Lurdes Cravo é ministra da palavra há quatro anos e, todos os meses, substitui o padre em três capelas na paróquia de São Martinho do Bispo, às portas de Coimbra. Para a comunidade é indiferente quem vê no altar.
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Pouco antes das 9h30, é o sino do Centro Pastoral Jesus Cristo Reconciliador, nos Casais, que toca a anunciar a celebração dominical. No altar, Lurdes Cravo de 56 anos, casada, mãe, que realiza a celebração da palavra. É hoje a única mulher na paróquia que o faz, de forma rotativa, nas capelas dos Casais, das Casas Novas e de Pé de Cão. "Neste momento estou a fazê-la de 15 em 15 dias. Temos poucos padres. As capelas são muitas, as Igrejas também, mas as pessoas sentem vontade, querem e estão habituadas", assinala.
Aos leigos, como Lurdes Cravo, cabe a função de substituir o padre na missa, o que acaba por ser "um modo de ter na mesma a presença da palavra de Deus, esse conforto, esse alimento que vêm das celebrações".
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A cerimónia realizada por Lurdes Cravo é em tudo semelhante à que é dada por um padre. "A diferença está na consagração que na celebração da palavra não tem". Depois, continua Lurdes Cravo, "a celebração decorre normalmente".
Como ministra da palavra, Lurdes Cravo pode realizar também funerais, embora, até hoje, nunca o tenha feito. "Não calhou ainda", diz, admitindo ser uma celebração "mais difícil". "Lida-se com a morte, com a tristeza de uma família e isso é mais complicado".
Para assumir estas funções, Lurdes Cravo fez formação durante cerca de três anos. Primeiro, fez o ministério da comunhão e "depois foi uma questão de gostar, de aprender e seguir, naturalmente", tendo completado a formação de ministra da palavra. Antes já lhe tinha sido feito um convite que recusou: "Dar a comunhão a um doente, levar a palavra de Deus ao outro é uma tarefa demasiado grande para uma pessoa tão pequena como eu e, portanto, sempre disse que não. Só que depois as coisas foram evoluindo, porque se vai andando, a fé vai crescendo, e chegou-se a esse ponto".
Lurdes Cravo conta que tenta planear as celebrações "de maneira a que as coisas não corram mal". Da primeira celebração recorda "o nervoso miudinho". "Não tenho - agora está um pouco melhor - a capacidade de falar para os outros. É um dom que não tenho. Isso foi aquilo que mais me assustou na altura e que mais me pôs nervosa."
Nesta caminhada como ministra da palavra, Lurdes Cravo diz sentir-se "muito bem acolhida" e até ter recebido incentivos. "Nunca tive ninguém que me dissesse "o que estás aqui a fazer?", "quem és tu para isto". Não. As pessoas são sempre muito simpáticas e muito acolhedoras. A minha comunidade - que é a das Casas Novas - sabia que estava a fazer o curso no seminário e sempre me incentivou: "vais conseguir"."
Para a comunidade do Centro Pastoral Jesus Cristo Reconciliador, ou capela nova dos Casais como é conhecido, dos mais velhos aos mais novos, é indiferente ter uma mulher a fazer a celebração ou o padre. "É uma forma de estarmos em contacto com Deus", diz João Arcanjo de 16 anos. Para o jovem, "ser homem ou ser mulher acaba por ser igual, porque todos têm qualidades para falar e para transmitir a sua perspetiva sobre a liturgia".
A mesma opinião é partilhada por Rosa de 79 anos: "Acho que, mesmo não havendo quem o faça e homens, é uma graça que devemos dar a Deus de ter alguém que substituta a palavra dele".
Miguel Marques de 54 anos considera que "é muito importante as mulheres participarem, puderem celebrar e darem um contributo às comunidades que, cada vez, têm menos pessoas".
"Eu sou eu... (risos). Não sou diferente ou não faço nada diferente só porque tenho esta missão", admite Lurdes Cravo.
"É evidente que estou mais visível, as pessoas conhecem-me melhor e mais e, portanto, há um certo cuidado naquilo que vou fazendo, até às vezes, aquilo que vou dizendo", afirma, acrescentando que "não basta apregoarmos o amor e depois andarmos ali à estalada e às discussões uns com outros".