Turismo de Portugal espera rendimentos de 23 mil milhões de euros em 2023
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O Turismo de Portugal, liderado por Carlos Abade, assume a três meses do final do ano, que já é possível dizer com segurança que 2023 vai bater o recorde de receitas da industria do Turismo.
Na primeira entrevista depois de tomar posse como presidente do Turismo de Portugal, Carlos Abade, revela que espera receitas de 23 mil milhões de euros, o que representa um crescimento de 9% em relação ao ano passado.
"Tudo indica que, em 2023, o valor das receitas turísticas seja maior do que 21,1 mil milhões de euros, como é evidente. Já estamos com 39% de crescimento, está acima daquilo que era a projeção feita em 2021; quando em 2021 projetámos o crescimento para os próximos 6 anos, para 2027, aquilo que foi o objetivo lançado para 2027, eram 27 mil milhões de euros de receitas turísticas. Eu recordo que em 2019 nós estávamos a partir de um valor de 18,4 mil milhões, em 2022, este valor de 21 mil milhões de euros já representa um salto qualitativo bastante significativo", adianta Carlos Abade.
O responsável acrescenta que "se nós chegarmos aos 23 mil milhões de euros, será seguramente uma verba que me parece perfeitamente aceitável para conseguirmos alcançar".
O Turismo de Portugal afirma ainda estar atento à proposta da ANA-Aeroportos de aumento de 18% das taxas aeroportuárias em Lisboa, sem se pronunciar sobre o montante do aumento Carlos Abade explica que as taxas influenciam Portugal como destino porque "interfere naquilo que é a competitividade das rotas, mas é uma dimensão que tem que ser vista com atenção. A dimensão e a fixação das taxas deve ter em consideração não só aquilo que é o objetivo da taxa propriamente dito, mas que não pode colocar em causa aquela que é a competitividade de Portugal, enquanto um destino para a viagens aéreas".
Ainda esta semana a Comissão Técnica Independente do novo aeroporto propôs varias medidas para melhor as partidas e chegadas ao Humberto Delgado são medidas bem vindas que não passam de "um paliativo", sustenta Carlos Abade.
Carlos Abade é presidente do Turismo de Portugal há três meses.
Agosto registou um recorde de mais de 10 milhões de dormidas. Esperam-se novos máximos agora que a época baixa começou?
Se tivermos em conta a quebra muito significativa dos anos de 2020 e 2021, este ano registou uma recuperação bastante expressiva e os primeiros oito meses de 2023 apenas revelam que estamos a viver os melhores números de sempre do setor do turismo. Projetamos que este crescimento continue ao longo do ano e que possamos chegar ao final de 2023 com um ano melhor do que foi 2019.
Qual é o valor esperado das receitas turísticas este ano, depois do histórico resultado de 21 mil milhões de euros alcançados em 2022?
As receitas do turismo apresentam, a esta data, um crescimento de 39% relativamente ao valor de 2019. Este crescimento está acima da projeção feita em 2021, cujo objetivo era o de atingir, em 2027, 27 mil milhões de euros em receitas turísticas. Se chegarmos aos 23 mil milhões de euros este ano será uma verba que me parece perfeitamente aceitável de alcançar.
A boa performance das contas faz-se, sobretudo, à boleia do aumento dos preços. A responsabilidade é apenas da inflação ou o país continua a posicionar-se como um destino mais caro?
O setor do turismo tem feito um trabalho extraordinário ao longo dos anos para ser mais sofisticado e complexo e ter, sobretudo, a capacidade de entrar em novos mercados e de valor acrescentado. Tem havido, nos último anos, um crescimento muito acentuado do mercado dos Estados Unidos e do Canadá que vieram diversificar a oferta e acrescentar valor. O mercado onde o setor do turismo está posicionado é de maior valor acrescentado do que era há de anos e, naturalmente, isso tem repercussão ao nível do gasto médio do turista em Portugal.
Os portugueses passaram menos férias cá dentro este ano e as dormidas do mercado nacional têm caído - sobretudo desde junho. Portugal corre o risco de se tornar num destino turístico só para os estrangeiros?
