Ou seja, o mercado como hoje o vejo devia afetar relativamente poucos consumidores, porque o resto devia estar tudo ligado a contratos de longo-prazo. E isto passa por simplificações administrativas, por haver mais projetos renováveis, e por questões regulatórias.
Por exemplo, um comercializador de energia não tem a obrigações nenhumas de se abastecer a longo-prazo. Por analogia com a área bancária: os bancos têm de ter X percentagem do seu ativo e passivo a longo-prazo.
Ou seja, regras não só de solvabilidade, mas também de liquidez, e nessa componente não há nada. Muita sorte tivemos nós de em Portugal não ter havido esse problema, mas em Inglaterra houve umas 12 comercializadoras que foram à falência.
Alguma supervisão ajuda a fomentar o mercado e os comercializadores tendo a obrigação de se abastecer a longo-prazo, só isso vai fomentar também o mercado de contratos a longo-prazo e reduzir o peso do curto-prazo.
Porque é que Portugal está muito melhor que Espanha? É fundamentalmente porque temos um peso de renováveis muito grande, com preços fixos num melhor intervalo.
Havia pessoas ignorantes que diziam que isto era um disparate, mas chegou-se à conclusão de que os consumidores em Portugal são beneficiados em cerca de 10 mil milhões de euros por haver contratos de longo-prazo.
https://d2al3n45gr0h51.cloudfront.net/2022/11/avd2_manso_neto_20221104173633/hls/video.m3u8
A Agência Internacional de Energia alertou esta semana para o risco de falta de gás na Europa para o inverno de 2023/2024. A Europa vai conseguir sobreviver a esta dependência do gás russo?
Estou perfeitamente crente que em 2022 só vamos conseguir sobreviver se conseguirmos ter um tempo não muito frio com a redução da procura de materiais, designadamente na indústria.
Em 2023/2024, ainda será apertado, mas julgo que aí já se consiga, sobretudo se formos para a solução de alguns terminais de gasificação, já se conseguiria minimizar. Mas o gasoduto não é certamente a solução para 2023/2024.
Preocupa-o este anúncio por parte da Nigéria? Qual é a alternativa que a Europa tem?
São coisas que acontecem por força maior, mas o mercado a nível mundial tem outras fontes. Tem o Qatar, tem a Austrália e os países do médio oriente, mas os preços são mais altos.
E são mais altos porque nos últimos anos tem havido pouco investimento. Isto prolongou-se porque o gás, até há muito pouco tempo, era considerado uma energia maldita, quando não pode ser.
Nos próximos cinco, dez ou quinze anos, não há alternativa ao gás para suprir a falta de firmeza das renováveis. Vamos ter cada vez menos gás necessário, mas quando é necessário, a tecnologia que temos agora é o gás, e continuará a ser nos próximos anos.
O hidrogénio verde, na minha opinião, é muito importante para algumas coisas, incluindo substituir o hidrogénio cinzento na indústria e, provavelmente, para o transporte de longa distância. Mas não é necessariamente óbvio para a eletricidade.
Em Portugal voltou a falar-se da reabertura das centrais de carvão, precisamente para colmatar a falta de renováveis. Faz sentido, na sua opinião?
Portugal tomou as decisões e estão tomadas. Se fazia sentido tê-las mantido, penso que sim, sempre o achei. Não para produzir, mas para estar ali como backup, no entanto, não se fez, mas deveria ter-se feito.
Houve centrais em Espanha, umas ainda estão a funcionar porque não chegaram a fechar, e outras que até tiveram de ser reabilitadas. Mais uma vez, não para produzir em mercado, mas para ter prevenção.
Pode dizer-me que isso é muito mau para o ambiente, mas por amor de Deus, se for para estarem de prevenção são utilizadas apenas de vez em quando.
https://d2al3n45gr0h51.cloudfront.net/2022/11/avd3_manso_neto_20221104173631/hls/video.m3u8
Estaríamos agora noutra situação?
