Um Unicórnio português na área das energias renováveis pode nascer daqui a dois anos
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Portugal pode vir a ter daqui a dois anos uma empresa Unicórnio (a valer mais de mil milhões de euros) na área da energia, defende a diretora da InnoEnergy Portugal, Andreia Fernandes.
A InnoEnergy é uma empresa europeia, ancorada no Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia, e que funciona como "olheiro" e facilitador de investimento. Em Portugal o escritório é dirigido por Andreia Fernandes.
A gestora assume que em matéria de energia renovável Portugal está no pelotão da frente da Europa: "Portugal não está na cauda da Europa. O escritório em Portugal é dos mais ativos na Europa e para nós quantidade não é qualidade e uma inovação com sucesso tem que ser muito trabalhada e isso requer recursos e requer tempo".
Para Andreia Fernandes "nós estamos inseridos num ecossistema vasto. Os nossos parceiros industriais (grandes empresas) estão cada vez mais ativos, a nossa educação, o nosso ensino superior é bastante considerado lá fora. Os conhecimentos transmitidos aos alunos que depois trabalham ou formam startups é visto de forma positiva e muitas empresas formadas fora de Portugal vêm aqui buscar recursos humanos", argumenta.
A diretora da InnoEnergy Portugal "gostaria muito" de ter uma startup em Portugal que se transforme em Unicórnio na área da energia e isso pode acontecer daqui a dois anos.
Essa será uma empresa que, "eu espero que faça uma revolução e que faça ser possível nós termos uma cadeia de valor na área do armazenamento da energia aqui em Portugal, e isso seria muito importante para nós, para a economia portuguesa e para talento que possa ser retido porque nós somos muito bons a criar talento mas sentimos dificuldades em retê-lo e se houver uma cadeia de valor portuguesa desde a extração da matéria-prima até à deposição final e reciclagem das baterias isso vai ser muito mais motivante para recursos que são cá criados e para mantê-los cá", defende Andreia Fernandes.
A presidente da InnoEnergy Portugal revela ainda que criou condições para o investimento de mais de 20 empresas jovens no país.
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"O nosso portfólio em 2020 eram cerca de 400 startups em que nós investimos. Em 2021 formos considerados como o maior investidor a nível global em energia sustentável; tudo isso deu-nos uma curva de aprendizagem muito importante para neste momento que estamos a atravessar com uma nova transição energética, deu-nos aqui bagagem e conhecimento para fazermos escolhas nas inovações".
Em Portugal, "a nossa caderneta de cromos é saudável. Nós investimos em Portugal em cerca de 20 empresas e nalgumas delas através de investidores portugueses institucionais".
Andreia Fernandes, directora da InnoEnergy Portugal, tem como principal interesse profissional a inovação, investigação e desenvolvimento.
Ela tem desenvolvido trabalho na transferência de tecnologia para o mercado de forma a garantir a sustentabilidade de vários setores com a intenção de acelerar a a descarbonização da economia.
Na sua atividade, com 15 anos de experiência, já passou pelo Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia, o LNEG, e pela QuimarEnergy.
O que é que faz InnoEnergy?
A InnoEnergy, a empresa onde estou atualmente, é o motor da inovação na área da energia sustentável na Europa. Com isto queremos dizer que aceleramos e investimos em soluções tecnológicas de inovação para as transferir para o mercado de forma rápida, daí a aceleração. E, mais importante, construir negócios à volta desses produtos que deixaram de ser uma tecnologia e passaram a entrar no mercado comercialmente.
A InnoEnergy tem uma pegada muito forte no que concerne à energia, porque é aí que se foca, e os temas com que estamos a lidar quando falamos de transição energética dão-nos mais responsabilidade ainda, porque também temos uma missão pública.
Somos apoiados pela Comissão Europeia através do EIT - European Institute of Inovation and Technology -, que é uma entidade que tem como missão promover a inovação tecnológica na Europa em diversas áreas chave, uma delas é a energia, onde a InnoEnergy está a fazer esse trabalho, somos quase um braço armado do EIT que, por sua vez, é um instrumento da Comissão Europeia para promover essa inovação na Europa.
A InnoEnergy é uma escola, uma empresa ou são "olheiros" das tecnologias emergentes que transformam em start-ups?
