Conheça todos os acusados e os crimes imputados pelo Ministério Público aos 23 arguidos do caso Tancos.
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Nove dos 23 arguidos do caso de Tancos são acusados de planear e executar o furto do material militar dos paióis nacionais e os restantes 14, entre eles o ex-ministro Azeredo Lopes, da encenação que esteve na base da recuperação do equipamento.
Numa nota enviada às redações, a Procuradoria-Geral da República (PGR) explica que um dos nove acusados do planeamento e furto do material forneceu ao grupo informação acerca dos Paióis Nacional de Tancos, da sua localização, com indicação do melhor local para conseguirem entrar no espaço vedado, bem como do mau funcionamento das rondas.
Os restantes oito, de acordo com a acusação, executaram o plano: cortaram a rede, entraram no perímetro da instalação militar, destruíram fechaduras de paióis e retiraram várias caixas com material militar que ali se encontravam armazenadas, pertença do Exército português. O material militar em causa, "no valor de cerca de 35 mil euros, algum de alta perigosidade, foi depois transportado para o terreno de um familiar de um dos arguidos, onde ficou guardado", refere a nota da PGR.
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Estes arguidos foram acusados, designadamente, por crimes de terrorismo (com referência ao crime de furto), de tráfico e mediação de armas, de associação criminosa, bem como de tráfico de estupefacientes. Os restantes 14 arguidos, incluindo militares da Polícia Judiciária Militar (PJM) e da Guarda Nacional Republicana (GNR), de diversas patentes, um técnico do Laboratório da PJM e o ex-ministro da Defesa Nacional Azeredo Lopes, são suspeitos da encenação que esteve na base da recuperação de grande parte do material militar.
Estão todos acusados pelos crimes de favorecimento pessoal, denegação de justiça e prevaricação, sendo que os militares e o técnico do Laboratório estão também acusados, designadamente, por crimes de falsificação de documento, tráfico e mediação de armas e associação criminosa.
Dos 23 arguidos, oito estão em prisão preventiva e 11 (militares e técnico de laboratório) suspensos de funções. Os restantes ficaram sujeitos à medida de coação de proibição de contactos. Segundo a PGR, o Ministério Público (MP) pediu ainda a aplicação da pena acessória de proibição do exercício de funções a todos os arguidos da PJM, da GNR e ao ex-ministro da Defesa.
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O inquérito pretendeu investigar o furto, em 28 de junho de 2017, e as circunstâncias em que aconteceu a recuperação de grande parte do material militar, em 18 de outubro do mesmo ano. No despacho do inquérito de Tancos, a que a Lusa teve acesso esta quinta-feira e no qual Azeredo Lopes é acusado de denegação de justiça, prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário e abuso de poder, lê-se que o ex-governante cometeu um grave e acentuado desrespeito pelos deveres funcionais e pelos padrões ético-profissionais de conduta a que estava obrigado, à semelhança dos arguidos da Polícia Judiciária Militar e da GNR.
Entende o MP que, além da "extrema gravidade dos crimes", a personalidade dos arguidos, incluindo Azeredo Lopes, manifestada nos factos, e o seu elevado grau de culpa, colidem com os fins institucionais de cargos públicos que ocupavam.
Para o MP, o ex-ministro da Defesa, que se demitiu em 12 de outubro de 2018, teve conhecimento das diligências paralelas feitas pela Polícia Judiciária Militar ao caso do furto de Tancos junto de uma pessoa com quem negociava a entrega do material.
Inquérito parlamentar durou sete meses e rejeitou responsabilidades de Costa e Azeredo
O furto e o reaparecimento de material de guerra dos paióis de Tancos foram investigados durante sete meses no parlamento, concluindo que o ex-ministro Azeredo Lopes "secundarizou" o conhecimento que teve da operação de recuperação do material.
O relatório, da autoria do socialista Ricardo Bexiga, foi aprovado com os votos favoráveis dos deputados do PS, PCP e BE, com o PSD e o CDS-PP a votarem contra, no dia 19 de junho, excluindo qualquer responsabilização de Azeredo Lopes e do primeiro-ministro, António Costa.
O relatório foi aprovado em plenário em 03 de julho e, dois dias depois, Azeredo Lopes foi constituído arguido no processo judicial, tendo sido esta quinta-feira acusado pelo Ministério Público de abuso de poder, denegação da justiça e prevaricação.
