Coordenador da candidatura afirma que "não foi feito nada" e avisa que estamos a "caminhar a passos largos para a extinção da arte". Execução do plano está dependente de fundos comunitários.
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Há um ano a extinção era um risco, hoje é praticamente certa. É esta a avaliação feita pelo coordenador científico da candidatura que foi considerada "exemplar" pela UNESCO e que levou o Comité Intergovernamental a aprovar, sem qualquer objeção, a inscrição do fabrico de chocalhos na Lista do Património Cultural Imaterial com Necessidade de Salvaguarda Urgente.
A inscrição implica a execução do Plano de Salvaguarda que foi apresentado pela candidatura. É um plano estruturado em torno de cinco pontos e que tem um orçamento global de 830 mil euros. O Plano de Salvaguarda está calendarizado para três anos, entre 2014 e 2017. As fontes de financiamento são também identificadas: fundos europeus, Câmara Municipal de Viana do Alentejo e Junta de Freguesia de Alcáçovas.
Em entrevista à TSF, Paulo Lima afirma que "de uma forma técnica, de implementação no terreno do Plano de Salvaguarda, não foi feito nada".
O presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo (ERT), responsável pela candidatura, em parceria com a Câmara Municipal de Viana do Alentejo e a Junta de Freguesia de Alcáçovas, assume que "sem os meios financeiros adequados é impossível a execução do plano".
António Ceia da Silva garante que a ERT começou a trabalhar "de imediato" na candidatura a fundos comunitários. "Aguardamos serenamente a aprovação para que possamos pôr em prática o plano. Obviamente somos os primeiros responsáveis perante a UNESCO e vamos intervir o mais rapidamente possível", garante Ceia da Silva.
"O chocalho é um marco da nossa civilização"
No dossier de candidatura submetido à UNESCO lê-se que "a transmissão da prática está em grande parte bloqueada pela situação demográfica. Há apenas 13 chocalheiros em onze oficinas em Portugal, incluindo nove com mais de 70 anos. O mestre chocalheiro mais velho tem 87 anos e o mais novo 31. Apenas quatro praticam a arte em Alcáçovas, um em Estremoz, um na Ereira e outro na Asseiceira".
O coordenador da candidatura diz que tem mantido contactos com alguns chocalheiros e teme pelos mais velhos: "O Joaquim Vidazinha Sim Sim é de uma família que praticava ininterruptamente desde meados do século XVIII e agora foi operado e dificilmente irá voltar a fazer chocalhos". Para o antropólogo, "o panorama hoje é pouco propício a um futuro".
Já António Ceia da Silva sublinha que a aposta da ERT passa pela dimensão económica do património e pela inovação: "Tem sido essa a aposta da ERT e é nesse sentido que continuaremos a apostar. Há alguns fabricantes de chocalhos que já começaram a inovar e a utilizar artigos diferenciadores como porta-chaves e artigos decorativos, que permitem continuar a fazer o chocalho tradicional".
Sobre a situação de saúde dos mestres chocalheiros mais velhos, Ceia da Silva não tem informações, "mas há jovens chocalheiros a quem foi transmitida essa sabedoria", ressalva, afastando a preocupação em torno do risco de extinção. "Não estou nada preocupado", afirma Ceia da Silva.
Para o coordenador científico da candidatura, "há pequenos gestos que desapareceram para sempre". Paulo Lima defende que "o chocalho é um elemento nuclear da nossa cultura". O antropólogo nota que "embora seja um elemento aparentemente muito pobre, a que toda a gente se referia de uma forma jocosa no tempo da candidatura", o chocalho "é um marco civilizacional. Temos no chocalho uma só cultura que vai das Alcáçovas aos Pirenéus".
Paulo Lima considera que "há uma ausência de estratégia nacional em torno do património imaterial". O antropólogo lamenta a falta de acompanhamento depois de as candidaturas serem inscritas nas listas da UNESCO: "não há ninguém que nos venha perguntar o que está a ser feito".
O fabrico de chocalhos foi inscrito na Lista do Património Cultural Imaterial com Necessidade de Salvaguarda Urgente, no dia 1 de dezembro de 2015.