É um bocadinho de tudo isso. A InnoEnergy é uma empresa legalmente constituída na Holanda como uma sociedade europeia, tem uma estrutura e operacionalização totalmente comercial, e nos seus acionistas tem parceiros como universidades, laboratórios de investigação e parceiros industriais.
Que projetos desenvolvem na Europa e em Portugal?
Começámos a nossa atividade em 2010, em Portugal em 2012, e o desafio era acelerar a inovação na área da energia na Europa. Na altura, estávamos ainda muito atrás dos mercados emergentes como o americano ou o asiático, e o primeiro passo foi analisar o estado do setor da energia sustentável na Europa aquela altura.
Rapidamente percebemos que para fazer uma transferência de tecnologia para o mercado mais rápida, era necessário construir aquilo a que chamamos uma cultura de ecossistema. Para acelerar a transição energética e a transferência de tecnologia para o mercado precisamos de fazer isto em conjunto. Não existe nenhum player que tenha a capacidade de fazer sozinho este esforço.
Portanto, começámos a construir um ecossistema de parceiros e a criar relações de confiança, o que também é importante. Com isso, começámos a investir em duas formas principais de promover a transferência de tecnologia e uma outra na parte da educação.
Achamos que a educação também faz parte deste paradigma de acelerar a inovação. Começámos por investir em projetos de inovação, ou seja, consórcios que já tinham projetos testados a escala laboratorial. Estes consórcios tinham já obrigatoriamente de ter um comercializador. Isto foi uma inovação daquilo que normalmente fazíamos que eram projetos de investigação e desenvolvimento. Isto é, os projetos de inovação já trazem o comercializador que num tempo para o mercado, entre três e cinco anos, vai pegar nesse produto transformado numa tecnologia e comercializá-lo. Depois, também olhámos para empresas jovens, startups, que individualmente vinham ter connosco e nos apresentavam protótipos e tecnologias provadas que queriam tornar em produtos.
Investimos também nessas empresas e o nosso portfólio em 2020 tinha cerca de 400 startups em que investimos. Em 2020/21, fomos considerados o maior investidor a nível global em energia sustentável, as chamadas "cleantech". Tudo isso nos deu uma curva de aprendizagem muito importante para este momento em que estamos a atravessar uma nova transição energética. Deu-nos bagagem e conhecimento para fazer escolhas nas inovações.
E em Portugal têm uma boa "caderneta de cromos"?
A nossa caderneta de cromos é saudável, investimos em Portugal em cerca de 20 empresas. Em algumas delas co-investimos com investidores portugueses institucionais em diversas áreas, desde produção de calor a baterias, entre outras coisas.
Que projetos estão na calha para serem colocados no terreno e usufruídos pelas pessoas?
Posso dar alguns exemplos dessas soluções. A primeira empresa em que investimos em Portugal foi uma empresa muito interessante, cujo mercado não era na Europa, mas sim em países em desenvolvimento, que é uma solução de autonomia energética e de água.
Ou seja, uma solução contentorizada que poderá ser colocada em comunidades que estão fora da rede, que não têm eletricidade ou fontes de água. Através de um modelo de negócio inovador em que era a pessoa que iria buscar a água ou a eletricidade desse contentor, tinha a possibilidade de pagar a quantidade exata.
É quase como um carregador que temos nos carros e pagava essa proporção tendo, obviamente, uma qualidade de vida bastante mais interessante. É a solução da RVE.SOL.
Outra solução que também estamos a apoiar e que veio de uma ideia de uma tese de doutoramento do Instituto Superior Técnico, a C2C que está a desenvolver super condensadores.
Não é uma bateria, é um outro tipo de equipamento que armazena energia e consegue fazer a descarga dessa energia muito rapidamente auxiliando as baterias. Por exemplo, nos motores dos automóveis com os motores de arranque quando dávamos à chave, isto é, existe ali um pico enorme para se vencer a inércia do carro se ligar.
É uma ótima solução e está a ser já utilizada e comercializada com grandes players em Portugal. Temos grande confiança que poderá haver uma industrialização dessa solução muito brevemente.
Nesse processo de transformação das tecnologias em soluções, que tipos de apoios disponibilizam às empresas, investidores e start-ups que pretendem inovar e desenvolver ecossistemas de energia?
