Alexandra Reis não sabe quanto devolver à TAP, mas teria renunciado "sem contrapartida"
Ex-administradora revelou que lhe foi pedido para sair da companhia aérea numa reunião "muito curta" com Ourmières-Widener e reconheceu que, se Pedro Nuno Santos ou o antigo secretário de Estado lhe tivessem pedido que renunciasse ao cargo, o faria "sem contrapartida".
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A ex-administradora da TAP, Alexandra Reis, revelou esta quarta-feira que ainda não recebeu da companhia aérea quaisquer indicações sobre como e que parte deve devolver da indemnização de meio milhão de euros que recebeu quando saiu da empresa, mas revelou que, se o Governo lho tivesse pedido, teria saído da empresa "sem contrapartidas".
"No dia 7 de março, os meus novos advogados contactaram de imediato a TAP para o apuramento dos montantes líquidos a devolver. Desde esse dia e até hoje, apesar das insistências feitas - três pelo menos - continuo a aguardar essa indicação para que se possa proceder à devolução", revelou na sua audiência na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da TAP. A TSF já contactou a TAP para perceber a que se deve esta ausência de resposta.
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"Aceitei sair de uma empresa com total boa-fé, à qual me entreguei com todo o meu compromisso", afirmou, dizendo ainda que, enquanto membro da comissão executiva da companhia aérea, manifestou sempre de forma construtiva as suas visões, "mesmo quando estas não eram coincidentes com as da nova CEO".
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"No entanto, e isto é importante, nenhuma delas beliscou uma única vez, repito, uma única vez que fosse, o meu compromisso com a implementação do plano de reestruturação", sublinhou.
Na resposta à primeira pergunta da audição, Alexandra Reis garantiu ao deputado da IL Bernardo Blanco que não reuniu "com nenhum deputado de nenhum partido político nem membros do Governo".
Pedido para sair em reunião "muito curta"
Alexandra Reis soube a 25 de janeiro de 2022, "numa reunião muito curta" com Ourmières-Widener, que a CEO queria "distribuir os pelouros" da ex-administradora "por outros membros da comissão executiva".
"Explicou-me que a área de Recursos Humanos deveria ficar com ela, que a área de procurement deveria ficar com o CFO e eu a dada altura interrompi-a e perguntei-lhe: 'E o que é que eu fico a fazer?'", revelou. A CEO respondeu querer que Alexandra Reis saísse da empresa e terminasse o mandato "não só como administradora, mas também como colaboradora da empresa", pedindo-lhe "confidencialidade" sobre o assunto.
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"Acedi no dia seguinte, 26 de janeiro, a essa solicitação, porque não queria de forma alguma criar um problema institucional no seio da comissão executiva da TAP", realçou.
A antiga administradora assumiu que ainda não compreende "de forma muito clara" as razões do pedido para que "saísse da empresa" e disse não estar a par de quem, no Governo, sabia desta decisão, relatando que perguntou a Christine Ourmières-Widener se o Governo estava "ok" com esta decisão e que a resposta que obteve foi "of course [claro]".
Não tendo ficado claras, para si, na altura, as razões para a presidente executiva querer que a então administradora cessasse todas as funções que desempenhava na TAP, Alexandra Reis adiantou que, num telefonema cordial com o então secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, este pareceu-lhe "muito surpreendido" com a sua saída.
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"Entretanto li o relatório da IGF, onde li divergências irreconciliáveis, ontem [terça-feira] ouvi falar de organização, ouvi falar de perfil, por isso confesso que para mim não são claras as razões. O que posso dizer é que, relativamente à minha atuação na empresa, sempre tive uma relação cordial e de trabalho com todos os membros do Conselho de Administração e da Comissão Executiva, que me parece normal que haja algumas diferenças de opiniões sobre alguns assuntos, parece-me até salutar, [...] sempre o fiz de forma muito construtiva", salientou.
A ex-secretária de Estado disse não considerar "de todo verdade" que aquelas divergências tivessem que ver com o plano de reestruturação, sublinhando que participou na sua elaboração.
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No entanto, admitiu ter expressado preocupações sobre a operacionalização de um aumento de 30% das receitas e que não acreditava que fosse possível voar toda a capacidade inscrita no plano, revista em alta em dezembro de 2021.