Portugal tem a capacidade de ter uma oferta turística suficientemente diversificada para todos os mercados que nos procuram. O mercado nacional está a crescer relativamente a 2019 e 2022 também e os portugueses encontram em Portugal resposta às suas motivações de viagem. O setor do turismo tem também sabido penetrar no mercado internacional. É bom estar no mercado nacional e é muito importante para o setor do turismo em Portugal - representa 30% das dormidas no país - mas também é bom notar que o setor do turismo fez um enorme esforço para se posicionar no mercado global que é cada vez mais competitivo. Portugal tem de continuar a ser um destino para turistas nacionais mas também com mercado internacional.
Esta quebra na procura interna vai piorar no próximo ano com o agravamento da perda do poder de compra das famílias?
No acumulado do ano as dormidas dos portugueses têm crescido o que significa que os portugueses escolheram outras alturas do ano para poderem viajar o que não é mau, faz com que se atenue a sazonalidade e isso é positivo para o setor. Não prevemos uma quebra do mercado nacional, antes pelo contrário, estamos muito focados em garantir que o mercado nacional continua a ter uma resposta às suas motivações de viagem.
As famílias não estão a ficar sem dinheiro para fazer turismo?
As famílias, por força daquilo que é a questão da inflação e do aumento das taxas de juro terão maiores dificuldades neste momento. O que temos percecionado é que, do ponto de vista daquelas que são as viagens dos turistas nacionais em Portugal, no acumulado a agosto, não houve uma quebra. A indústria do turismo é a indústria da felicidade e ninguém está disponível para deixar de ser feliz. As pessoas continuam a viajar em Portugal e para outros lados do mundo mas é importante dar nota de que o mercado nacional continua a encontrar dentro de Portugal uma resposta.
Por outro lado, há cada vez mais turistas dos Estados Unidos e do Canadá a chegar ao país. Que impactos se esperam no turismo com o aumento destes mercados, que têm um poder de compra elevado e que estão também a tornar-se investidores no setor?
É positivo do ponto de vista daquela que é a valorização da marca Portugal. O turismo tem contribuído, de uma forma muito decisiva, para a valorização da marca Portugal e isto não é importante só para o setor do turismo. É importante para o setor dos vinhos, do calçado e para todos os setores de atividade que beneficiam deste incremento de valor. Hoje, se os sapatos se vendem dois ou 20 euros mais caros é porque houve esta dimensão do turismo que incrementou valor à marca.
As dormidas no Alojamento Local (AL) deram um salto de quase 7% em agosto. Esta fileira tem um parceiro no Turismo de Portugal (TdP)?
O AL tem um papel muito importante na economia do turismo. O AL foi um dos instrumentos que permitiu a reabilitação dos centros da cidade, nomeadamente de Lisboa e do Porto. Deu resposta às motivações por parte dos turistas e, nesse sentido, naturalmente que o AL continua a ter um parceiro no Turismo de Portugal.
Como vê as restrições impostas pelo pacote Mais Habitação, nomeadamente a suspensão de novas licenças?
As licenças que existem continuam a ter vigência até 2030. Sobre o condicionamento das novas licenças, é um tema que não vou comentar porque faz parte de decisões do governo e não estão relacionadas com o TdP. É preciso notar que o AL teve e tem um papel importante na estruturação do turismo e continuará a ter. Os AL que existiam ontem e hoje continuarão a existir amanhã e depois.
Mas o número de turistas a chegar ao país continuará a crescer. Teremos capacidade para continuar a albergar este crescimento sem possibilidade de expandir o AL?
Portugal não é Lisboa nem o Porto, é mais do que isso. Tem uma dimensão de oferta de recursos e de motivações de visita muito significativas e o nosso objetivo é que o turismo continue a crescer ao longo de todo o território e de todo o ano. Enquanto temos RevPAR [rendimento médio por quarto disponível] de 90 euros em Lisboa temos também [preços] menos significativos noutras regiões. Há um potencial de crescimento enorme em zonas do interior - foi aprovada a Agenda do Turismo para o Interior para potenciar o fluxo para essas áreas e poder fazer do turismo o motor da alavanca e de coesão do país. Os fluxos turísticos não devem estar só nas cidades, devem conhecer o resto do país. Cerca de 85% da procura está muito limitada no litoral e há um potencial de crescimento enorme no âmbito do interior.