A InnoEnergy tem obviamente uma vertente de financiamento. Financiamos tipicamente soluções em fases mais iniciais, ou seja, trabalhamos mais no "capital semente". Isto é, promover que aquela empresa consiga ter o financiamento mínimo exigido para continuar as suas operações. Investimos de uma forma a que chamamos o "dinheiro inteligente", porque não financiamos o dinheiro e esperamos que tenha sido gerido da melhor forma, nós estamos envolvidos com a start-up no dia-a-dia.
Posto isto, geralmente fazemos parte das administrações das empresas e discutimos com elas as melhores soluções e aquilo de que necessitam. Por exemplo, se for necessário fazer uma maior análise da propriedade intelectual, acionámos então especialistas no tema e fazemos essa contratação pela empresa.
Outro exemplo são as empresas tecnológicas e muito vocacionadas para equipas de engenharia, por vezes, são muito deficitárias em planos de comunicação e comercialização, e também contratamos pessoas para ajudar as equipas nesse sentido. Depois, temos os mentores na área da tecnologia, recordo-me do exemplo da C2C, eles estão na área de armazenamento de energia e fomos buscar uma pessoa sueca, altamente reconhecida e que trabalhou muitos anos na indústria das baterias na Suécia, para fazer mentoria e ajudar a alinhar alguns requisitos que a tecnologia devia ter para entrar no mercado. Isso foi realmente muito importante para a equipa, porque teve acesso a um recurso que de outra forma seria muito difícil de obter.
Finalmente, temos também a parte da educação. Trabalhamos muito com as universidades e, em Portugal, é sobretudo com o Instituto Superior Técnico com que temos uma parceria em que financiamos atividades extracurriculares da engenharia.
O que pedimos é que, além do currículo obrigatório para obter grau académico, que os alunos sejam expostos a outras atividades. Uma delas é, por exemplo, fazerem as suas teses de mestrado nas startups onde estamos a investir ou nos consórcios de grandes projetos de inovação que estamos a apoiar.
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Nesse sentido, como é que compara Portugal com o resto da Europa na criação de condições à inovação na área da energia?
Eu posso falar da realidade que vejo nesta atividade onde estou na InnoEnergy e Portugal, de facto, não está na cauda. Aliás, digo isto com algum orgulho pessoal porque estou a liderar a equipa da InnoEnergy cá e somos dos escritórios mais ativos. Para nós, quantidade não é qualidade, uma inovação com sucesso e impacto tem de ser muito trabalhada e isso requer recursos e tempo. Em termos de ecossistema, estamos inseridos num que é vasto, os nossos parceiros industriais estão cada vez mais ativos.
A nossa educação, o nosso ensino superior é muito considerado lá fora. O conhecimento transmitido cá aos alunos que depois trabalham nas startups é visto de forma muito positiva. E muitas das empresas que estão a ser constituídas fora de Portugal vêm buscar esses recursos aqui aos nossos parceiros.
Mas em Portugal vamos ter este ano uma startup que se vai transformar em Unicórnio na área da energia?
Gostaria muito, mas infelizmente a decisão não me cabe só a mim. Provavelmente, daqui a dois anos.
Tem noção do que é que essa startup vai fazer?
Espero que faça uma revolução e faça ser possível termos uma cadeia de valor na área do armazenamento da energia em Portugal. Isso seria muito importante para a economia portuguesa e também para talento que possa ser retido. Somos muito bons a criar talento, mas por vezes sentimos dificuldades em retê-lo. Portanto, se houver uma cadeia de valor portuguesa, desde a extração da matéria-prima até à deposição final e reciclagem de baterias, isso vai ser muito mais motivante para os recursos cá criados quererem ficar em Portugal.
Estamos a falar do lítio?
Estamos a falar não só do lítio. Existem inúmeras tecnologias que estamos a apoiar na área do armazenamento da energia, algumas delas com recurso a baterias de lítio e sabemos que essa cadeia de valor é bastante desafiante porque, por vezes, tem um contexto adverso. Existe ainda muito a trabalhar relativamente ao alinhamento de todos os Estados-Membros porque estamos inseridos na União Europeia e temos de levar isso em conta.
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Existem vários desafios para a transição energética, desde logo a mudança do paradigma dos combustíveis. O futuro passa, por exemplo, pelo hidrogénio verde?
Acredito que sim, que os gases sustentáveis em geral terão de fazer parte do mix energético que a transição nos traz e desafia. Relativamente à transição energética, gostaria também de desmistificar um pouco o conceito.
