Vale de Salgueiro celebra dia de Reis com tremoços e vinho e menos crianças a fumar
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A aldeia de Vale de Salgueiro, distrito de Bragança, volta a cumprir a tradição da festa dos reis, mais conhecida como a festa dos rapazes, em honra de Santo Estêvão. Todos os anos é escolhida uma pessoa da terra para encarnar a figura de um rei que organiza a festa e que traz consigo uma coroa carregada de ouro emprestado pelos habitantes.
Algumas (cada vez menos) crianças andam pelas ruas com maços de tabaco que, excecionalmente, têm permissão dos próprios pais para fumar, mas só durante os dois dias que dura a festa.
A TSF acompanhou, este domingo, a primeira arruada com os gaiteiros e o rei da festa a entregar mais de 250 quilos de tremoços e vinho distribuído à população numa cabaça tradicional.
Fim de tarde. Igor Pinheiro, o jovem natural da aldeia de Vale de Salgueiro, no concelho de Mirandela, escolhido para ser o rei da festa, comanda um grupo de tocadores de gaitas de fole, caixas e bombos – são os “Encharca o fole”, um grupo da terra - e prepara-se para dar início às atividades que duram dois dias. “Demos a arruada pela aldeia, basicamente para as pessoas perceberem que já está a começar e quem é o rei e que dentro de momentos vamos visitar as casas”, conta.
Depois da arruada, Igor e os membros do grupo “Encharca o fole” juntam-se na casa da família do Rei para “matar o bicho”, que é como quem diz, um recheado lanche de iguarias típicas da região transmontana, para recuperar energias. Ao início da noite voltam a percorrer a aldeia, mas, desta vez, “para distribuir pelos habitantes centenas de litros de vinho em cabaças tradicionais e 250 quilos de tremoços”, revela.
A visita às casas da aldeia prolonga-se durante toda a noite. Atrás dos gaiteiros, seguem algumas (poucas) crianças e jovens que vão fumando cigarros. Excecionalmente, têm permissão dos próprios pais para fumar, “mas só durante os dois dias que dura a festa”, reforça Igor.
Ninguém sabe ao certo como e quando começou esta estranha tradição, nem o que ela possa significar, mas há relatos escritos que indicam ser para simbolizar a emancipação dos jovens. O presidente da junta de freguesia confirma essa tese. “Já tenho 70 anos e sempre fumei o meu cigarrinho na festa dos reis e não foi aí que apanhei o vício, foi depois quando tirei o curso de enfermagem”, lembra Adérito Teixeira. “Era para a gente se mostrar nos cafés, fazia a atração das miúdas, mas hoje já não se fuma como antigamente”, frisa o autarca.
Gonçalo de 11 anos, Rui com 12 e João com 15 anos confirmam que fumam “apenas nos dois dias da festa”. “Os nossos pais não dizem nada, porque eles também faziam isso quando eram pequenos e sabem que depois não se fica com o vício”, dizem.
Uma tradição que o próprio rei da festa também cumpriu quando era mais novo, mas Igor prefere desdramatizar este acontecimento, sempre muito mediatizado “da pior forma”, acrescenta. Igor prefere valorizar a figura do rei. “É uma coisa fora de série, porque só acontece uma vez na vida e cada rapaz desta aldeia sonha um dia vir a ser o rei. É um sentimento inexplicável”, confessa.
O dia de Reis começou bem cedo, com o rei a ostentar uma coroa revestida a veludo e adornada de objetos em ouro - emprestado pelos habitantes, símbolo de riqueza e poder. Esta segunda-feira volta a percorrer a aldeia para receber a "manda", ou seja, os donativos para custear a despesa da festa, que, este ano, rondou os dois mil euros.
A festa acaba com a celebração da missa, onde acontece a cerimónia de entronização e passagem do testemunho. O rei retira a coroa e coloca-a no novo “monarca” que vai organizar a festa em 2026. “É segredo, não posso dizer quem escolhi. Só mesmo no fim da missa”, diz Igor Pinheiro.