Não estaríamos, porque o gás era uma parte muito importante da energia na Europa em termos térmicos. Portanto, por razões geopolíticas, foi tudo feito através da Rússia. Foi um erro? Não, quem é que imaginaria isto?
Os nossos maiores vultos políticos da Europa, desde que me lembro, criaram condições, e bem, para que a Rússia fosse progressivamente integrada na Europa. Mas quem é que adivinharia isto?
Mas crê que há risco de segurança de abastecimento de energia em Portugal?
Em Portugal, creio que não. Como Portugal não está dependente do gás russo e pode importar porque temos terminais, diria que não. Só se fosse numa situação absolutamente desastrosa.
Portugal tem duas vias: o gás que importa e a interligação com Espanha que é bastante grande. Diria que com os terminais disponíveis em Espanha mais os terminais disponíveis em Portugal, mais a interligação, diria que aguentamos.
Claro que aguentamos porque temos a interligação com Espanha, mas estamos a admitir que Espanha vai continuar a produzir. Mas outra coisa muito importante é que Portugal aprenda com a lição de não ter mantido as centrais de carvão como backup.
Na sua opinião, o mecanismo ibérico para limitar os preços do gás e da eletricidade foi a melhor solução?
Não, não foi a melhor solução. Mais uma vez, a Comissão Europeia é um órgão competente, fez uma análise, e disse que a maneira mais adequada de reduzir os custos é através do price-cap [limite de preço] para as tecnologias inframarginais. Por acaso, as ligações à França até são pequenas, mas não deixamos de estar claramente a subsidiar os consumidores franceses. Portanto, a maneira mais adequada é definir um price-cap para as inframarginais.
Ou seja, o objetivo é o mesmo, limitar os ganhos das tecnologias inframarginais, só que a metodologia era melhor com o que propôs a União Europeia, do que o que Portugal e Espanha implementaram.
https://d2al3n45gr0h51.cloudfront.net/2022/11/avd4_manso_neto_20221104173620/hls/video.m3u8
As produtoras de renováveis não estão a ter sobreganhos?
A esmagadora maioria das renováveis têm um preço máximo e mínimo, portanto, não têm sobreganhos. Em Portugal, quem beneficia com os preços muito altos neste momento, são basicamente as hídricas.
Mas como tem havido tão pouca água, os benefícios também não hão de ter sido grande coisa.
Teme que a taxa sobre os chamados lucros excessivos se estenda ao setor da energia como um todo e acabe por apanhar as renováveis?
Com as renováveis não vejo como porque têm um preço máximo, portanto não ganharam nada de extraordinário. Ou seja, podem ter ganho no sentido em que, em vez de estarem a meio do intervalo, estejam no top, mas isso é previsto por lei.
Não houve nenhum lucro extraordinário, precisamente porque têm preços fixos. Por exemplo, os produtores de biomassa têm uma tarifa que cresce com a inflação, portanto, não beneficiaram com os preços altos.
Quem teoricamente pode ter beneficiado com os preços altos serão as hídricas, mas mesmo aí houve um efeito de preço positivo, mas um efeito de quantidade muito negativo por causa da seca.
E um segundo aspeto que nunca pode ser esquecido, que é que as empresas elétricas muitas vezes vendem a prazo, por antecipação e com preço fixo.
Portanto, qualquer medida que se fizesse para o setor elétrico, teria de ponderar bem e eliminar essa componente de wedging que possa ter sido feita.
Em relação à Greenvolt, o crescimento da empresa tem sido feito sobretudo através de aquisições, principalmente nas áreas de energia solar e eólica. É uma estratégia para manter?
Temos três áreas de negócio bastante claras: a primeira é histórica que é a biomassa, com o aspeto muito importante de que é através de resíduos, não andamos a queimar florestas.
Portanto, em Portugal já existia, não tem nada de crescimento, comprámos no Reino Unido e estamos a otimizar. O nosso segundo vetor, são projetos solares e eólicos de maior dimensão que injetam diretamente na rede.