A transição energética tem duas grandes variáveis: a descarbonização da economia e a eletrificação da sociedade. A transição energética não tem de ser vista como algo não natural, porque é cíclica e como sociedade devemos ter isso presente. Num passado recente, no século XIX, o uso massificado de carvão sofreu a transição para o petróleo e para o gás, porque o carvão já não era eficiente o suficiente. No século XX, o uso massificado de combustíveis fósseis existiu, no início do século XXI começámos a perceber que as emissões de gases com efeitos de estufa podem afetar a temperatura do planeta. Então, estamos agora numa outra transição energética que consiste em procurar uma ou várias fontes de energia que serão renováveis. Provavelmente, em 2100 iremos passar por outra transição energética com energias mais eficientes e com ainda menos impacto ambiental e social.
Junto a isso a eletrificação da sociedade. Estamos habituados ao paradigma atual de termos eletricidade em todo o lado e a toda a hora e isto faz um esforço muito grande para as infraestruturas que temos. A eletricidade viaja, é transmitida e distribuída através de infraestruturas, o que nos traz uma resposta que poderá ser as energias renováveis, nomeadamente o vento, as ondas e o solar. Nesta transição energética vai haver fases e a primeira é descarbonizar toda a parte industrial. Isto é, utilizar combustíveis que não têm emissões de gases de efeitos de estufa será, provavelmente, um passo intermédio, porque não se consegue ainda eletrificar grandes indústrias que são altamente consumidoras. A nossa infraestrutura não está preparada para essa inovação.
A inovação tecnológica vai ser vital, porque a tecnologia vai responder a esses desafios e encontrar equipamentos que não obriguem a fazer uma infraestrutura completamente nova, ou seja, fazer um retrofit.
O que é um retrofit?
No fundo, é pegar em algo que existe, mas que já não está a ser eficiente o suficiente e mudamos alguma coisa para a tornar mais eficiente. Ou seja, não é necessário retirar tudo e fazer do zero, aproveitamos o que existe. Essa questão da sociedade eletrificada assenta na ideia do reforço das redes de distribuição, esse tem sido um dos desafios mais identificados relativamente a termos mais penetração de energia renovável.
Há forma de ultrapassar este desafio através da tecnologia, e já falou do retrofit, é preciso aumentar a capacidade das redes ou essa reutilização da tecnologia torna possível evitar que estendamos mais cabos pelo país fora?
Provavelmente, será um modelo híbrido, vai ser necessário construir mais infraestrutura, mas temos o chamado modelo de negócio descentralizado, em que cada vez mais vamos ser agentes ativos no consumo e partilha de energia. É um tema que está a ser discutido, como as comunidades de energia, em que a energia que já foi distribuída pode ser utilizada por vários atores e não só ir do ponto de produção para o consumo e extinguir-se aí.
As baterias vão ser muito importantes neste aspeto. Se eu tenho um carro elétrico e o José tem um carro elétrico, porque não os carros poderem partilhar as energias se um estiver cheio e outro na reserva? São paradigmas que vão ajudar a evitar investimentos massivos para construir redes totalmente novas por extensões enormes. Isso traz-nos, novamente, a parte da inovação tecnológica. Com o advento da digitalização e da inteligência artificial, cada vez são criados mais algoritmos que nos permitem gerir até ao mais ínfimo eletrão a forma como a energia pode ser partilhada.
Voltando um pouco à questão do hidrogénio, disse que era quase um passo intermédio. O Centro Europeu de Investigação de Hidrogénio Verde da InnoEnergy está preparado para o REPowerEU?
Essa iniciativa é o European Green Hydrogen Acceleration Center (EGHAC) e veio muito alavancada pelo alinhamento com o Green Deal, uma diretiva comunitária que identifica diversos setores da economia, os que são grandes consumidores de energia e onde a eletrificação não será fácil. Setores como a cerâmica e o vidro, setores que utilizam grandes quantidades de energia com recurso a gás e alguns combustíveis fósseis. Seria virtualmente impossível que essas empresas agora parassem tudo, destruíssem todos os seus fornos e construíssem fornos elétricos. Não é possível, daí que o gás sustentável pareça ser a resposta mais imediata, utilizando o gás - neste caso o Hidrogénio Verde -, fazendo a reutilização de todos os fornos que existem porque são a gás natural e o Hidrogénio Verde é um gás.