Não reconhece nestas medidas um impacto negativo no turismo como as associações de AL têm vindo a defender?
A questão do AL e do Mais Habitação foi definida pelo governo e não vou comentar. Houve um equilíbrio entre aquilo que é a dimensão da habitação, que é um tema importante e muito atual na sociedade, e o tema do AL.
Como vê o papel da TAP para o turismo do país?
A TAP tem tido um papel muito importante para o turismo nacional. A penetração do setor do turismo em mercados como os Estados Unidos ou mesmo no Brasil tem muito a ver com a capacidade que a TAP teve de fazer rotas e de as colocar estrategicamente nestes mercados. O TdP tem vindo a falar com a TAP, ver sempre possibilidades de novas rotas, de aumento da capacidade aérea, procurar novos destinos , diversificar rotas. Mas é um trabalho que fazemos com a TAP e com todas as outras companhias aéreas no sentido de aumentar ou reforçar a capacidade aérea para Portugal.
A TAP tem perdido quota de mercado e cortado nas ligações para o Porto e Algarve. Continua, ainda assim, a ser vital para Portugal?
A TAP é muito importante para o turismo nacional e temos trabalhado com a TAP no sentido de identificar oportunidades. É importante que a TAP tenha estabilidade para que possa fazer o seu trabalho e para que possamos retirar da TAP aquilo que ela pode ao país. É um parceiro incontornável mas temos feito esse trabalho com outras companhias aéreas que têm sido muito importantes para o desenvolvimento do setor do turismo em Portugal.
Com a crescente oferta de outras companhias e com as low cost a ganhar terreno, a TAP ganha pela captação dos turistas transatlânticos?
A TAP tem um papel na captação desse mercado. A TAP foi decisiva para conseguirmos chegar a novos mercados e diversificar para mercados tão importantes como os Estados Unidos.
A TAP pode ser engolida por um parceiro maior?
O que considero importante é perceber que a TAP, tal como está, tem tido um interesse de grandes companhias aéreas internacionais que estão a olhar para ela como uma oportunidade de negócio e de crescimento. É importante que o modelo de negócio da TAP se possa traduzir na fixação de um hub em Lisboa.
A privatização é o melhor caminho para assegurar o futuro da companhia e do turismo do país?
Não me vou pronunciar, é uma decisão que compete ao governo. O que é importante é que a TAP tenha estabilidade e um modelo de negócio que lhe permita continuar a ser um parceiro do setor do turismo.
Quais são os aspetos que devem ser assegurados na venda aos privados?
É importante termos o hub cá porque isso permite-nos controlar a distribuição e captar passageiros. Essa é uma dimensão que deveria estar cuidada relativamente aos cadernos.
A ANA anunciou a subida das taxas aeroportuárias em quase 18% no próximo ano. Este é um fator condicionante do acesso dos turistas a Portugal?
Naturalmente que interfere naquele que é o custo das viagens e, nessa medida, naquela que é a competitividade de Portugal. Temos de ter atenção relativamente à questão do aumento das taxas de forma a que Portugal continue a ser um destino competitivo para as companhias aéreas e para que consigamos continuar a ter rotas, aviões e capacidade aérea para Portugal.
Portugal vai decidir a localização de um novo aeroporto para a região de Lisboa, mas até que a obra esteja operacional vão passar pelo menos 10 anos. Qual deverá ser o plano B durante esta década?
