"Um museu de memória local." Ílhavo reabre único aquário de bacalhaus do país
A estrutura esteve fechada ao público e sem população de bacalhaus durante mais de um ano. A TSF foi conhecer o museu e a história de Carlos Reis, um antigo pescador de bacalhau da zona de Ílhavo
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É o único aquário com uma só espécie de bacalhaus, aquela que se apresenta no prato dos portugueses, e fica no Museu Marítimo de Ílhavo. Tem agora 23 bacalhaus do Atlântico, mas aguarda mais alguns que se encontram em quarentena. O objetivo é ter 30. Esteve fechado durante um ano e dois meses, sem bacalhaus, por motivos de saúde dos peixes antigos, mas também para reabilitar algumas das partes desta estrutura. A reabertura oficial ao público está marcada para este sábado, 11 de janeiro, com as jornadas "Aquários e Cidadania Azul".
Em declarações à TSF, Nuno Costa, diretor do museu, explica a razão pela qual este aquário esteve fechado tanto tempo. "Houve necessidade de fazer um vazio na população de bacalhaus que existia na altura, por uma questão de saúde. Percebemos que era a altura ideal, além da renovação da população, fazer também uma renovação estrutural porque o aquário já tem alguma idade, já são 12 anos, e os elementos técnicos já teriam algum estado de deterioração, que precisavam de alguma renovação, portanto isto foi uma decisão ponderada e necessária."
Com a população renovada, o aquário conta agora com 23 bacalhaus. Nuno Costa destaca a importância desta estrutura para o município de Ílhavo, uma zona de pescadores.
“O museu já tem 87 anos, fará 88. É um museu de memória local, que através do trabalho com o património relativamente à pesca do bacalhau afirmou a sua identidade, além do nosso território do concelho. É aí, nesse trabalho da memória da pesca do bacalhau, que entra o aquário e a vinda da parte biológica relativamente à pesca do bacalhau e é com o aquário que conseguimos também dar um salto para a literacia do oceano, para a preservação da sustentabilidade. Conseguimos fechar aqui o ciclo, falar sobre a pesca do bacalhau, sobre a identidade de Ílhavo e sobre este hábito cultural do consumo do bacalhau, exibindo as espécies vivas no aquário."
O aquário tem uma capacidade de 130 mil litros de água e está apto para acolher 30 bacalhaus da espécie que os portugueses consomem. Estes, no entanto, servem apenas para exibição. Por isso, há algumas características especiais no que toca ao tratamento das espécies: apesar das fêmeas estarem ovadas, não há oportunidade de se reproduzirem, a ração, que apenas comem dia sim, dia não, é colocada no aquário e os bacalhaus não gastam energia à procura de predadores. Além disso, a água do aquário é salgada com sal sintético e está a uma temperatura ideal para os peixes.
Andreia Silva é a bióloga responsável pelos bacalhaus e, também ouvida pela TSF, dá conta da rotina diária. “Chego cá de manhã, primeiro vejo se está tudo bem, se eles estão ativos, faço também medições da água às temperaturas, salinidades, oxigénio, faço as tais medições de nitritos e nitratos, alimento nos dias em que é para alimentar. Uma vez por semana também fazemos trocas de água e fazemos também depois as limpezas, através do mergulho, para limpar o substrato, os vidros e as pedras que estão no aquário.”
Estes bacalhaus do Atlântico são provenientes da Dinamarca. A bióloga explica como vieram estes peixes parar ao aquário, numa viagem longa que exige muitos cuidados pelos riscos que tem. “Estes são do mar, foi preciso alguém ir lá buscá-los, eles vieram da Dinamarca para aqui, numa carrinha frigorífica, dentro de dois tanques, e vieram a controlar a temperatura, o oxigénio, foi uma viagem de dois dias seguidos."
Pesca do bacalhau já foi a vida de Carlos Reis
Os bacalhaus são mais de 20 e pode vê-los já no próximo sábado, dia 11, no Museu Marítimo de Ílhavo, que organiza, nesse dia, as jornadas “Aquários e cidadania azul”. Ainda assim, são inúmeros os eventos que a entidade acolhe. É exemplo a Festa dos Bacalhoeiros, que reúne uma vez por ano pescadores de todo o país, num momento de convívio e partilha de memórias. Foi neste museu que a TSF conheceu um desses pescadores.
Carlos Reis, natural do Porto, chegou ao município de Ílhavo ainda bebé e com apenas 16 anos embarcou pela primeira vez para o Canadá. Passou por três barcos distintos e chegou a embarcar no mítico Navio Santo André, agora também ele um museu. Vindo de uma família pobre e sendo o filho mais velho, não teve outra opção senão ir para o mar para trazer algum dinheiro para casa.
“Eu era miúdo e descendente de uma família muito pobre e o meu pai faleceu e eu era o mais velho da casa, então só havia uma solução, tentar ir ganhar algum dinheiro para a casa. E foi assim a minha primeira viagem, em 1972, e foi a partir daí que eu depois segui a vida do mar até 1985.”
O bacalhoeiro conta que dentro do navio havia diferentes cargos e profissões e que, à medida que o tempo passava e a experiência aumentava, era possível subir de patamar.
“Uns já iam com profissão definida, principalmente os que eram ajudantes de máquinas já tinham passado por oficinas, e depois lá iam subindo de patamar. Nós, pescadores, começávamos como moços, passávamos para verdes, aqueles diversos nomes até aprender uma profissão e depois seguíamos para cima, até chegar a contramestre.”
Nos 13 anos que andou no mar, Carlos Reis foi de moço a mestre de salga. Nas suas viagens de longos meses, o pescador teve alguns percalços. “Estive muito próximo de naufragar mais do que uma vez. Às vezes com fogos a bordo, que acabámos por apagar e resolver a situação. Também um grande susto quando estávamos para embarcar para Portugal de regresso, já estávamos dentro do navio, descobrimos que o barco na proa estava todo partido devido ao gelo.”
A vida no mar não era fácil e o convívio entre companheiros tornava-se aborrecido. Por se passar muito tempo no barco, já se sabiam todas as histórias. “É como eu digo, aquilo era um manicómio flutuante, ao fim de um mês já sabíamos as histórias uns dos outros, por isso havia pouco para contar, só melhorava quando íamos a terra abastecer. Aí já trazíamos novas histórias para bordo. De resto era o quotidiano, era aquilo.”
Carlos relembra que até havia violência dentro do barco. O pescador fala em situações injustas entre os mais velhos e com cargos superiores e os mais novos aprendizes. O antigo bacalhoeiro deixou, a certa altura, a pesca do bacalhau, mas continua até hoje nas águas.
“Mesmo assim ainda não deixei o mar, fui para a pesca, ainda não estava satisfeito, fui para África. Fui para o Senegal, na pesca do camarão, estive na Guiné-Bissau, fiz aquela zona toda, mas depois disse: 'Acabou'. Mas aí está a tal coisa: continuo na água, sou mestre de tráfego local nos barcos moliceiros.”
Carlos até hoje não deixa o mar, continua a ter sonhos com os tempos de pesca do bacalhau e recorda agora muitas memórias que ficam sempre presentes. O pescador lembra a importância do Museu Marítimo de Ílhavo para a zona e para os próprios pescadores.
Este sábado, é dia de voltar a visitar o aquário que agora reabre com 23 bacalhaus.