Aqui fizemos uma aquisição de uma plataforma por aumento de capital em 2021, mas a partir daí não temos comprado mais nada de material. O que temos feito é pôr em valor aquilo que se faz.
Estamos a transformar ideias em projetos, é o que estamos a fazer na Greenvolt. No terceiro pilar, o de descentralizar, aí sim temos comprado participações minoritárias ou maioritárias em empresas de renováveis.
Mas, mais uma vez, os investimentos que se fazem são relativamente pequenos, porque aquilo que fazemos mesmo é, com base nesses investimentos nas empresas e ficando sempre o management - o que para nós é crucial -, desenvolvemos projetos.
A ideia de que andamos a comprar muita coisa é um bocado uma perceção que não corresponde propriamente à realidade.
De facto, compramos uma empresa no Reino Unido em 2021, fizemos um aumento de capital em espécie que nos permitiu esta plataforma, e depois temos feito estas pequenas compras.
Nós no descentralizar em Portugal, em termos de empresas, não somos menores. Neste momento, no segmento de médias e grandes empresas, no mínimo, disputamos a liderança.
Já são líderes no autoconsumo, é isso?
De médias e grandes empresas, sim. Temos uma quota que deve andar pelos 15%, agora não tenho presente um número certo, mas disputamos a liderança. Ou seja, não me estou a baser em compras, estamos é a ser pioneiros nas comunidades de energia.
Acho que é bastante claro que o estamos a ser, especialmente quando há um grande concorrente, muito bom, muito bem preparado, e de peso. Mas estamos, de facto, a disputar a liderança.
Apesar de estarmos a falar de investimentos relativamente pequenos, como descreveu, teme que este ambiente de subida das taxas de juro acabe por vir dificultar e ser um obstáculo ao financiamento necessário para continuar esta estratégia?
Nós temos sempre uma política muito prudente na parte financeira. Para que isto funcione, é preciso condições necessárias. A primeira é a organização e, neste momento, estamos a instalar um novo sistema informático comum a todas as geografias.
A segunda condição são as pessoas, que tentamos atrair e reter, e a terceira é que haja dinheiro. A questão financeira é gerida com muita prudência e trabalhamos sempre com muita liquidez.
Tomamos o dinheiro sempre antes da oportunidade aparecer, porque quando a oportunidade aparecer, vamos conseguir lá estar.
Foi isso que fizemos no passado, desde o IPO de 2021, devemos ter levantado em dívida de médio e longo-prazo, cerca de 350 milhões de euros, o que num país como o nosso é importante.
E quanto investiram?
Não investimos todos, mas cerca de uns 200 milhões. Neste momento, temos na banca uma liquidez de cerca de 500 milhões, sendo 200 milhões depósitos e 300 milhões em linhas de crédito para utilizar.
Mas vamos investir, claro que sim. Claro que os novos investimentos já vão refletir um ambiente mais inflacionista, portanto, para financiar outros investimentos que apareçam, temos de obter os fundos com antecedência para termos essa flexibilidade.
Por exemplo, estas obrigações que estamos agora a lançar no mercado, serão 100 milhões de referência, é mais uma vez com a história de antecipar. Para mim, o segredo é ter um ano e meio ou dois anos de pré-financiamento.
Mas esses 100 milhões que estão a tentar captar, vão ser investidos em quê?
Não vamos inventar, vamos investir naqueles três setores que temos. Somos muito focados e muito disciplinados. Muitas vezes perguntam-me porque é que não investimos em offshore porque é muito bom.
A questão é que não tenho condições nesta empresa para me meter no offshore, portanto, a resposta é não.
Então não estão interessados nos leilões?
Estou interessadíssimo, mas não tenho condições financeiras nem vantagens competitivas neste momento para entrar nisso. Não é que seja cético, de todo, mas acho que a tecnologia também ainda não está madura o suficiente do ponto de vista económico.