O EGHAC tem como filosofia, e desde o primeiro dia que fomos apoiados pela Breacktrough Energy, o que também foi um sinal de confiança de que estaríamos na direção certa. Basicamente, elaborámos planos estratégicos muito alavancados no Green Deal europeu, mas que respondessem às necessidades reais da economia.
Tentando digerir um bocadinho isto, os projetos que estamos a apoiar são projetos de cadeia de valor, isto é, foi das primeiras iniciativas na Europa em que os projetos cobrem desde a extração da matéria-prima até à sua deposição final. É a chamada teoria do tomate verde. Por exemplo, na aplicação de fertilizantes - e a indústria dos fertilizantes é bastante química e com muito consumo de gás natural -, e a noção foi fazer uma assemblagem de parceiros, desde os produtores de fertilizantes até ao retalho que vai vender o tal tomate e todos os intermédios. E quem vai decidir se esta forma de utilizar fertilizantes verdes e vender o tomate como um tomate verde que foi produzido com recurso a fertilizantes descarbonizados, vai ser o consumidor final. Portanto, é o consumidor final que vai decidir se prefere pagar mais cinco cêntimos por um tomate descarbonizado ou por um tomate produzido com recurso a fertilizante químico e combustíveis fósseis.
Isto é muito poderoso, porque se não aplicarmos esta visão de cadeia de valor, vamos ter muitos obstáculos dos investidores e das próprias empresas que estão a trabalhar no mercado, porque vão sempre dizer-nos que o preço do Hidrogénio Verde não é competitivo com o preço do Hidrogénio Cinzento. Se fizermos estes projetos com uma aplicação, tanto pode ser nos fertilizantes como nas cerâmicas, temos de pensar quem é que vai utilizar esse produto. Porque o importante não é o fertilizante nem o preço do Hidrogénio é, de facto, a pessoa que vai utilizar. Isso também aconteceu na área das baterias e dos transportes, em que o nosso primeiro projeto foi com a Volvo e com a BMW, em que eles vão utilizar aço descarbonizado - porque o fabrico do aço vai ser com recurso a Hidrogénio Verde -, e no final, o preço do automóvel será acrescido cerca de 80 euros.
Portanto, quem está disposto a comprar um Volvo ou um BMW, certamente terá a disponibilidade financeira para pagar mais 80 euros e está a utilizar um carro que tem na sua carroçaria aço descarbonizado.
Esta iniciativa europeia do REPowerEU está ancorada em Portugal no PRR. Diz-se que a execução anda à volta dos 700 milhões de euros destinados a território nacional. Estes 700 milhões de euros estão a mobilizar o setor da energia em Portugal? A InnoEnergy está de olho neste dinheiro?
A InnoEnergy está a acompanhar todo este processo através dos seus parceiros, eles sim dinamizadores que apresentaram projetos para as agendas mobilizadoras. Há uma agenda mobilizadora que foi aprovada pelo nosso parceiro Galp para fazer uma cadeia de valor na área das baterias. Portanto, uma agenda muito relevante, bastante grande, com um consórcio imenso de parceiros portugueses, e essas agendas vão contribuir para uma reindustrialização da Europa e estão alinhadas com o REPowerEU. Mas muito importante é que vão criar a capacidade industrial em Portugal que, como disse anteriormente, é importante para reter talento, é importante para reter propriedade intelectual e também para o nosso desenvolvimento económico.
Os projetos na área da energia representam sempre investimentos de grande dimensão. Quais são os vossos principais parceiros em todo o trabalho que fazem em Portugal?
Os parceiros são europeus com atividade em Portugal. Falando da parte de investimento público, tipicamente é o Fundo de Inovação para a industrialização da chamada tecnologia limpa. Temos também recursos e possibilidades através dos planos de resiliência dos Estados-Membros e serão os parceiros industriais que podem ser incumbentes ou podem ser novos entrantes em setores novos da área da energia sustentável. Outro parceiro importante é o Banco Europeu de Investimento, que tem linhas de crédito muito interessantes para o desenvolvimento de novas indústrias e para a reindustrialização.
A nível privado, obviamente que as grandes empresas têm um musculo financeiro muito mais importante e que lhes permite fazer investimentos de larga escala, e as pequenas e médias empresas, que acabam por trazer a sua tecnologia, inovação, o que permite tornar os casos de negócio mais rápidos e replicáveis.
