Um programa mistério, moções "fantasma" e a reviravolta com Rio. Os três dias de congresso do Chega
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Entre um incêndio à entrada, um apagão causado por uma falha de eletricidade, pirotecnia em palco, referências a influências divinas, ataques e contra-ataques com o PSD, apunhalamentos metafóricos entre a direção, a visita do líder da extrema-direita italiana, cantorias e (principalmente) gritarias... houve de tudo nestes três dias de congresso do Chega - menos um programa político para seguir. Conheça os momentos chaves do III Congresso Nacional do partido de André Ventura.
O mistério do programa do partido que ninguém conhece
O anúncio tinha sido feito pelo presidente do partido. Era neste congresso que seria apresentado e discutido com os membros do Chega o novo programa político. Só que não foi isso que aconteceu. Estávamos já no segundo dia o evento quando foi revelado que, afinal, o programa não iria ser divulgado e que seria apenas debatido à porta fechada, pelo novo Conselho Nacional, já depois do fim do congresso. E era já o terceiro dia de congresso quando Ventura finalmente justificou esta decisão, alegando que o documento era de "grande complexidade" e que não se devia "desviar" as atenções de algo "tão importante" como "a eleição da direção" do partido com questões como essa.
"Entendemos, pela complexidade do documento, (...) que era um pouco extemporâneo realizá-lo hoje e que era mais adequado fazê-lo no Conselho Nacional", referiu.
"Não é num congresso eletivo, que vai ter hoje uma eleição tão importante como a da sua Direção Nacional, Mesa e Jurisdição, que devíamos estar aqui a desviar o assunto", justificou André Ventura, garantindo, contudo, que o documento está "preparado".
O resultado? Os delegados presentes no congresso elegeram todos os órgãos nacionais do partido, sem conhecerem, de facto, as linhas políticas que irão orientar a atuação do Chega nos próximos anos.
O caso ganha contornos ainda mais peculiares se tivermos em conta que, anteriormente, o Chega chegou a retirar o programa em vigor da sua página na internet - com o intuito de alterar a expressão de que o Estado não pode ser "prestador de bens e serviços" de saúde, segundo Ventura - e que, já na última semana, um dos vice-presidentes do partido, Gabriel Mithá Ribeiro, admitiu mais mudanças no programa, com vista a travar tentativas de ilegalização do partido.
O desejado reforço da liderança
Ventura foi, várias vezes ao longo do congresso, preparando o terreno para o derradeiro momento da eleição dos órgãos máximos do partido, marcada para domingo: dizia que era necessária unidade, que era necessário mostrar aos outros a força que o Chega tem, para poder assumir poder. Esta manhã, assumiu-o com todas as letras e pediu um maioria reforçada da liderança.
Os delegados do Chega acederam ao pedido do presidente e confirmaram que o lugar de Ventura à frente do partido está bem solidificado.
A lista única apresentada por André Ventura a Direção Nacional do Chega reuniu o consenso de 79% dos presentes. Dos 377 delegados a votar, 312 disseram "sim" à proposta de Ventura, que contou ainda com 36 votos nulos e 29 abstenções. E à primeira tentativa!
Na última convenção do Chega, que aconteceu em Évora, a 20 setembro de 2020, foi necessário fazer três votações até se conseguir reunir a maioria de dois terços necessária para a aprovação da lista de Ventura.
Na altura, obteve 247 votos favoráveis e 26 contra, num universo de 273 votantes (cerca de 90% de aprovação - mas notar que, à primeira tentativa, teve apenas 183 votos a favor e 193 contra.
As mudanças e traições. Quem entra e quem sai dos órgãos nacionais
Depois deste fim de semana, há mexidas no equilíbrio interno de forças do Chega - e os maiores momentos de tensão no congresso deveram-se a isso mesmo.
André Ventura confirmou a saída de três vice-presidentes: Diogo Pacheco Amorim, Nuno Afonso e José Dias. Os dois últimos mostraram claro desagrado perante a decisão do líder do Chega, com Nuno Afonso a lembrar, no segundo dia de trabalhos, que o partido "não é de um homem só" e que por muito que "o tentem atacar, ferido ou apunhalado, nunca vai desistir de lutar pelo país".
A justificação de André Ventura para a mudança foi a necessidade de "caras novas" e a aposta na presença de "mais mulheres e jovens" - motivo pelo qual, para o lugar dos três vice-presidentes que saem, entrarem Marta Trindade, Ana Motta Veiga, acompanhadas por Pedro Frazão, um vogal da anterior direção.
O líder do Chega quer fazer da "rotatividade" uma bandeira na direção do partido e pretende que todos os vice-presidentes passem agora a poder cumprir apenas um mandato.