"Tinha havido uma alteração ao plano de reestruturação que me deixava preocupada e que, por isso, eu de forma muito transparente e entendendo que eram aqueles os meus deveres e responsabilidades, naturalmente, levantei as minhas dúvidas e deixei claro que a empresa tinha de ter um mecanismo de flexibilidade e gestão de risco adequados", explicou.
Teria saído sem contrapartida se lhe tivesse sido pedido
Teria renunciado aos cargos na TAP, sem contrapartida, garantiu, se o ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, ou o ex-secretário de Estado, Hugo Mendes, lhe tivessem dito que preferiam que renunciasse.
"Se na altura o senhor ministro, ou o senhor secretário de Estado me tivessem dito que preferiam que eu renunciasse, eu teria renunciado, sem contrapartida", afirmou a ex-administradora da TAP, em resposta ao deputado socialista Hugo Costa.
Disse também que sentiu sentido de urgência por parte da presidente executiva, Oumières-Widener, relativamente à sua saída, admitindo que, na altura, fez uma "leitura totalmente pessoal" para aquela urgência: "Porque ia haver eleições e ela não sabia qual era o resultado das eleições."
Alexandra Reis disse ainda que foram contratados novos quadros para a companhia aérea, com melhores condições, que "não escondiam" proximidade à presidente executiva.
Questionada sobre as nacionalidades, Alexandra Reis respondeu que eram franceses: "Alguns diretores para algumas áreas eram relativamente transparentes no tipo de relação que tinham com a CEO. [...] Penso que era franceses", afirmou.
Indemnização pedida tinha "valor significativo"
Sobre o valor da indemnização proposto inicialmente pela própria para sair da empresa, Alexandra Reis reconheceu que era "muito expressivo", mas sublinhou que as responsabilidades também o eram, referindo que "não houve justa causa".
Questionada pela deputada do BE Mariana Mortágua sobre se não considerava desajustado o valor da indemnização que pediu inicialmente para sair da empresa, que foi de 1,4 milhões de euros, a antiga administradora concordou parcialmente.
"Era um valor elevado, sem sombra de dúvida, é um valor significativo, mas também o eram e são as responsabilidades de um administrador, que são muito elevadas, no caso de uma companhia aérea", começou por responder, referindo que no caso de queda de um avião a responsabilidade "pode ser imputada pessoalmente a cada um dos administradores da empresa".
Entendendo que "era de facto um valor muito expressivo", a antiga administradora referiu que "era um valor para discussão" e que aceitou uma "contraproposta com valor muito mais baixo" ou seja 500 mil euros, assumindo que ainda assim também "é um valor expressivo comparado com média nacional", mas que as "responsabilidades que estavam inerentes ao cargo eram também elevadas".
"Não estou a fazer juízo de valor sobre legalidade dos 500 mil euros, o que digo é que quando foram propostos e aceitei. Nem por um instante pensei que alguma vez pudesse haver alguma duvida sobre aquele valor", enfatizou.
Anteriormente, no período de inquirição do deputado do PCP Bruno Dias, Alexandra Reis explicou que a primeira proposta de indemnização que pediu depois de lhe terem pedido para sair da empresa "tinha um racional", ou seja, "as mesmas condições que foram propostas a todos os colaboradores em duas vertentes no contrato de trabalho e a mesma fórmula de cálculo para o mandato".
"Eu estava a ser indemnizada por terminar um contrato de trabalho e por terminar um mandato. E estava a ser indemnizada para terminar um mandato sem que houvesse uma razão objetiva para que isso acontecesse. Não houve justa causa, nada me pode ser apontado na minha atuação na empresa, muito pelo contrário", respondeu.
Contrato de gestão? Não
Com o deputado Bruno Dias como interlocutor, Alexandra Reis revelou que nunca assinou, na TAP, um "contrato de gestão". Questionada sobre a forma como se processou a sua saída da TAP, Alexandra Reis diz entender que aconteceu "no seguimento de a CEO pedir para sair".
"Na altura, a formulação jurídica encontrada pelos advogados da TAP e naturalmente corroborada pelos advogados que me representavam na altura foi a de uma renúncia precedida de um acordo", descreveu, por não ter feito um "acordo de saída parcial para um contrato de trabalho e para um contrato de mandato", mas sim um "acordo de saída para um acordo global".
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Posto isto, no seu entender, "se uma parte do acordo é considerada nula, então a totalidade do acordo deveria ser considerada nula", o que levaria a que assistisse à ex-administradora o direito de "solicitar a reintegração na TAP".
