Um ano das vigílias pela Palestina no Porto. “O que são umas gotas de chuva quando há pessoas a quem chovem balas?”
A TSF falou com ativistas que se encontram diariamente para apelar a um cessar-fogo. Dizem-se tristes e frustrados pela guerra continuar e estar a espalhar-se para outros países
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João Noronha não quis ficar mais uma noite em casa sem reivindicar o que via nas notícias sobre a Faixa de Gaza. Saiu para a Avenida dos Aliados na noite de 12 de outubro de 2023. No início, era tudo muito simples. O jovem fotógrafo levava ao pescoço uma kufiya, lenço tradicional palestiniano, velas e um cartaz de protesto, e sentou-se sozinho no topo da Avenida dos Aliados. Dois dias depois, houve uma manifestação pela libertação da Palestina, que juntou uma centena de pessoas.
O ativista contou a vários manifestantes sobre as vigílias pela Palestina que fazia e muitos se juntaram. Desde então, João Noronha não voltou a estar sozinho.
As vigílias continuam a acontecer todas as noites às 21h00 em frente da Câmara Municipal do Porto, mais especificamente na Praça General Humberto Delgado. Mesmo em noites frias e de chuva, como na noite em que a TSF se encontrou com os ativistas.
“Não podemos só vir aqui quando há massacres ou quando há uma situação que escala”, diz o ativista Gonçalo. Quando questionado porque vem às vigílias, o estudante de sociologia na Universidade do Porto responde que, na sua visão, “é preciso vir aqui todos os dias lembrar as milhares de pessoas que estão a ser assassinadas; é um genocídio em curso, não há outra palavra”.
Já a ativista Catarina Barbosa, partilha uma noite que nunca esqueceu. “Estava a chover, era em novembro ou dezembro do ano passado, e apareceram duas pessoas, uma delas palestiniana, quase a chorar de emoção por nos ver. Virou-se para nós e disse que nos dias anteriores não tinha conseguido sair da casa de estar tão deprimida e depois ouviu dizer que estavam a acontecer as vigílias, veio e abraçou-nos a todos.”
Contudo, nem todas as noites foram marcadas por encontros como estes. Pelo local onde os ativistas se concentram, já passaram por lá pessoas a insultá-los, um acontecimento que os jovens com quem a TSF falou desdramatizam e não consideram um impedimento ao protesto, tal como qualquer condição meteorológica.
“Quem é portuense sabe que o inverno passado não foi um inverno fácil. Houve mais noites em que eu estive molhado do que propriamente seco”, conta João Noronha. “Mas não são umas gotas de chuva que podem fazer uma pessoa retrair-se perante uma situação em que há pessoas que estão a morrer.”
O fotógrafo reflete ainda: “O que são umas gotas de chuva a caírem-me na cabeça quando há pessoas a quem chove balas, estilhaços, bombas, explosões, sangue?”
Quando questionados como olham para este último ano, os ativistas dizem-se tristes e frustrados por a guerra continuar e estar a alastrar-se para outros países. “É um ano em que toda a esperança que eu poderia ter em algum tipo de instituição, nacional ou internacional, morreu completamente”, diz Catarina Barbosa. “Por exemplo, na União Europeia, há uma visão completamente diferente com o que está a acontecer na Ucrânia e o que está a acontecer na Palestina”, acrescenta.
Para a designer de 28 anos, “é impossível os políticos continuarem a ver crianças a serem mortas e continuarem a não fazer nada, e a dizer que Israel tem o direito a se defender”. Por sua vez, João Noronha diz que "vergonha" é a única palavra que encontra para descrever o papel das instituições mundiais no último ano.
Mas se a esperança falta, Catarina considera que a comunidade que se formou a partir destas vigílias é “mesmo bonita”: “A Palestina é o que nos une, mas não é só. Aqui descobrimos pessoas de muitos contextos diferentes, seja por nacionalidades, experiências de vida, idades, mas todos vêm aqui por um propósito.” João Noronha garante que estes encontros não vão parar até haver paz na região.
As vigílias pela Palestina acontecem todas as noites no Porto às 21h00 à frente da Câmara Municipal. Acontecem também em formato semanal em Lisboa e em Braga.