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O relatório admite que "não ficou provado" que tenha havido interferência política na ação do Exército ou na atividade da Polícia Judiciária Militar [PJM] e que Azeredo Lopes "secundarizou" o conhecimento que teve de "alguns elementos" do memorando da PJM com uma descrição da recuperação do material furtado, realizada sem que a Polícia Judiciária soubesse.
Na altura, esta conclusão motivou protestos por parte do PSD e do CDS-PP, com o deputado Telmo Correia a classificar como "surreal" a expressão utilizada no relatório para qualificar a atuação de Azeredo Lopes face ao conteúdo do memorando: "Parece-me surreal dizer que o ministro soube mas que secundarizou. Não, o que aconteceu foi que omitiu, escondeu, foi conivente" com a PJM, "soube da encenação e não agiu".
O PSD e o CDS-PP justificaram o voto contra o relatório final alegando que o PS, PCP e BE quiseram afastar e branquear responsabilidades políticas do atual Governo. A coordenadora dos deputados sociais-democratas na comissão, Berta Cabral defendeu que o relatório "traduz uma visão incompleta e parcial" do resultado das audições e que "ficou claro que a motivação fundamental" do PS foi "o afastamento das responsabilidades políticas do atual Governo".
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Ouvido na comissão de inquérito no dia 07 de maio passado, José Azeredo Lopes admitiu que soube do "essencial" do memorando da PJM sobre a recuperação do material furtado em 2017 através do seu chefe de gabinete, general Martins Pereira, dois dias depois da operação.
Azeredo Lopes referiu que nessa altura registou que havia um "informador" que impunha determinadas condições para revelar o local onde estava o material furtado.
"O que me foi transmitido ou nesse dia ou no dia a seguir, era que havia um informador que não podia ser identificado, e que, essencialmente, o que se tinha pedido era que estivesse alguém na margem sul para receber um telefonema com indicação do local onde se encontravam as armas", relatou.
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O ex-ministro acrescentou que "não sabia" que a operação da PJM tinha sido omitida à Polícia Judiciária, admitindo que estava ao corrente do descontentamento da PJM por lhe ter sido retirada a condução do processo, através de despacho da então Procuradora-Geral da República, do início de agosto de 2017.
Azeredo Lopes disse que não informou o primeiro-ministro, António Costa, sobre a existência do memorando da PJM, recusando a acusação do PSD de que faltou ao dever de diligência e lealdade para com António Costa.
Aliás, disse, só leu o documento no dia 12 de outubro, no dia em que apresentou a demissão do cargo ao primeiro-ministro.
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Inquirido pelo CDS-PP, BE e PSD, António Costa respondeu por escrito em maio passado, usando de uma prerrogativa legal, afirmando que teve conhecimento do memorando da PJM sobre a recuperação do material na manhã do dia 12 de outubro.
"Na manhã do dia 12 de outubro de 2018, foi-me presente, pelo meu chefe do gabinete, um documento não assinado, não datado e não timbrado", referiu António Costa, em resposta aos deputados, numa carta a que a Lusa teve então acesso.
Da leitura do documento, Costa retirou que revela "o objetivo preciso de recuperar o material furtado", a "preocupação em salvaguardar a identidade de um informador" e "indicia que a Polícia Judiciária Militar procurou ocultar à Polícia Judiciária o conhecimento desta operação".
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"Constatei tratar-se de algumas folhas de papel sem qualquer timbre, data, rubrica ou assinatura, epígrafe contendo assunto ou registo de qualquer tipo que permitisse identificar a sua origem", disse. "Aparentemente, descreve um conjunto de técnicas e procedimentos operacionais que teriam sido empregues pela Polícia Judiciária Militar para recuperar o material que fora furtado em Tancos", sublinhou.
O primeiro-ministro negou ter tido consciência em algum momento de que a Polícia Judiciária Militar estaria a "desenvolver uma investigação paralela" visando a recuperação do material furtado, em 2017. António Costa referiu também que nunca recebeu no gabinete, ao contrário do que tinha sugerido o ex-diretor da PJM coronel Luís Vieira, um documento da sua autoria defendendo que deveria ser a PJM e não a PJ a liderar a investigação.
E, acrescentou, "não tive conhecimento oficial do despacho da senhora ex-Procuradora Geral da República, de 4 de julho de 2017", em que Joana Marques Vidal atribuía à Polícia Judiciária a competência para a investigação mantendo a PJM como coadjuvante.
