Incêndio fatal: colectividades queixam-se da falta de vistorias. Governo diz que nunca as prometeu
Incêndio em associação recreativa de Tondela que provocou 11 mortos, há um ano, levou o Ministério da Administração Interna a anunciar "uma grande ação de identificação do respeito pelas regras de segurança" para evitar novas tragédias. As coletividades esperavam vistorias e mais fiscalização, que dizem não ter acontecido. Governo diz que não foi isso que prometeu.
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Janeiro de 2018 foi um mês dramático no concelho de Tondela. Treze dias depois do início do ano, um incêndio na Associação Recreativa de Vila Nova da Rainha deixou 11 mortos, mais de 30 feridos e levantou a polémica sobre a falta de condições de segurança nas coletividades.
Por essa altura, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, chamou a atenção para a tragédia, e pediu atenção às condições de segurança dos equipamentos coletivos, em articulação com a Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD). Um ano depois, o presidente da CPCCRD, Augusto Flor, garante à TSF que as vistorias, que esperavam depois das palavras do ministro, nunca avançaram: "Não, nunca chegou a acontecer. Aquilo que temos feito é por nossa iniciativa própria".
Mas o gabinete do ministro da Administração Interna, já depois desta denúncia, veio esclarecer que o que fez há um ano foi chamar a atenção para a necessidade de "um esforço nacional, mas também local, de sensibilização pedagógica e de ação preventiva", privilegiando o papel das juntas de freguesia nessa missão.
No último ano, a CPCCRD fez quatro plenários de Norte a Sul do país, com a colaboração da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), e publicou um manual de prevenção de incêndios em clubes e coletividades. Augusto Flor assume não ter tido dúvidas quanto à promessa ouvida de vistorias e fiscalização por parte do Governo, mas também assume que só pode ter sido um mal entendido: "O senhor ministro, ao dizer isso, não teve em conta quem é que ia fazer essas vistorias porque, não sei se sabe, estamos a falar de 30 mil coletividades, não estamos a falar de 3 mil. Só alguém que não sabe exatamente a dimensão disto é que pode fazer uma afirmação destas."
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Apesar de algumas vistorias terem, de facto, avançado em vários pontos do país, a CPCCRD garante que na maioria dos casos não há meios materiais e humanos. "As coletividades por si não têm forma de o fazer, as associações de bombeiros não têm forma de o fazer, os serviços municipais de proteção civil não têm forma de o fazer [estamos a falar de serviços com três a cinco elementos e um concelho pode ter 200 coletividades], portanto é impossível as pessoas fazerem isto", nota Augusto Flor.
Mais de um ano depois do incêndio em Tondela, o presidente da Confederação receia que o assunto caia no esquecimento e desafia as autoridades a criarem um grupo de trabalho que reúna a ANPC, a Associação Nacional de Freguesias, a Associação Nacional de Municípios e o MAI.
ANPC diz que mais de metade das coletividades não tem medidas de autoproteção
A TSF questionou o MAI, tendo sido remetida para a ANPC, que garante ter realizado, em 2017, 803 inspeções regulares e 403 inspeções extraordinárias, sendo que, em 2018, foram realizadas 1456 Inspeções Regulares.
Na resposta enviada à TSF, a ANPC salienta que "a responsabilidade pela manutenção e garantia das condições de segurança contra incêndio e pela implementação das medidas de autoproteção é das entidades que detêm a propriedade do edifício ou recinto e das entidades que detiverem a exploração do edifício ou recinto, consoante a situação, ou ainda às entidades gestoras no caso de edifícios ou recintos que disponham de espaços comuns, partilhados ou de serviços coletivos".
Depois de uma resolução do Conselho de Ministros, a ANPC solicitou às coletividades que, no prazo de 90 dias, indicassem a sua situação em relação às medidas de proteção contra incêndios. Segundo a ANPC, entre as mais de 2 mil respostas recebidas pela ANCP, 58% das coletividades afirmavam não ter medidas de autoproteção e 69% declararam não solicitar inspeções regulares.
A ANPC afirma ainda que "realizou uma campanha a nível nacional de divulgação e informação sobre o Regime Jurídico da Segurança contra Incêndio em Edifícios", com um folheto que visava explicar as normas de segurança contra incêndios - divulgado junto dos parceiros e associados da Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto, do Instituto Português do Desporto e da Juventude, da Inspeção-Geral das Atividades Culturais e com a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal.
"Este ano, será feita uma nova campanha de sensibilização para a necessidade de cumprimento da legislação em vigor", acrescenta a ANPC.