
O chef Pedro Mendes criou pratos de fusão luso-indiana para assinalar o lançamento do Grande Reserva 1498 (ano da chegada de Vasco da Gama à ìndia) da adega da Vidigueira, Cuba e Alvito.
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Há 520 anos, Vasco da Gama avistava, com incontida emoção, terras de Calecute na desejada Índia:
"Vejo ao fundo algo que não me parece mar... Será? Não posso acreditar.. Podemos, por fim, descansar e a vitória desfrutar! Que venha o vinho! E nele tu, momento único a degustar..."
Era o ponto final na "viagem que descompartilhou o globo". Para trás tinham ficado desafios e tormentas, vencidos em 1498 pela sagacidade do navegador alentejano nascido em Sines.
Esse ano de glória dos Descobrimentos foi consagrado como o primeiro Grande Reserva da Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito (ACVCA).
Uma edição limitada -- apenas 1498 garrafas numeradas e com certificado de posse - com a mais-valia de uma embalagem especial, em madeira de nogueira polida, de um vinho com 60% de Alicante Bouschet e 40% de Syrah da colheita de 2014, com uvas fermentadas em separado e que estagiou 26 meses em barricas de carvalho francês e mais 14 meses em garrafa.
"Fazer este 1498, foi uma aventura inebriante», confessou Luís Morgado Leão, o enólogo responsável por «um vinho único e especial a partir de uvas tintas selecionadas em vinhas escolhidas entre as melhores dos nossos associados".
Para José Miguel d"Almeida, presidente da ACVCA, «a associação do lançamento do primeiro topo de gama desta adega alentejana com aquela data é, por isso, um fator determinante, uma vez que se deseja comemorar esse encontro de culturas, entre o Ocidente e o Oriente».
O cenário escolhido, nos arredores de Vidigueira, pelo enorme simbolismo, não podia ter sido mais feliz: o Convento das Relíquias, fundado em 1496 - o 4.º carmelita instituído em Portugal -- , e com uma igreja de grande beleza a merecer cuidados e maior atenção dos organismos oficiais.
Naquela casa histórica, residência da família Sampaio Maia e Silva, palco de muitas estórias, inserida no perímetro da magnífica Quinta do Carmo, rodeada de luxuriante arvoredo e cuidados jardins, viveu e esteve sepultado Vasco da Gama, nomeado 1.º conde de Vidigueira por D. Manuel I em finais de 1519.
De regresso à Índia, faleceu em Cochim, na véspera de Natal do ano 1524, mas seria sepultado, por sua vontade expressa, no Convento das Relíquias, em 1539, e a partir de então transformado em verdadeiro panteão dos Gama: ali foram sepultados 12 descendentes do Almirante do Mar da Índia, cujos restos mortais acabaram por ser transladados, em 1880, para o Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa.
Caril de cação e sarapatel de porco
À mesa, nos claustros onde se fazia ouvir o Opus Musique, a fusão entre dois mundos foi bem conseguida: o chef Pedro Mendes utilizou ingredientes portugueses e indianos, num cruzamento improvável de sabores, tendo como base a gastronomia alentejana.
Para entrada, gaspacho tradicional batido com malagueta, particularmente fresco e agradável, harmonizado com Vidigueira Antão Vaz, a casta branca por excelência da região. A mineralidade deste vinho equilibrou na perfeição o picante do gaspacho.
Seguiu-se caril de cação, muito saboroso, com o toque das especiarias a resultar em pleno. Um prato acompanhado com Vidigueira Grande Escolha Branco, com Antão Vaz e Perrum, muito equilibrado e que combinou bem com o caril.
O sarapatel de porco, um prato alentejano da região de Portalegre, adaptado em Goa pelos portugueses ao gosto indiano revelou-se menos pujante e um pouco adocicado. O Vidigueira Grande Escolha Tinto, à base de Trincadeira e Alicante Bouschet, fez a desejada harmonia.
Para concluir, sericá, o doce cuja receita terá sido trazida da Índia para os conventos das Chagas, em Vila Viçosa, e das Clarissas, em Elvas. A ameixa em calda foi adicionada a esta receita cujos ingredientes atestam a sua origem indiana.
O licoroso DOC Alentejo, encorpado e de aroma intenso a fruta madura casou na perfeição com este doce final de um desfile de pratos luso-indianos.
Uma fusão iniciada pelo intrépido Vasco da Gama, em 1498, um ano digno de um Grande Reserva da Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito.
Quando o vinho é uma viagem...