Vinte anos em Missão pelo País. A-dos-Francos reza a história
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O projeto universitário católico Missão País assinala 20 anos. Nasceu em 2003, fruto da vontade de três estudantes da Universidade Nova de Lisboa de dedicar algum tempo a missionar, sem ter de sair do país, e de criar na faculdade um ponto de contacto com a religião. As missões universitárias são, hoje, semanas de apostolado e ação social que se realizam em várias faculdades e partem Portugal dentro.
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As missões de cada faculdade são lideradas por uma equipa de "chefes", responsáveis pelo projeto na faculdade e por um grupo de 50 missionários. Este ano, a Missão País tem espalhados por Portugal quatro mil jovens universitários que levam a solidariedade a 64 localidades de norte a sul do país.
Quando chegam ao local da missão, os universitários dividem-se em grupos de dez elementos e durante uma semana prestam serviço à comunidade: reforçam a ajuda nos lares, nos centros de dia, nas creches, nas escolas. Apresentam-se e conversam com a comunidade porta a porta e, assim, aliviam a solidão dos mais velhos.
Só há dois momentos em que o discurso tem de estar bem estudado: na missa diária, ou não fossem eles jovens católicos, e no teatro final que apresentam à comunidade que os acolhe.
A TSF acompanhou um dia da missão da NOVA SBE II, em A-dos-Francos, uma vila nas Caldas da Rainha.
O dia começou cedo em casa de Clara, a primeira habitante da vila a abrir a porta aos missionários. O grupo de jovens, que durante uma semana se dedica ao contacto com a comunidade, corre as portas da localidade e disponibiliza ajuda. Mas, 20 anos depois, os missionários são unânimes no diagnóstico: o maior auxílio que podem prestar é disponibilizar tempo e companhia.
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"Muitas destas pessoas estão sozinhas e gostam de uma boa conversa. Até houve um senhor que começou a chorar, porque se sentiu mesmo feliz com a nossa companhia e isso mexe imenso connosco. Foi o primeiro dia que fiz [a atividade porta a porta] e já estou a pensar que sortuda que sou de poder estar a viver esta experiência", relatou a universitária Rita Cunha.
"A nossa maior dificuldade foi despedirmo-nos das pessoas. Tínhamos a necessidade de abranger o maior número de casas possível, mas às tantas as pessoas estavam tão agarradas que ficávamos horas e horas a falar", realçou outro missionário.
É o primeiro ano que a vila de A-dos-Francos recebe a Missão país, mas para muitos jovens a participação no projeto não é novidade. É o caso do chefe de missão, Manuel Pulido, que explicou que nem sempre foi bem recebido: "Já aconteceu batermos uma segunda vez para ver se não está mesmo ninguém em casa e aparecer alguém na janela do andar de cima a gritar 'vão-se embora'". Mas em A-dos-Francos o pedido é diferente, e é para que prolonguem a estadia.
Quem o diz são os porta-vozes da honestidade, as crianças. "Eu quero que eles voltem, porque estes dias estão a ser muito divertidos. Eles brincam e ajudam-nos em muitas coisas. Se nos magoarmos, eles veem logo ver o que se passa", explicou Luís.
Durante uma semana, na escola, os missionários amparam as quedas aos mais novos, ajudam com as refeições, limpam as instalações e a sopa ganha outro sabor. Foi o que contou uma habitante de A-dos-Francos que quis saber o que faziam 60 jovens vestidos de azul na vila que também é sua.
"Já ouvi dizer que vieram aqui à escola ajudar os meninos a comer a sopa, porque eles não gostam. Também foram ao lar distrair um bocadinho as pessoas. É um trabalho bonito", afirmou.
Ora, se as crianças dizem, as vozes da experiência confirmam. Depois do almoço, os voluntários caminham até ao lar e ao centro de dia. Ao peito levam uma cruz de madeira, com pontas redondas e guitarras na mão. No lar é hora de rezar o terço, no centro de dia ouve-se "Laurindinha" de Dulce Pontes ou "Sonhos de Menino" de Tony Carreira.
Mas a TSF quis o testemunho de quem beneficia da ajuda. "Estão a fazer um rico trabalho. Fazem-nos rir e passamos os dias melhor. Estão prontos para tudo, são uns queridos. Devia ser todos os anos assim. Era uma maravilha", atirou Rosa, uma utente do lar.
E nem a porta que separa os dois espaços - o lar do centro de dia - divide as opiniões: "Cantam e animam-nos. O tempo parece que passa mais rápido. Depois ajudam-nos a levantar as mesas e apoiam quem está em cadeira de rodas, mas todos nós precisamos de auxílio. É uma pena que se vão embora, mas têm outras atividades para fazer, não é?", lembrou Luísa Saraiva.
Os jovens têm, por exemplo, um teatro para preparar. A sessão é única. Estreia no último dia da missão e é um "presente" aberto a toda à comunidade que acolhe os missionários.
"É o culminar da missão. É um dia muito feliz para toda a gente, onde conseguimos entregar um pouco de nós. Ou seja, chegamos às localidades e somos acolhidos e o teatro é como se fosse um presente, um pouco do nosso tempo para a comunidade que nos acolhe", explica o universitário Diogo Lima.
A agitação diária dos missionários que correm de um lado para o outro, as conversas na rua, no lar obrigam a criar tempos de silêncio e de oração. É o que a chefe de missão Maria Braga apelida de "missão interna". O objetivo é "acalmar e digerir tudo o que se vive na semana".
No pós-missão, cultivam-se amizades. Nos corredores da faculdade, as caras deixam de ser desconhecidas, afinal passaram uma semana a viver juntos. É caso para dizer que agora ninguém mais cerra as portas que a Missão abriu.
