Utilizar a Justiça para fins políticos? Antiga diretora do DCIAP vê “com preocupação” denúncias anónimas
A ex-procuradora defende que devia ser ponderada a forma de avaliar estas situações em campanha eleitoral
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A ex-diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DCIAP) Cândida Almeida vê "com preocupação" o facto de, em campanha eleitoral, qualquer pessoa poder enviar uma denúncia e abrir assim uma averiguação preventiva de imediato. "É perigoso porque estão a utilizar o instrumento de justiça para alcançar fins políticos", justifica.
"Eu vejo isso com muita preocupação", confessa, em declarações à TSF, defendendo ainda que "obviamente" a averiguação devia ser sigilosa. Embora saliente que com José Sócrates, no caso Freeport, também tenha existido uma denúncia anónima, nota que foi logo instaurado um inquérito, pelo que agora "é a primeira vez que isto acontece em campanha eleitoral".
A procuradora-geral adjunta jubilada adverte para o facto de a averiguação preventiva deixar reféns todos os envolvidos. "Quer quem faz a investigação, quer os visados e, portanto, isso tem de ser estudado, para que não volte a acontecer", enfatiza.
Numa altura de campanha eleitoral "é perigoso e pode alterar de uma maneira também perigosa e de uma maneira falsa a intenção do cidadão ao votar ou não votar, porque é difícil perceber a distinção entre um inquérito crime e uma averiguação preventiva".
Sobre o tempo que pode demorar por parte do Ministério Público (MP) este procedimento, Cândida Almeida lembra que o MP e a Polícia Judiciária “não têm uma varinha de condão”. “Se se conseguisse que uma averiguação preventiva fosse hoje aberta, recolhidos os elementos e quanto muito depois de amanhã já estivessem arquivadas, ou então transformadas em inquérito, seria o ideal”, adianta. No entanto, numa investigação, é muitas vezes necessário pedir documentos às conservatórias, aos notários e "nunca pode dizer-se que numa semana está feito".
Podem então os políticos em causa ser "cozidos" em lume brando na praça pública enquanto dura esta investigação? "Isso é que é perigoso. Sinto que há uma certa utilização da Justiça para alcançar fins políticos. É a minha sensação, e isso tem de ser evitado o mais possível", responde.
A antiga procuradora admite não ter soluções para ultrapassar situações deste género, mas sugere que, em tempo de campanha eleitoral, talvez fosse necessário “estudar” os casos em concreto que chegam à Procuradoria Geral da República antes de abrir uma averiguação. "Não é uma pausa, mas uma procura de confirmação daquilo que se diz, antes da averiguação preventiva", explica.