"O André Ventura acha que cada vice-presidente só deve fazer um mandato, eu não concordo e não concordo com tudo o que ele faz. Assumo que não concordo com essa rotatividade", confessou Nuno Afonso, em declarações à TSF.
Mas também ao nível dos outros órgãos do partido houve alterações. O Conselho Nacional passa a ser liderado pelo presidente da distrital de Viseu, João Tilly, que concorria sozinho - após ter conseguido uma maioria de 83%.
Quanto ao Conselho de Jurisdição, entre três listas concorrentes, os delegados decidiram dar a vitória à lista B, liderada por Rodrigo Taxa, (com 74% da votação), ficando à frente da lista C, de José Dias, e da lista A, de Carlos Monteiro.
Quanto o líder da Mesa do Congresso, só ficou definido à segunda votação, depois de um empate entre as duas listas concorrentes: a do atual presidente, Luís Graça, e a de Manuel Matias, ex-líder do Partido Pró-Vida, que se fundiu com o Chega, no congresso de 2019. Luís Graça acabou por sair vencedor, com 164 votos, contra os 150 da lista de Manuel Matias.
As moções "fantasma"
A juntar à polémica da "dança das cadeiras", surge uma outra, relacionada com a apresentação das moções temáticas. Das 80 propostas em cima da mesa, apenas metade foram apresentadas aos delegados. Embora tenha ocorrido votação de braço no ar, com a maioria dos presentes a votar a favor, alguns conselheiros acusaram a mesa de silenciar 40 das moções.
O presidente da concelhia do Porto, Jerónimo Fernandes, subiu mesmo ao púlpito para criticar a atuação da Mesa do Congresso. "Porque razão a mesa induziu estes participantes a que metade das moções tenha sido silenciada?", questionou.
As 80 moções temáticas foram votadas uma a uma, mas só metade teve o "privilégio" de ser apresentadas aos conselheiros. As restantes estavam apenas no portal do partido, com acesso exclusivo aos delegados.
Os jornalistas só tiveram acesso à moção global de André Ventura, uma vez que o Chega decidiu que as propostas seriam divulgadas apenas aos delegados.
A "nega" de Rio e o (nada extenso) leque de convidados
O último dia do congresso ficou marcado, principalmente, pelas ausências. O Chega endereçou convites para os partidos de direita, e, apesar de os convites terem sido aceites, apenas o CDS compareceu. O PSD acabou a recusar, devido "à forma como o líder do Chega se referiu nas suas intervenções" aos sociais-democratas.
Num comunicado enviado à comunicação social, o partido de Rui Rio explicou que tinha aceitado estar presente no congresso do Chega - como faz com "todos os partidos com assento parlamentar" sempre que é convidado". No entanto, "em face do conteúdo e da forma como o líder do Chega se referiu nas suas intervenções ao PSD", o partido fez saber que não iria marcar presença no congresso.
A Iniciativa Liberal acabou a seguir o mesmo caminho: de acordo com informação do Chega, os liberais estariam representados por Carla Castro, mas não compareceram sem dar qualquer justificação.
Já o CDS foi o único partido com assento parlamentar a assistir ao vivo ao encerramento do congresso, na pessoa do presidente da distrital de Coimbra, Jorge Almeida.
Fora do espetro político, destaca-se a Igreja Maná, que também acedeu "à honra" do convite do Chega, salvaguardando, no entanto, "sem tomar posições".
A "aparição" de Salvini
Depois de três tentativas goradas, Matteo Salvini acabou por marcar encontro com André Ventura em Portugal, já depois de o líder do Chega se ter encontrado com o italiano em Roma.
O líder da Lega esteve presente no dia de encerramento do congresso Chega, e discursou, num tom que lhe é característico, reafirmando os valores partilhados entre a sua Lega e o Chega, assentes nas raízes cristãs - e anunciou até que aproveitará a presença em Portugal para visitar o santuário de Fátima, com Ventura.
Salvini parabenizou o presidente do Chega pelo resultado nas eleições presidenciais, que decorreram há quatro meses, e manifestou a vontade de incluir o Chega numa futura "grande família europeia" de partidos populares, conservadores e identitários.
"O meu sonho é juntar o melhor destas três famílias para contrastar com os socialistas e comunistas e os que são contra a Europa dos povos e da liberdade", disse.
Além de Matteo Salvini, também Ľudovít Goga, do movimento da direita populista da Eslováquia Sme Rodina, esteve presente a discursar, enquanto convidado internacional. O partido Likud, do primeiro-ministro israelita Benjamin Nethanyau, também discursou - mas apenas através de uma mensagem de vídeo -, com uma representante do partido a agradecer ao Chega por reconhecer Jerusalém como "a eterna capital de Israel".
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