Valentim é o único bebé da aldeia serrana de Sistelo
Desde 2015 que não nascia uma criança na aldeia serrana de Sistelo.
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"Cala, cala meu menino que a mãezinha já aí vem,
Foi levar os teus paninhos à fontinha de Belém".
Amélia Afonso de 80 anos embala o bisneto Valentim, com cantigas do tempo em que abundavam crianças em Sistelo, Arcos de Valdevez. Nos dias de hoje, o bebé com um ano de idade, que passeia ao colo, é único na aldeia.
Desde 2015 que não nascia criança. 'Tia Amélia', como é conhecida por todos, conta que nem sempre a serra que a viu nascer, foi tão despovoada. "Antigamente nascia gentinha a mais, Deus me perdoe. Qualquer mulher tinha oito, nove, doze filhos", recorda.
Valentim, filho da sua neta Marlene e de Marco Sousa, é agora uma raridade na despovoada serra. A última criança, um rapaz de nome Afonso nasceu, há cerca de seis anos, no Lugar de Padrão. E, há 11, nasceu outro com o mesmo nome no Lugar da Igreja. É filho do presidente da Junta. "Ainda há-de vir a moça. Queremos uma moça agora [uma irmã para Valentim]. Na família só há uma e diz que é rainha. E Sistelo precisa de gente. Temos pouca. Os velhos morrem e novos também há poucos", reclama Amélia.
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Sérgio Rodrigues, autarca de Sistelo, que já deu contributo para a natalidade, afirma que "70 por cento dos habitantes da freguesia tem acima de 65 anos". E comenta: "É uma problemática das aldeias, do mundo rural. O despovoamento está à vista de toda a gente. Ainda não se criaram políticas efetivas para apoiar a natalidade. Não estou a falar daqueles apoios diretos, os tais vales, mas de condições para os casais pensarem em constituir família em zonas como esta".
A cada nascimento, a população de Sistelo rejubila e mobiliza-se de forma espontânea para contribuir com uma espécie de "apoio à natalidade". "Os mais velhos há muito que não viam um bebé e, de vez em quando, lá vêm com um envelope com uma notinha a dizer: 'É para o menino'", conta Marco, pai de Valentim, brincando: "Se continuar assim, quando chegar aos 18 anos está rico. As pessoas dão 10, 20, 50 euros. Aqui usam muito isso, quando nasce uma criança toda a gente dá uma notinha".
Enquanto o mais novo habitante de Sistelo amealha oferendas, a população que bendiz o seu nascimento com notas vai minguando. De acordo com números da Junta de Freguesia, a média de óbitos na aldeia, atualmente com 210 habitantes, é de seis por ano. O vazio do despovoamento, Tia Amélia, preenche-o hoje em dia com a presença do seu tão esperado bisneto Valentim. "Estou sempre à espera agora que ele venha, coitadinho. Ele também não é assim mau de aturar. Tendo a barriguinha cheia é muito bom de aturar", diz a bisavó embevecida.
Quem por estes dias sobe a serra para visitar Sistelo (e são muitos os turistas a voltar, após o desconfinamento), a imagem rara de uma mulher vestida de negro da cabeça aos pés, a passear um bebé por ruas de pedra desertas, surpreende.
É 'Tia Amélia', que sempre que o Valentim chora ou precisa dormir, volta a cantar: "Troquei os meus olhos pretos pelos teus acastanhados, agora todos me chamam amor dos olhos trocados".
