Chefe de Pediatria conta à TSF que não havia condições para manter na sala de espera uma criança "muito agitada" e, por isso, "foi decidido deixá-la no jardim" até à chegada de um pedopsiquiatra, de manhã.
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Aconteceu na primeira noite de encerramento da urgência noturna de pedopsiquiatria, no Hospital D. Estefânia. Os pediatras de serviço não arriscaram a medicação e o menor que chegou de madrugada com "grande perturbação mental" acabou por ter de "passar a madrugada no jardim", ao frio, até à chegada do pedopsiquiatra, de manhã. O diretor do Plano de Saúde Mental declara que "é caricato ter uma urgência para um ou dois casos por noite".
O caso foi relatado à TSF por Gonçalo Cordeiro Ferreira, diretor de Pediatria do Hospital D. Estefânia, em Lisboa. Dá conta da grande preocupação dos médicos com a mudança súbita e conta que logo na primeira noite do novo modelo - o fecho noturno da urgência de psiquiatria da infância e adolescência - correu mal.
"A criança chegou cá de madrugada, estava muito, muito agitada, era forte, tinha uns 80 quilos", nestas circunstâncias, de surtos psicóticos ou comportamentos violentos, os médicos recorrem a medicamentos para acalmar os pacientes antes de os verem, "podem magoar-se a si próprios ou aos outros".
"Os pediatras não estão habituados a medicar estes casos, trata-se com frequência de medicamentos off label (excecionalmente usados em patologia diferente daquela para que foram criados), e não quiseram arriscar".
O chefe de pediatria conta que não havia condições para manter a criança na sala de espera, por isso "foi decidido deixá-la no jardim" até à chegada de um pedopsiquiatra, de manhã. E acrescenta o médico, "felizmente não estava a chover".
Gonçalo Cordeiro Ferreira acredita que este e, eventualmente, outros casos idênticos poderiam ser evitados "se pelo menos houvesse um pedopsiquiatra de prevenção, durante a noite". Dessa forma, "haveria tempo para treinar os pediatras que ficam de serviço". Garante que fez essa recomendação, mas foi "recusada pela Direção Executiva do SNS".
O pediatra contesta ainda que generalizar a todo o país o modelo das urgências metropolitanas que vigora no Porto, não é, neste caso, a melhor solução.
Alega que o Hospital D. Estefânia tem a única urgência de pedopsiquiatria que cobre a grande Lisboa, o Alentejo e o Algarve: tem "mais população, mais casos sociais e menos médicos de família".
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"Um pouco caricato", responde o diretor do Programa Nacional de Saúde Mental, "ter um pedopsiquiatra disponível 12 horas por noite para atender menos de três pessoas". O que estaria a acontecer no D. Estefânia.
Em declarações à TSF, Miguel Xavier não se pronuncia sobre casos concretos, mas desvaloriza o sucedido, durante a madrugada no D. Estefânia. "É natural que nesta fase de mudança haja situações que ainda não estão bem resolvidas. Mas o regulamento diz que as crianças ficam nos hospitais pediátricos da sua área de residência e depois podem então recorrer à urgência de pedopsiquiatria a partir das 8 da manhã".
Para Miguel Xavier seria até uma bizarria nacional, "em nenhum país da Europa há urgências de pedopsiquiatria" e por cá, o diretor do Programa Nacional de Saúde Mental considera que "não se justifica o rombo", estes especialistas são muito mais úteis a dar consultas.
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O diretor do Programa Nacional de Saúde Mental concorda num aspeto com o diretor do Serviço de Pediatria do Hospital D. Estefânia: a maioria dos casos urgentes que chegam durante a noite são "tentativas de suicídio por medicamentos".
Miguel Xavier considera que, "para isso, os pediatras estão perfeitamente aptos" a fazer a desintoxicação.
Gonçalo Cordeiro Ferreira afirma que "os menores usam muitas vezes os próprios medicamentos que lhe são prescritos pelos médicos". Concorda que a primeira abordagem é do pediatra, mas defende "uma rápida intervenção do pedopsiquiatra, para agarrá-lo, e para os contactos com a família".
Ministro confia na organização do D. Estefânia
Questionado pela TSF sobre o caso no briefing do Conselho de Ministros desta quinta-feira, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, garantiu que o objetivo da reorganização deste tipo de urgências é "aumentar o acesso das pessoas e não limitar".
O governante reconhece que os pedopsiquiatras são um "recurso relativamente escasso" no Serviço Nacional de Saúde, havendo nesta altura "132 ao seu serviço".
"Estimamos que necessitaríamos de cerca de 200 para assegurar toda a resposta que hoje é necessária", assinalou Manuel Pizarro. Como estratégia para responder a essas necessidades, o ministro escolhe recordar "outros profissionais que, ainda que não sendo especialistas em pedopsiquiatria, também dão apoio ao tratamento das questões de saúde mental".
Por outro lado, há também uma reorganização da "disponibilidade dos profissionais" existentes no SNS para "garantir a maior cobertura".
Sobre o que aconteceu em específico no D. Estefânia, Manuel Pizarro escolheu afirmar a sua confiança no hospital: "Não tenho nenhuma dúvida de que um hospital tão diferenciado como o D. Estefânia, com recursos médicos e profissionais tão qualificados, organizará esse atendimento de forma segura para as crianças e jovens que a ele venham a recorrer nesse período noturno, e que depois intervirá, quando for necessário, o pedopsiquiatra no período diurno."
Notícia atualizada às 15h44