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António Costa disse que o ex-ministro Azeredo Lopes lhe referiu o contacto da ex-PGR que "teria a intenção de enviar uma participação por escrito", contra a atuação da PJM, para "efeitos de abertura de um processo disciplinar", mas, tanto quando afirma saber, "essa participação nunca foi formalizada".
A comissão de inquérito para apurar as consequências e responsabilidades políticas do furto de material militar em Tancos iniciou os trabalhos em novembro de 2018 e o relatório final foi aprovado em julho passado em plenário, depois de 46 audições realizadas, entre militares e civis, responsáveis pelos serviços de segurança e informações, e titulares de órgãos de investigação, magistrados, para além de Azeredo Lopes.
Azeredo Lopes demitiu-se há um ano e saiu "de consciência tranquila"
José Azeredo Lopes demitiu-se do cargo de ministro da Defesa em outubro do ano passado, afirmando-se de consciência tranquila.
"Saio de consciência tranquila e com a serenidade de quem deu o seu melhor nas funções que exerce, e também com a vívida noção do orgulho de ter podido participar no seu Governo, ao serviço do país e dos nossos concidadãos", declarou Azeredo Lopes, na carta de demissão que apresentou ao primeiro-ministro, António Costa, em 12 de outubro de 2018.
Na missiva, o ex-ministro procurou rebater as "acusações" que disse que lhe estavam a ser dirigidas a propósito da recuperação do material de guerra furtado em Tancos: "Desmenti e desminto, categoricamente, qualquer conhecimento, direto ou indireto, sobre uma operação em que o encobrimento se terá destinado a proteger o, ou um dos, autores do furto, numa espécie de contrato de impunidade", disse.
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Além do caso de Tancos, o mandato de Azeredo Lopes foi marcado por vários momentos dramáticos. Apenas sete meses depois de assumir o mandato, Azeredo Lopes bateu de frente com suspeitas de práticas discriminatórias em função da orientação sexual no Colégio Militar e 'comprou' uma guerra contra a hierarquia do Exército, pela forma como geriu o caso, resultando na demissão do então Chefe do Estado-Maior, general Carlos Jerónimo.
O ano de 2016, que Azeredo Lopes já classificou como "infeliz", ficou marcado pela morte de três militares da Esquadra 501 da Força Aérea, quando, a 11 de julho, ocorreu um acidente com uma aeronave C-130 na Base Aérea do Montijo, durante um treino.
A 04 de setembro, uma prova do 127.º curso de Comandos levou à morte dois instruendos - Dylan da Silva e Hugo Abreu, ambos com 20 anos - enquanto outros sofreram lesões graves, num processo que resultou na acusação, pelo Ministério Público de 19 militares.
Um ano depois, a 28 de junho de 2017, é divulgado o furto de material militar de dois paióis de Tancos.
No seu mandato, Azeredo Lopes conseguiu que as verbas destinadas ao reequipamento e modernização militares não sofressem cativações, permitindo a aquisição de material importante para os três ramos. A aposta nas missões militares internacionais, com "um regresso à ONU", destacando-se as missões da República Centro Africana, foi um timbre do mandato de Azeredo Lopes, que alterou também a política para a cooperação militar, tornando-a mais abrangente na Defesa.
Já a situação do Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA) é um dos problemas que ficou por resolver.
Nascido no Porto a 20 de junho de 1961, José Alberto de Azeredo Ferreira Lopes é professor universitário na sua área de estudos, o Direito, na Universidade Católica, e é autor de artigos e obras na área do Direito internacional.
Sem filiação partidária, católico praticante, e adepto do Boavista, Azeredo Lopes chegou ao Governo depois de dois anos como chefe de gabinete do Presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira. Diplomado do Institut Européen des Hautes Études Internationales, que obteve em 1985, é também auditor da Hague Academy of International Law e professor convidado na Blanquerna Comunicació, Universitat Ramon Llul, Barcelona.
Foi diretor da Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa, entre 2005 e 2006, e do Gabinete de Estudos Internacionais da mesma Universidade, entre 1993 e 2004. As suas áreas de investigação principais foram o direito de autodeterminação dos povos, o uso da força nas relações internacionais, os direitos humanos e os conflitos armados. Antes de integrar o Governo, escrevia no Jornal de Notícias e foi comentador na RTP2 sobre política internacional.
Foi relator para o Setor Judicial, Missão do Banco Mundial em Timor-Leste (Joint Assessment Mission for East Timor), 1999 e, no mesmo ano, foi coordenador e membro de uma missão de observadores internacionais à consulta popular em Timor-Leste.
