"Um legado inigualável" e "um contador de histórias nato" que "não se ficava pelos silêncios". As reações à morte de Fausto Bordalo Dias
Várias personalidades, desde Sérgio Godinho a António Zambujo, destacam o álbum "Por Este Rio Acima", considerando-o "um dos mais importantes da história da música portuguesa"
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Morreu, esta segunda-feira, Fausto Bordalo Dias. Sérgio Godinho afirma que, quando conheceu o artista e a sua obra, sentiu "logo que havia qualquer coisa de personalizado e muito identitário", conta à TSF, destacando: "O seu corpo de canções e a sua originalidade eram, de facto, muito únicas e particulares. Tinha uma grande personalidade musical, uma grande personalidade de qualquer maneira." Prova disso é o disco "Por Este Rio Acima", um trabalho "de absoluta referência na história da música portuguesa".
Sérgio Godinho teve, "sem falsas modéstias, um encontro de algo gabarito" com José Mário Branco e Fausto Bordalo Dias, referindo-se aos quatro concertos que fizeram juntos - dois em Lisboa e dois no Porto - a que chamaram "Três Cantos". "É quase difícil falar dele no passado. Era e é alguém muito importante", remata.
Desde as "ligações ao Zeca Afonso" até ao disco "Por Este Rio Acima", "que é provavelmente um dos mais importantes da história da música portuguesa", António Zambujo sublinha que o "impacto do Fausto é gigante".
Na mesma linha, Luís Represas realça: "O legado do Fausto é de tal maneira grande e profundo que ouvi José Afonso dizer uma vez: o Fausto é o melhor de nós todos, referindo-se à geração dele." Enfatiza igualmente a forma "peculiar" do homem, que nasceu literalmente no mar, estar "no mundo e na vida": "Era uma pessoa muito afirmativa, ele não se ficava pelos silêncios, dizia o que tinha de dizer e falava o que tinha de falar."
"Dos grandes", "um contador de histórias nato", alguém que "ouvia muito os seus pares, mas, quando intervinha, todos os que o rodeavam ficavam calados". É, desta forma, que João Pedro Pais carateriza Bordalo Dias, acrescentando que, como artista, a sua interpretação é "brutal". "Nunca vi ninguém igual ao Fausto."
Fausto Bordalo Dias parte e, por cá, fica "um legado, a nível de composição, inigualável", incluindo "o melhor álbum de sempre da música popular portuguesa".
Por sua vez, Júlio Pereira assinala que era "fácil" trabalhar com Fausto, porque havia sempre uma viola que os unia em prol da música: "É um dos nossos mais importantes cantautores que melhor dominava" esse instrumento. Ambos foram "muito influenciados a nível da audição por vários discos" de, por exemplo, Paul Simon e James Taylor.
Considerando Fausto Bordalo Dias um dos "cinco mais importantes cantautores, com muita evidência, a partir do 25 de Abril" - a par de José Mário Branco, Vitorino, Sérgio Godinho e Zeca Afonso -, o também compositor diz que a obra do filho de Beirões está ligada à identidade nacional: "Não só através da letra, que invoca tudo o que está a acontecer socialmente em Portugal, mas, fundamentalmente, a sua música era muito baseada em momentos da nossa música tradicional."
Para Mafalda Veiga, partiu "um génio". Em conjunto com João Pedro Pais, teve uma parceria no disco a que chamou Lado a Lado e Fausto participou na apresentação do trabalho nos concertos do Coliseu: "Foi maravilhoso poder privar com uma pessoa tão extraordinária, porque o Fausto, além de ser um génio, era também uma pessoa encantadora, que conversava de uma forma muito, muito querida e que ensinava imenso."
Carateriza ainda Fausto como uma pessoa "fiel aos seus valores e princípios", "extremamente perfecionista, mas, ao mesmo tempo, de uma enorme generosidade com os outros" e preocupada com "os pequenos detalhes".
António Manuel Ribeiro dos UHF espera que a obra de Fausto venha a ser reedita como a de Zeca Afonso e fala da "exigência e rigor" que colocava no trabalho que fazia. "Às vezes fica assim um bocado estranho dizermos isto depois da morte, mas os discos do Fausto, alguns deles, são obras-primas únicas." Por fim, define Fausto como "solitário".
Já o etnomusicólogo Hugo Castro aponta que Fausto teve, "sobretudo na década de 1980", um papel importante "na renovação da música popular portuguesa" e também como músico de intervenção: "O Fausto, apesar de ser dos cantores dentro deste universo da música popular portuguesa e dos cantores chamados cantores de protesto, tinha apenas um álbum gravado antes do 25 de Abril. Contudo, é dos músicos que mais se vai envolver, após o 25 de Abril, dentro das organizações populares e mesmo dentro de coletivos de artistas que se juntam para utilizar a música enquanto ferramenta de expressão da revolução que estava a acontecer. E, nesse período, ele vai ter um papel bastante importante, gravando discos, atuando com outros músicos como José Mário Branco, Tino Flores, Afonso Dias."
Já Pedro Abrunhosa considera que Fausto Bordalo Dias é o "grande trovador" português, "com uma ligação intrínseca às raízes populares e uma relação científica à vertente erudita".
As reações no mundo da política
Numa nota de pesar publicada no site oficial da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa refere que "recebeu com tristeza a notícia da morte de Fausto Bordalo Dias, que ao longo de décadas deixou um legado musical que se confunde com a própria história de Portugal". "Fausto pertencia a uma constelação de músicos que traduziu para as canções de intervenção o sentimento do povo português, e é por isso inevitável associar o nome de Fausto aos nomes maiores da música portuguesa, como José Afonso, José Mário Branco ou Sérgio Godinho", lê-se na mesma nota.
No entender do primeiro-ministro, Luís Montenegro, a morte de Fausto Bordalo Dias "não significa o seu desaparecimento", escreveu na rede social X. Considera igualmente que "o contributo que deu à música e à portugalidade são eternos".
Também Paulo Rangel reagiu através da rede social X, escrevendo que Fausto "trouxe à música popular a cor e o imaginário do universalismo português".
A ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, manifestou "profundo pesar" por esta notícia, assinalando que a sua obra fica para sempre ligada à "oposição ao regime ditatorial português" e à "resistência contra o fascismo".
Numa nota em que Pedro Nuno Santos lembra o percurso do cantautor, o secretário-geral do PS lamenta o falecimento de um "homem profundamente carismático, mas muito reservado" e um "cidadão atento e comprometido com as causas da cultura".
Por sua vez, o PCP manifestou pesar pela morte do "criador de muitas das mais belas canções portuguesas", declarando que "jamais esquecerá o facto de Fausto Bordalo Dias ter aceitado o convite, em 1985, para fazer o arranjo musical de A Carvalhesa, música popular portuguesa, originária de Trás-os-Montes que acompanha a atividade política do PCP em sucessivas campanhas eleitorais e na Festa do Avante!, que desperta de forma viva e entusiástica a alegria e confiança no futuro".
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, agradece ao "nome maior da música portuguesa", porque "durante décadas, as suas canções acompanharam e inspiraram lutas pela igualdade, pela justiça e pela emancipação".
Notícia atualizada às 18h27