Para estarmos a investir num sítio, são precisas duas coisas: tem de ser um sítio que faça sentido, e um sítio em que tenhamos vantagens comparativas, caso contrário, não vamos para lá fazer nada.
Acha que o Governo está a dar um passo maior que a perna neste leilão?
Relativamente ao offshore, temos dois tipos: o fixo, que no fundo é igual ao onshore, mas debaixo de água, e há o offshore flutuante. Em Portugal, pela profundidade, só dá o offshore flutuante.
Não é que esta tecnologia não funcione, porque funciona, mas o piloto pai deste resistiu na Póvoa do Varzim com ondas gigantes, portanto, tecnologicamente funciona. A questão é que ainda é muito caro.
E é caro porque a metodologia de fabrico ainda não está standardizada. Portanto, diria que os países não devem ter demasiada pressa. Agora temos 27 megawatts, estou de acordo que se passe para 500, mas podemos ter calma quanto a passar a gigas.
Uma coisa que Portugal fez bem foi não ter investido no solar quando ainda era caríssimo, e isto não foi há 50 anos, foi há oito anos mais ou menos. Na altura, Portugal apostou no vento, que era mais barato que o solar.
Contrariamente aos espanhóis que ficaram cheios de solar a preços desmesurados. Portanto, diria que o momento de entrada também tem de ser pensado, ser o first mover à bruta não é necessariamente a melhor solução.
Sobre o offshore flutuante, sou a favor que se expanda, mas num ritmo mais gradual para que Portugal possa beneficiar do progresso técnico. Se Portugal tivesse um mar como o Báltico, aí sim, porque já estaríamos a falar de offshore fixo que já é competitivo.
Este é o tipo de coisa em que não vale a pena ser muito voluntarista. Agora, algo em que Portugal deve investir fortemente é no descentralizado, aí claramente Portugal e Espanha estão na cauda da Europa, o que é ridículo porque somos dos que têm mais radiação.
É preciso fazer um esforço, e o esforço não se faz com subsídios porque, neste caso, os subsídios não são precisos para nada porque os projetos são rentáveis.
https://d2al3n45gr0h51.cloudfront.net/2022/11/avd5_manso_neto_20221104173631/hls/video.m3u8
Então porque é que não se investiu mais?
Por duas razões: primeiro, por razões históricas, isto é, se tivéssemos esta conversa no final de 2020, estaríamos a dizer que os preços de eletricidade eram muito baixos. Quando é assim, as pessoas não têm tanta motivação para investir.
Isto justifica, em grande parte, porque é que historicamente não se investiu muito. Mas, em cima disso, hoje temos questões de mentalidade, as pessoas pensam muito às vezes e decidem muito devagar.
Nós, como já anunciámos, temos já assinados este ano cerca de 100 megawatts, o que é muito para projetos pequenos. Estamos a falar de um investimento de 80 milhões de euros, o que é muito, e falamos de cerca de 400 projetos, só em B2B.
Mas temos muitíssimo mais em negociação, porque as empresas demoram muito tempo por vezes. Mas além das empresas, há o Estado e a administração pública, que têm um património gigante e que ainda não começaram.
Estão à espera que saia um concurso público, que tem de sair, mas então que saia. Este tipo de indecisão e o estar a pensar em coisas muito sofisticadas, às vezes não é preciso quando aquilo que já existe não é utilizado.
Por vezes, perguntam-me se a Greenvolt é inovadora, mas não somos uma empresa de tecnologia. No entanto, tentamos ser inovadores em utilizar as melhores práticas e as melhores técnicas comerciais existentes no novo modelo de negócio.
Voltando aos investimentos da Greenvolt, está previsto entrar em novas geografias?
No descentralizado está previsto entrar em novas geografias, iremos ainda anunciar, mas será na Europa como base. Fora isso, já estamos em 12 países, e a primeira prioridade é retirar valor de onde já estamos.
A nossa prioridade não é entrar em novos países, mas sim pôr em valor aqueles que já temos. Se já investimos em projetos, temos de os levar até ao fim.