Integrou o Grupo de Trabalho sobre Serviço Público de Televisão, em 2002, no âmbito do qual negociou, em representação do ministro da Presidência do Conselho de Ministros do XV Governo Constitucional, Nuno Morais Sarmento, o Protocolo RTP-SIC-TVI, assinado em 21 de agosto de 2003.
Azeredo Lopes presidiu à Comissão Executiva da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) entre 2006 e 2011. Desse tempo, o seu sucessor, Carlos Magno, definiu-o como um "negociador duro" e, com ironia, como "caceteiro".
"Eu sou mais diplomata e ele é mais caceteiro, porque eu sou do [Futebol Clube do] Porto e ele é do Boavista [Futebol Clube]", afirmou, em 2015, sobre Azeredo Lopes.
Como ministro, granjeou a antipatia de muitos deputados da oposição e mesmo da área do PS, pela forma, que alguns consideraram "arrogante", como respondia a perguntas nas comissões parlamentares. Obstinado e mesmo teimoso, a Azeredo Lopes são atribuídas outras características como a coragem, frontalidade e o sentido de humor.
Apontado como especialista em Comunicação, a sua forma de expressão verbal resultava por vezes confusa, o que lhe exigia explicações posteriores, como quando afirmou, em entrevista ao DN: "No limite, não houve furto nenhum".
MP acusa seis elementos da Polícia Judiciária Militar de envolvimento no caso
O Ministério Público acusou esta quinta-feira seis elementos da Polícia Judiciária Militar de envolvimento no caso do furto e da recuperação das armas do paiol de Tancos, sendo o inspetor Pinto da Costa o que está acusado de mais crimes.
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), o major Pinto da Costa é acusado de sete crimes, cinco dos quais em coautoria: associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação ou contrafação de documentos, denegação de justiça e prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário e dois crimes de detenção de arma proibida.
O sargento Mário Lage de Carvalho, que chegou a ser condecorado pelo ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes (também arguido neste processo) é acusado de cinco crimes em coautoria: associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação ou contrafação de documentos, denegação de justiça e prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário.
No despacho o MP acusa também o inspetor da Polícia Judiciária Militar (PJM) José Carlos Teixeira Costa de cinco crimes em coautoria: associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação ou contrafação de documentos, denegação de justiça e prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário.
O ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar (PJM) Vasco Brazão é acusado de cinco crimes coautoria: associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação ou contrafação de documentos, denegação de justiça e prevaricação e de favorecimento pessoal praticado por funcionário.
Também o ex-diretor da Polícia Judiciária Militar (PJM) Luís Vieira é acusado de cinco crimes em coautoria: associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação ou contrafação de documentos, de denegação de justiça e prevaricação e de favorecimento pessoal praticado por funcionário.
O então coordenador do Laboratório de Polícia Técnico-Científica da PJM, Nuno Gonçalo Reboleira, está acusado de cinco crimes em coautoria: associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação ou contrafação de documento, denegação de justiça e prevaricação e favorecimento pessoal praticado por funcionário.
O Ministério Público requer como penas acessórias para estes seis arguidos da GNR a suspensão de funções e a interdição de uso e porte de arma.
Presumível autor do furto acusado de seis crimes, um deles de terrorismo
O ex-militar João Paulino, apontado como presumível autor do furto de armas do paiol da base militar de Tancos, é acusado de seis crimes: detenção de cartuchos e munições proibidas e, em coautoria com outros arguidos, de dois crimes de associação criminosa, um crime de tráfico e mediação de armas, um crime de terrorismo e outro de trafico e outras atividades ilícitas, segundo a acusação do Ministério Público.
O MP solicita para este arguido que seja aplicada uma sanção acessória de interdição de detenção, uso e porte de arma.
Nove dos 23 arguidos acusados do crime de terrorismo
Nove dos 23 arguidos no caso do furto e da recuperação das armas do paiol de Tancos são acusados do crime de terrorismo, segundo o despacho de acusação do Ministério Público (MP).
O crime de terrorismo é imputado pelo MP a Valter Abreu, Filipe Sousa, António José dos Santos Laranginha, João Pais, Fernando Santos, Pedro Marques, Gabriel Moreira, Hugo Santos e João Paulino, todos com responsabilidades no assalto.
Destes nove acusados do crime de terrorismo, oito estão em prisão preventiva. Valter Abreu tem aplicado o Termo de Identidade e Residência (TIR) com apresentações semanais na polícia.