Violação em Loures. Tribunal considera libertação "adequada", plataforma fala em "normalização da violência sexual"
A comarca titular do processo considera que as medidas de coação aos arguidos "são proporcionais". A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres sublinha, na TSF, que há pelo menos um arguido que continua a falar do caso através das redes sociais
Corpo do artigo
A comarca titular do processo em que três jovens suspeitos da violação de uma menor em Loures foram colocados em liberdade defendeu esta terça-feira que as medidas de coação são “proporcionais e adequadas” e correspondem ao pedido pelo Ministério Público.
Numa nota divulgada, “a propósito das notícias e comentários publicados na comunicação social a respeito das medidas de coação aplicadas no âmbito do processo” relativo à violação de uma jovem de 16 anos por três jovens influencers que divulgaram depois imagens do crime nas redes sociais, a comarca de Lisboa Norte decidiu prestar esclarecimentos, nos quais sublinha que as medidas de coação não representam um julgamento do caso.
“O primeiro interrogatório judicial de arguido detido não corresponde a um julgamento dos factos, nem tem em vista a antecipação da aplicação de penas, tendo por fim, tão somente, a aplicação de medidas de coação destinadas a acautelar os perigos” definidos no Código do Processo Penal.
Estes correspondem a fuga ou a risco de fuga, perigo de perturbação de inquérito ou instrução do processo, perigo para a obtenção e conservação da prova, perigo decorrente da natureza do crime ou personalidade do arguido e risco de continuidade da atividade criminosa e perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
“No caso, após interrogatório e de acordo com os elementos de prova disponíveis, os arguidos foram submetidos, por decisão do tribunal de instrução criminal, às medidas de coação não privativas da liberdade que foram promovidas pelo Ministério Público. Estas medidas foram consideradas, face aos elementos disponíveis nos autos, proporcionais e adequadas às finalidades de natureza cautelar que visam assegurar”, lê-se no esclarecimento.
A comarca acrescenta que a investigação prossegue e o processo se encontra em segredo de justiça, não sendo, por isso, possível prestar mais esclarecimentos públicos nesta fase, e recorda que a decisão do tribunal é passível de recurso.
“Sublinha-se que os/as juízes/juízas decidem de forma independente e imparcial, com base nos elementos constantes dos autos e no cumprimento rigoroso da lei”, acrescenta-se.
Plataforma para Direitos das Mulheres alerta para "mensagem muito perigosa de normalização de violência sexual"
A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres alertou, esta terça-feira, para a "mensagem muito perigosa de impunidade" que traduzem as medidas de coação aplicadas aos três arguidos no caso de uma menor violada em Loures.
Questionada pela TSF sobre o comunicado da comarca de Lisboa Norte, a técnica Diana Pinto sublinhou que há pelo menos um arguido que continua a falar do caso através das redes sociais e apela "para que não se confunda a independência dos tribunais com a tolerância arbitrária ao sexismo e violência".
Parece-me urgente que não esquecemos que é uma violação filmada, que é tipificado como um crime de menores.
Diana Pinto lembrou ainda que os arguidos estão na posse de pornografia de menores e que "não está garantido que os arguidos não vão continuar a partilhar" este tipo de conteúdo.
Para a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, "esta situação é representativa de um padrão maior de falhas no sistema judicial no que diz respeito à violência contra mulheres e raparigas. A libertação destes arguidos envia uma mensagem muito perigosa de impunidade e normalização de violência sexual".
A plataforma, que promoveu uma carta aberta que exige medidas contra a violação e a divulgação das imagens online, vai levar o tema para a campanha eleitoral que se aproxima, com abordagens aos partidos políticos. Foi esta terça-feira divulgado que mais de 70 organizações e perto de três mil pessoas subscreveram o documento.
A libertação dos três arguidos suscita indignação e alarme. Este caso evidencia um problema sistémico na aplicação de medidas de coação inadequadas para a prevenção de crimes contra mulheres e raparigas, revelando falhas estruturais na proteção das vítimas e uma menorização dos crimes praticados.
Três jovens foram detidos a 24 de março em Loures, no distrito de Lisboa, por suspeita de crimes de violação agravada e pornografia de menores contra uma adolescente de 16 anos, informou a Polícia Judiciária (PJ) três dias depois.
A investigação teve origem numa participação do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, à Polícia de Segurança Pública (PSP) e o caso ocorreu em fevereiro numa zona próxima da residência da vítima, adiantou a PJ em comunicado.
De acordo com o diretor da Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo da PJ, João Oliveira, os três jovens detidos são influencers com um “público muito significativo”.
A jovem de 16 anos era uma seguidora dos suspeitos nas redes sociais, com os quais começou por manter um contacto meramente virtual, mas com os quais acabaria por marcar um encontro presencial.
Os três jovens, segundo a PJ, “em contexto grupal constrangeram a vítima a práticas sexuais e filmaram os atos, contra a sua vontade, divulgando-os nas redes sociais”.
Os suspeitos, com idades entre os 17 e os 19 anos, foram presentes a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo sido colocados em liberdade, ficando sujeitos às medidas de coação de apresentações periódicas semanais e proibição de contactos coma vítima.