O convite de Medina
Alexandra Reis garantiu que não falou sobre a saída da empresa, nem sobre a indemnização de meio milhão de euros, com o ministro das Finanças, Fernando Medina, quando foi convidada para o Governo.
"Quando fui convidada para secretária de Estado do Tesouro, não falámos do meu processo de saída da TAP e nós não falámos sobre a indemnização", afirmou ainda em resposta ao deputado Bernardo Blanco, da IL.
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O deputado liberal perguntou à ex-secretária de Estado do Tesouro como é que Fernando Medina conhecia as razões para a saída da TAP, embora tenha dito que não sabia da indemnização, ao que Alexandra Reis respondeu apenas: "Não sei."
Este convite surgiu apenas "cinco meses" depois da entrada na NAV, onde estava "satisfeita" com os resultados obtidos.
Acabou por aceitar, apresentando a "renúncia de livre vontade" do cargo que ocupava e ligando ao ministro das Infraestruturas para o informar da saída, sendo que este "já sabia que tinha sido convidada para secretária de Estado do Tesouro".
O capítulo NAV
A "primeira vez" que ouviu falar da NAV - Navegação Aérea, já depois de ter saído da TAP, foi num telefonema "muito exploratório" do secretário de Estado Hugo Santos Mendes., a 22 de março.
Nessa conversa, Alexandra Reis ficou a saber que os então próximos secretário de Estado e ministro das Infraestruturas teriam "alguns desafios que iriam precisar de resolver na empresa" e sentiu que aquele era um teste ao "nível de conhecimento" que tinha sobre a NAV.
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"Na altura até brinquei, porque a conversa foi tão preliminar, fiz um comentário: 'Mas o doutor vai mudar de pasta?' E ele respondeu que quem nomeia é o Governo", revela, "e ficámos por aí".
O "convite formal" para integrar a NAV acabou por só acontecer "depois da nomeação do Governo", esclareceu mais tarde.
"Dois ou três dias depois, não consigo precisar", o secretário de Estado voltou a ligar a Alexandra Reis para proceder ao convite formal, que a própria aceitou.
A chefe de gabinete do secretário de Estado avisou Alexandra Reis sobre os documentos necessários e os procedimentos a tomar, seguindo-se uma "entrevista telemática".
Com a luz verde da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP), apareceu "no dia 1 de julho na NAV", sem falar com os ministros das Infraestruturas ou das Finanças.
O caso Alexandra Reis
Protagonista da polémica indemnização de meio milhão de euros que levou a uma remodelação no Governo e à exoneração dos presidentes da companhia, Alexandra Reis é ouvida esta quarta-feira.
É a quarta personalidade ouvida pela comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão da TAP, constituída por iniciativa do Bloco de Esquerda, depois da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), o administrador financeiro da empresa, Gonçalo Pires, e da presidente executiva, Christine Ourmières-Widener.
Escolhida pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, para secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis protagoniza a polémica que começou no Natal, altura em que o Correio da Manhã noticiou que a então governante tinha recebido uma indemnização de cerca de 500 mil euros para sair antecipadamente da administração da TAP.
O caso levou à demissão do então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e do secretário de Estado Hugo Mendes, além da própria Alexandra Reis, que esteve menos de um mês no Governo.
Alexandra Reis foi chamada pela comissão de inquérito na qualidade de ex-administradora da TAP, ex-presidente do Conselho de Administração da NAV Portugal - Navegação Aérea, para onde transitou após a saída da companhia aérea, e de ex-secretária de Estado do Tesouro.
Numa declaração escrita enviada à Lusa, em dezembro, Alexandra Reis disse que o acordo de cessação de funções "como administradora das empresas do universo TAP" e a revogação do seu "contrato de trabalho com a TAP S.A., ambas solicitadas pela TAP, bem como a sua comunicação pública, foi acordado entre as equipas jurídicas de ambas as partes, mandatadas para garantirem a adoção das melhores práticas e o estrito cumprimento de todos os preceitos legais".
Na sequência de uma auditoria da IGF, que encontrou falhas graves no acordo de saída entre a TAP e Alexandra Reis, o Governo decidiu exonerar a presidente executiva e o presidente do Conselho de Administração, Manuel Beja, que vai ser ouvido na comissão de inquérito na próxima semana.
O Governo pediu ainda a restituição de grande parte do valor da indemnização (450.110,26 euros), que Alexandra Reis disse devolver "por vontade própria", apesar de discordar do parecer da IGF.
