"Uma coisa é ter a bandeira da Geringonça, outra coisa é explicar como é que ela se constrói"
Para o antigo líder do PS e Presidente da Assembleia da República "não é muito claro quais são os programas dos protocandidatos à liderança do PS." No programa Bloco Central, Ferro Rodrigues lamenta ainda que Costa tenha mudado de opinião sobre alterar as leis eleitorais.
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No PS, Eduardo Ferro Rodrigues jogou em quase todas as posições, incluindo a de secretário-geral quando António Guterres saiu para evitar o "pântano," mesmo que tenha sido um "voluntário à força." Hoje, ao contrário do que aconteceu no passado, por exemplo, entre Manuel Alegre e José Sócrates, não encontra "programas claramente diferenciados" entres os nomes que surgem como potenciais candidatos à sucessão de António Costa.
"Se me perguntarem, só para dar um exemplo, vai haver três candidatos a secretário-geral do PS: Fernando Medina, Ana Catarina Mendes, Pedro Nuno Santos. Quais são as diferenças? Não conheço suficientemente porque uma coisa é ter a bandeira da geringonça, outra coisa é explicar como é que ela se constrói e como é que ela se faz," afirma Ferro Rodrigues no programa Bloco Central da TSF, com Pedro Marques Lopes e Pedro Siza Vieira.
No livro "Assim Vejo a Minha Vida," o antigo presidente da Assembleia da República considera que o fim da Geringonça (viabilização do Governo minoritário do PS, por parte da esquerda parlamentar) mostrou que "era impossível que essa solução conjuntural se constituísse em projeto para o futuro do país."
"Aquele conjunto consegui ter uma alternativa contra, mas não um alternativa a favor do futuro," constata.
Entrevistado no Bloco Central da TSF, Ferro Rodrigues adianta, por isso, que vê "com interesse, embora com ceticismo" o papel do novo "clube de pensadores," Causa Pública, que junta nomes do PS, PCP e BE, que se propõem discutir reformas estruturais.
"Vamos ver se chegam algum consenso e sobre o quê. E se não são consensos gerais, mas consensos concretos e se depois alguém segue em matéria partidária."
Reforma eleitoral adiada
No livro de memórias, Ferro Rodrigues defende reformas na lei eleitoral e no funcionamento dos partidos, considerando que "não levar à prática esta mudança de fundo (...) ajuda necessariamente à abstenção, ao desinteresse, à desresponsabilização de eleitores, e também de eleitos."
Mas no atual primeiro-ministro, que enquanto ministro da Administração Interna de Guterres "bateu-se com saber e vontade política para uma alteração radical do sistema eleitoral," Ferro Rodrigues não encontra agora vontade política de avançar com esta reforma que implicaria a criação de círculos uninominais e de um círculo nacional de compensação.
"Não o vejo com vontade de mudar e de fazer essa reforma que é fundamental para o país," lamenta o antigo presidente do Parlamento considerando que António Costa "mudou de certa maneira o seu pensamento em relação a relação às virtualidades desse sistema."
Questionado sobre se essa reforma ficará adiada para próximas legislaturas, Ferro Rodrigues lembra que "as grandes reformas, sobretudo no campo político, fazem-se na primeira metade das legislaturas," porque na segunda parte existem outras matérias para gerir, como os atos eleitorais e as "prioridades dos partidos são passam a ser outras."
Em busca da "cumplicidade positiva" perdida
Depois de um bom relacionamento institucional entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, Ferro Rodrigues considera que os "incidentes" na relação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro, depois da opção de Costa de não afastar o ministro João Galamba, só servem para minar as relações entre os dois.
"Devo dizer que vejo com alguma preocupação, sobretudo quando há pequenos incidentes que nada acrescentam à saúde da democracia portuguesa e que contribuem mais para minar o relacionamento político e pessoal entre os dois do que para corresponder positivamente aos desafios e às dificuldades que se podem levantar."
No entanto, o antigo presidente do Parlamento (que muitas vezes se sentou à mesa com os dois) acredita que tanto Marcelo Rebelo de Sousa como António Costa vão corrigir o rumo e regressar à "cumplicidade positiva."
"Vejo que, pelo menos, do lado de ambos há vontade é de corrigir posturas de excesso e de contribuir para que se volte um clima de cumplicidade positiva para resolver os problemas do país," antecipa.
Questionado sobre a escolha de João Galamba para dar voz à intervenção do Governo, no encerramento do debate do Orçamento, Ferro Rodrigues lembra que Marcelo Rebelo de Sousa considerou que o episódio teve "importância zero," e afirma que "o Presidente da República sabe exatamente o que é importante, o que é secundário e o que não tem importância nenhuma."
Sublinhando também que "ninguém estava à espera do veto presidencial à privatização da TAP," Ferro Rodrigues manifesta, no entanto, a esperança que tudo se "vai resolver porque, como se diz agora, há um clima de interação e a interação normalmente é dá bons resultados."