"Verdadeiro sismo dentro da igreja." Relatório sobre abusos sexuais na igreja é "uma tragédia"
Em declarações à TSF, o padre Anselmo Borges mostra-se "desolado" e defende que "é preciso renovar completamente a igreja".
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"Desolado", o padre Anselmo Borges considera que o relatório apresentado, esta segunda-feira, pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica "é uma tragédia".
"Como é que é possível na igreja ter acontecido tudo isto, nomeadamente, com padres, com o chamado clero?", questiona Anselmo Borges, em declarações à TSF, considerando que "é preciso renovar completamente a igreja".
"Acabar com o celibato obrigatório. Os miúdos iam para o seminário e depois, pura e simplesmente, a sua formação era contra a presença da mulher, não havia presenças femininas nos seminários e a grande tentação era o sexo, por isso mesmo houve uma repressão do sexo e isto criou, eventualmente, nalguns casos, uma sexualidade distorcida", defende.
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O padre Anselmo Borges explica que é necessária "ajuda espiritual, psiquiátrica e, eventualmente, financeira".
"Muitas destas vítimas viram a sua vida destroçada, interrompida e agora precisam de ser reparadas. A igreja tem de reparar toda esta tragédia, isto é um verdadeiro sismo dentro da igreja e [é preciso] reconstruir a partir da base", sublinha.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica recebeu 512 testemunhos validados relativos a 4815 vítimas desde que iniciou funções em janeiro de 2022, anunciou esta segunda-feira o coordenador Pedro Strecht.
A média de idade atual das vítimas é de 52 anos, "mais baixa do que noutras comissões" e que em 20% dos casos as pessoas têm hoje cerca de 40 anos.
Segundo Pedro Strecht, a maior parte das vítimas são do sexo masculino (52%), em 32% dos casos têm grau de literacia ao nível da literatura e, à época dos abusos, "eram todos estudantes do primeiro e segundo ciclo".
"Há casos em todos os distritos", revelou o responsável, especificando que Lisboa, Porto, Braga, Santarém e Leiria são os cinco distritos com mais casos, por ordem decrescente.
Acrescentou que os abusos aconteceram sobretudo, e também por ordem decrescente, em seminários, colégios internos, confessionários, sacristia ou a casa do padre, havendo igualmente registo de casos no seio dos agrupamentos de escuteiros.
O coordenador referiu que a maior parte das vítimas acabou por afastar-se da igreja, entendendo que "não há reparação possível", mas que espera que a igreja e os abusadores peçam desculpa publicamente.
Os casos de abusos sexuais revelados ao longo de 2022 abalaram a Igreja e a própria sociedade portuguesa, à imagem do que tinha ocorrido com iniciativas similares em outros países, com alegados casos de encobrimento pela hierarquia religiosa a motivarem pedidos de desculpa, num ano em que a Igreja se vê agora envolvida também em controvérsia, com a organização da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa.