Violência doméstica. "Se eu soubesse que teria esta resposta para me proteger, teria apresentado queixa mais cedo"
Há dez gabinetes de Apoio à Vítima de Violência Doméstica nos tribunais. O Parlamento quer alargar a rede a mais comarcas
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Apesar de estar situado no edifício do tribunal, o Gabinete de Apoio à Vítima do departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Faro está decorado com mobiliário branco e informal. Uma forma da vítima que ali chega não se sentir num local hostil. Este gabinete, em particular, foi criado em 2019 e é um dos dez que existem no país. Os casos que lhe vão parar às mãos chegam sobretudo através do Ministério Público ou após uma queixa feita às autoridades policiais. E é a partir daí que se desenrola o trabalho do Gabinete de Apoio à Vítima de Violência Doméstica e de Género. E o que faz? "Desde logo o apoio emocional, muitas vezes em situações de crise psicológica. O apoio também a nível informativo dos procedimentos processuais, da questão dos direitos das vítimas, dos apoios que existem e que podem obter, assim como a preparação e o acompanhamento em diligências", explica a coordenadora.
Ana Oliveira, psicóloga, é técnica da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), a entidade que dá o suporte técnico a este organismo. Considera que o primeiro trabalho é fazer a avaliação do risco que corre cada pessoa que ali entra. Ana lembra-se de um caso recente em que o agressor não acatou a decisão do tribunal e depois da intervenção do gabinete tudo andou mais rápido. "Falarmos com o Ministério Público fez com que fossem determinadas medidas que fizeram com o que o agressor saísse de casa", conta. A psicóloga considera que a reação que recebe por parte das vítimas é o que recompensa o seu trabalho. "Recebo a chamada dessa pessoa que me diz que agora já vai para casa aliviada e que a casa lhe dá uma sensação de paz", relata.
No ano passado, o gabinete atendeu cerca de 400 casos e este ano já vai em mais de 200 acompanhamentos. A perceção da psicóloga é a de que o fenómeno da violência doméstica está a aumentar, embora seja também percetível que há mais denúncias que anteriormente ficavam entre portas. Ela atinge crianças, mulheres e idosos e passa por todos os estratos sociais.
No distrito de Faro, região do país em que a imigração atinge números relevantes, chegam também ao gabinete vítimas estrangeiras ainda mais fragilizadas do que de cidadania nacional, por não terem qualquer rede familiar.
"Por a língua ser diferente, pela rede de apoio ser muito mais fraca, isso faz com que [essas situações]demorem a chegar ao conhecimento do tribunal", afirma.
Para quem ali trabalha a recompensa é perceber que este gabinete, inserido no sistema de justiça, faz a diferença. Auxilia as vítimas que chegam fragilizadas a ter mais apoio e a conhecer os seus direitos. "Lembro-me de uma delas ter dito "se eu soubesse que havia esta resposta para me proteger, teria apresentado queixa mais cedo", relata.
Apesar de estarem previstos há quase 15 anos na legislação, os gabinetes de Apoio à Vítima de Violência Doméstica e de Género estão instalados apenas em 10 comarcas do país. Recentemente, por proposta do PAN, o parlamento aprovou por unanimidade uma resolução para a criação destes gabinetes em todas as comarcas. Faro é um dos 10 gabinetes que está inserido no Departamento de Investigação e Ação Penal com a coordenação técnica da APAV.