Em Odemira, o moleiro José Guilherme ainda moe e transforma em farinha o trigo e o milho de quem ali leva os seus cereais.
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É preciso subir uma estrada de terra batida e avista-se o moinho. Está caiado de branco e tem uma barra azul em baixo e na pequena janela. É o sítio dos Moinhos Juntos. Assim chamado porque ao lado encontra-se outro moinho já em ruínas. À porta o moleiro explica com pena que hoje não consegue armas as velas.
Está muito vento, rajadas fortes que podem partir o mastro e rasgar as grandes velas do moinho. "Quando o vento é certo a gente consegue controlar, mas assim... hoje está maré baixa", diz José Guilherme. Chama maré ao vento. Na parte de baixo do moinho tem a funcionar apenas uma pequena mó elétrica para que possamos ver como funciona a engrenagem.
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Subindo pelas íngremes escadas de madeira, José Guilherme vai contando que já o seu bisavô era moleiro. Ele é a 4ª geração de uma família que abraçou o ofício. "Aprendi a arte com o meu avô e o meu pai e até aos 14-15 anos ajudei sempre no moinho". No entanto, os ventos da vida levaram-no para a construção civil. "Não conseguia sobreviver como moleiro".
De há seis anos a esta parte, deixou os tijolos e o cimento e voltou a trabalhar como funcionário municipal e como moleiro, num moinho que a Câmara Municipal de Odemira recuperou. "Quem me diria a mim que voltaria a trabalhar nesta arte de moleiro"!
Este é um moinho comunitário onde quem mora na vila alentejana e arredores ainda vai levar o trigo ou o milho para que José Guilherme possa moer. Já há pouca gente a fazê-lo, mas ainda existe.
"É um moinho vivo", exclama Jorge Miranda, da Rede Portuguesa de Moinhos. Jorge Miranda dedica-se há mais de 30 anos a divulgar e a recuperar moinhos no País. Acredita que este é um património único que não se pode perder. "Quando existe um monte que tem um moinho ele é um ponto de atração", afirma. São locais que chamam gente, por isso é vulgar ver em qualquer cartaz turístico a fotografia de um moinho, um chamariz para o visitante.
No cimo do moinho, o senhor José Guilherme mostra a branca farinha já peneirada. Conhece desde miúdo todos os cantos e toda a engrenagem do local." Este é o sarilho, que puxa o moinho para um lugar ou para outro, este é o carreto"... vai nomeando cada peça feita em madeira.
José Guilherme conta que quando era miúdo o seu pai andava a distribuir farinha pelos montes numa mula. Apesar de se viverem tempos muito diferentes, Jorge Miranda acredita que esta arte não se vai perder. Há gente nova ainda interessada em aprender um ofício que hoje já não se resume apenas a moer cereais. "Um moleiro hoje tem de ser alguém que saiba comunicar, ser guia turístico e a imagem das vilas", considera.
Em anos anteriores, o Dia Nacional dos Moinhos levava sempre muita gente a visitar estes lugares mágicos mas, por causa da pandemia, há dois anos seguidos que ninguém ali se dirige. O sentimento que se instalou fez mais estragos do que uma rajada de vento que rasgasse ao velas do moinho. "Os moleiros andam tristes", lamenta o coordenador da Rede Portuguesa de Moinhos. "A forma que arranjámos para comemorar o dia foi através da rádio e deixarmos-lhe uma mensagem de que não estão sozinhos e de que é preciso resistir", conclui.