Vítor Ilharco: "Insistimos que os reclusos votem porque é o primeiro passo para a reabilitação e reintegração"
O Voto é a Arma do Povo: as primeiras eleições livres em Portugal fazem 50 anos e a TSF convida 25 personalidades a falar sobre a importância da democracia participativa. O líder da APAR sublinha que o Governo, "em vez de cruzar os braços", devia "lutar contra" a abstenção nas cadeias
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O secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR), Vítor Ilharco, sublinha que a lei portuguesa é explícita quando define os detidos como "um cidadão com todos os direitos, exceto à liberdade". E neste leque de direitos "entra o de votar", configurando-se como "o primeiro passo para a reabilitação, reintegração e cidadania".
"Mesmo que o teu voto possa parecer inútil, é uma maneira de mostrares que continuas a ser um cidadão com todos os teus direitos. Quando dizem que os reclusos não têm direitos, tu reivindica esse direito de votares. Que é para toda a gente saber, incluindo desde logo aqueles que lidas diariamente - guardas prisionais, funcionários, diretores e até companheiros -, que tens esse direito. Vota! É um direito que tu tens, mas também é uma obrigação. É a obrigação de qualquer cidadão consciente votar", apela.
Nas cadeias, a taxa de abstenção ronda os 70%. "É sempre mais elevada do que no exterior, mas mesmo assim tem decrescido muito", refere Vítor Ilharco, que explica que para um recluso ainda é "difícil" conseguir ter acesso ao voto.
"Porque é um voto antecipado. Não é como as pessoas que estão fora das cadeias, que chegam àquele dia e já têm o seu cartão de eleitor. É só chegarem àquele dia e dirigirem-se ao local do voto e fazerem a sua votação. Ali, eles têm de se inscrever, têm de vir as pessoas das câmaras municipais, têm de meter aquilo num envelope. É um sistema diferente, que é mais trabalhoso, e os reclusos na maior parte das vezes não estão para isso e também não são instigados a isso", lamenta.
O líder da APAR denuncia a "promoção da inércia" nas cadeias portuguesas e uma visão ainda muito punitiva do sistema, que acaba por esquecer a reabilitação. Apresenta como um exemplo disso mesmo as palavras de "um sindicalista" que afirmou que "o dinheiro gasto na reinserção é mal gasto, devia era ser usado para a segurança". Estas crenças tornam a árdua a tarefa de explicar que a lei portuguesa diz que a prisão serve para reabilitar e punir, "por esta ordem".
"Para as autoridades do sistema prisional português, o recluso ideal é aquele que não incomoda, que passa na cela a maior parte do dia a ver televisão, a não querer ir trabalhar ou estudar porque isso dá trabalho aos guardas e aos funcionários. O ideal é aquele recluso que fica na cela, sai só para ir ao pátio jogar um bocado à bola, depois vêm porque têm PlayStation. Por isso é que têm ansiolíticos. O importante é que não incomodem. Os reclusos ganham essa rotina de nada fazer e as preocupações para a vida futura ficam em segundo ou terceiro plano."
Um dos deveres que fica logo "cá para baixo" é precisamente o voto. Vítor Ilharco aponta o dedo às demais instituições públicas, desde logo ao Ministério da Justiça, por não "promover" este direito, que também "é um dever, quase uma obrigação", junto dos reclusos.
"Todos aqueles que têm direito de votar, nós [APAR] fazemos os possíveis para que votem. Essa era também uma obrigação da tutela, a começar pela ministra da Justiça, depois pela secretária de Estado, diretor-geral e diretores das cadeias. Todos eles deviam lutar para fazer isso", defende.
O trabalho feito na associação encontra sustento na crença de que um país que não se preocupa com os jovens, idosos e reclusos "não é um país na verdadeira ascensão da palavra". E, em Portugal, quem está detido é considerado um "cidadão de segunda".
"Se o estabelecimento prisional de Lisboa, a nossa capital, em vez de ser uma cadeia, fosse um canil, e as pessoas soubessem que os animais — que eu também gosto muito — viviam nas condições em que estão aqueles seres-humanos, já tinha havido manifestações, já tinha havido alarido, e já tinham existido grandes discursos na Assembleia da República. Assim, como são presos, qualquer coisa é suficiente", comenta, alertando que isto contribui para alimentar a ideia de que o voto de um presidiário pouco ou nada importa para a "modificação deste estado de coisas". "É uma pena."
Os governantes, continua, acreditam que "a maior parte dos reclusos é absentista e, admitindo que até "o possam ser", advoga que "em vez de se cruzar os braços, devia-se lutar contra isso". "Agora, isso dá trabalho", reconhece.
Vítor Ilharco insiste que "o voto é importante", ainda que os políticos "não se preocupem minimamente - mas minimamente - com o sistema prisional, muito menos com os reclusos", já que seu peso eleitoral não vai "por aí além": são cerca de 12 mil detidos, mais os familiares.
"Eles [reclusos e familiares] têm pouca confiança nos políticos, ou nenhuma, e também têm poucas razões para terem confiança neles", realça.
Mas a responsabilização alastra-se também aos serviços de educação, a quem "compete mostrar aos reclusos que há quase uma obrigação de votarem", e existem já alguns técnicos que o fazem. "Também não é tudo mau." Continua neste tom elogioso para falar do antigo diretor-geral do sistema prisional Rómulo Mateus, que neste aspeto foi "uma lufada de ar fresco".
O incentivo ao voto a esta camada da população é, então, feito sobretudo por associações como a APAR, que envia correspondência aos associados apelando à democracia participativa.
Depois de uma revolução quase sem sangue, Portugal está há 50 anos a utilizar a arma mais forte que o povo tem: o voto. A TSF convida 25 personalidades a falarem sobre a importância da participação dos eleitores. Para ouvir todos os dias na antena da TSF de manhã, à tarde e à noite, e a qualquer hora em tsf.pt