Já aqui falámos das baterias e no tamanho que podem vir a ter. Um dos grandes desafios deste setor passa pelo armazenamento da energia renovável produzida, de forma que deixe de ser aquilo a que se chama uma energia intermitente. O que é que falta fazer nesta área para acabar com a intermitência?
Essa é uma das questões que costumam ser apontadas, a intermitência e a previsibilidade dos recursos, e a inovação tecnológica tem um papel importante aqui, mais uma vez. Já não podemos dizer que não é previsível, porque os algoritmos já nos permitem prever o recurso num curto espaço de tempo, várias horas ou de um dia para o outro, portanto, os produtores de eletricidade já conseguem montar o seu diagrama de carga utilizando as renováveis.
Curiosamente, no último dia do ano, foi 100% de produção renovável em Portugal, portanto, já podemos dizer que ela já não é totalmente imprevisível, pelo menos.
A nível da intermitência, de facto, a transferência da eletricidade para um vetor que é a bateria, para que seja armazenada, faz-nos obviamente fazer casos de negócio que são sustentáveis. E já há casos de negócio 100% renováveis, até porque toda a cadeia de valor das baterias tem sofrido uma evolução exponencial e isso é notório; basta ver o exemplo do telefone, costumava ter fio e tinha de estar ligado, depois apareceram os primeiros telemóveis que tinham uma bateria maior que um tijolo. Nem se podia dizer que eram portáteis, mas antes transportáveis. Agora temos telemóveis que estão com a bateria útil durante dias, podemos fazer tudo com o telemóvel, e o mesmo está a acontecer para as baterias estacionárias.
Há imensas tecnologias a correr lado a lado e na área do estacionário são bancos de baterias para serem colocados juntos de fotovoltaico ou de vento, e não é só o lítio.
São parques híbridos?
São parques que podem ter diversas tecnologias e os estudos que fizemos levam-nos as perceber que a vida útil da bateria, e é com base nessa vida útil que muitos casos de negócio têm sucesso ou não. Junto à bateria podemos colocar, por exemplo, um condensador que permitirá alargar a extensão de vida, podemos utilizar diversas tecnologias. Tudo isso está a decorrer neste momento e o advento da eletrificação, principalmente no transporte das cidades para os carros elétricos, veio ainda impulsionar mais essa indústria.
Considera que a energia hidráulica ou a biomassa são renováveis do passado, talvez devido aos impactos?
Os grandes investimentos hidroelétricos que fizeram parte da transição energética do século XX, juntamente com o petróleo e o gás, estão a ser mantidos, são instalações que estão a funcionar. Temos aqui uma pressão do recurso da água, se o verão for muito seco não podemos contar com este tipo de energia como podemos contar no inverno, quando é uma energia de base que pode ser armazenada. O problema da intermitência fica também resolvido, embora algumas das nossas barragens sejam de tipo fio de água onde o armazenamento é mais difícil. De qualquer forma, as hídricas, pela sua complexidade do impacto ambiental e pelo volume de investimento, continuam a fazer-se algumas barragens.
Pessoalmente, não acho que a hídrica seja uma energia do passado, é para incluir no mix, sendo que olhamos para as outras renováveis como novos investimentos.
Dentro desse mix temos o solar e a eólica. Alguma vai ser mais predominante do que a outra?
Sim e não, porque as renováveis têm uma necessidade de recurso que tem de estar presentes. Em algumas partes do globo será o vento, noutras será o sol, e não descurar também as ondas, particularmente em Portugal. Temos uma costa Atlântica muito interessante, com ondas o ano inteiro, e será um estudo de recurso que irá permitir responder a isso. O mix é o mais importante, é ter várias fontes de energia e optar por aquelas onde o recurso é mais estável e presente durante o maior número de dias durante o ano.
Quanto à eólica offshore Portugal quer ter 10 GW instalados até 2030. É possível concretizar este desígnio em sete anos?
Está tudo encaminhado para que seja possível. Aliás, apoiámos uma solução que é a Principle Power, que está neste momento com três turbinas eólicas ao largo de Viana do Castelo. Trabalhámos em parceria com a EDP e os projetos de eólica offshore na costa que estão a ser desenvolvidos por países como França, Escócia e Islândia, já existe atualmente uma capacidade superior à que referiu, num menor espaço de tempo. Penso que está muito bem encaminhado e sem dúvida será um setor de futuro.