É importante que passados 50 anos haja uma decisão sobre o tema do aeroporto e que a Comissão Técnica Independente (CTI), até ao final do ano, possa dar o seu parecer em relação à localização. Não existe só o aeroporto de Lisboa, temos vários aeroportos no país e temos vindo a trabalhar não só no sentido de tornar mais eficientes as deslocações aéreas para Lisboa mas também para Faro, para o Porto, para a Madeira e para Ponta Delgada. Temos esta dimensão de levar o setor do turismo a todo o território e de trabalhar todos os outros aeroportos, temos de ser mais eficientes com os recursos que temos. É verdade que o aeroporto de Lisboa está fortemente condicionado mas há uma dimensão de conseguirmos relativamente à capacidade aérea que existe de torná-los mais eficientes. Temos um load factor - que é a ocupação média dos aviões - na ordem dos 74%. Isto significa que podemos crescer no sentido de assegurar que o número de passageiros chegados a Portugal possa ser maior do que é. Há a capacidade de encher mais os aviões e com isso trazer mais passageiros.
O aeroporto de Beja é um aeroporto esquecido?
Os aeroportos não existem só por si. Nós não dizemos às companhias para onde têm de voar, elas voam para os sítios onde são mais competitivas. E, por outro lado, há uma dimensão relativa às infraestruturas que têm de existir à volta do aeroporto para que ele funcione. Neste momento, o aeroporto de Beja não tem sido uma resposta à vontade das companhias aéreas que voam para Lisboa. O que temos de assegurar é que haja um novo aeroporto que permita dar essa resposta.
Enquanto não há novidades, a Portela continua esgotada e as obras de melhoramento por parte da ANA não avança O governo está a falhar ao não pressionar a empresa e acelerar o processo?
Tem de perguntar ao governo. Da nossa parte, trabalhamos no sentido de tentar encontrar formas de tornar mais eficiente o que já temos. Mantemos um diálogo constante com a ANA e tudo o que possamos fazer em conjunto para melhorar o aeroporto que temos fá-lo-emos. Sendo certo que será sempre algo paliativo porque a importância de termos uma nova infraestrutura aeroportuária é determinante.
O último relatório da CTI, conhecido esta semana, propõe várias medidas para melhorar o aeroporto de Lisboa, como o desvio do tráfego não comercial ou a construção de um Terminal 3 em Figo Maduro. Que leitura faz das sugestões?
Não analisámos a questão ao pormenor. O que está em causa é tentar perceber, do ponto de vista de eficiência, que tipo de ações podem ser feitas durante este período para que possamos continuar a crescer em passageiros. Todos os investimentos que possam ser feitos para melhorar o aeroporto de Lisboa, naturalmente, serão bem-vindos.
O setor continua a ser o mais mal pago do país?
Há desafios grandes e um tem a ver com a questão das pessoas. Não só do ponto de vista da atração, captação e retenção de talento mas também do ponto de vista da valorização e qualificação dos profissionais de turismo. É por essa razão que foi aprovada a Agenda para as Profissões do Turismo com um conjunto de medidas para valorizar e qualificar estas profissões. As empresas têm incrementado o salário - e [este aumento] tem sido o dobro da média nacional. Se estamos satisfeitos? Não, como é evidente, porque no final do dia o turismo é bom na medida em que é bom para as pessoas. Esse crescimento tem de continuar, estou certo de que o setor do turismo tem a capacidade de o fazer.
Quantos trabalhadores faltam atualmente no setor?
Na pandemia perdemos cerca de 50 mil trabalhadores, mas em 2022 e 2023 esse número foi praticamente recuperado. O setor também cresceu e continua a ter necessidades de recursos humanos. Não sei o número exato. A dimensão dos que nos procuram de outros países acabou por ser uma solução. Mas esta dimensão tem de ser acompanhada de um forte esforço de qualificação e valorização dos que entram dentro do setor do turismo.
Quantos trabalhadores estrangeiros trabalham no turismo?
Temos assistido ao acolhimento de um conjunto de pessoas que chegaram a Portugal e que encontram no setor do turismo a resposta para as suas necessidades. Não tenho os dados. Da parte do TdP tem havido um esforço de encetar ações de valorização e qualificação destes trabalhadores. Temos de insistir no reforço da qualidade da oferta em Portugal e o reforço passa pela valorização e qualificação de quem trabalha e é uma preocupação central.
