Um paquistanês a viver há mais de um ano no Centro de Acolhimento para Refugiados na Bobadela recorda a longa viagem que o trouxe até Portugal.
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Abdullah Khan tem 26 anos e é natural de Peshawar. Uma cidade no interior do Paquistão a mais de mil quilómetros do oceano. Nunca viu o mar, até ao dia em que teve de atravessar o Mediterrâneo num pequeno barco sobrelotado de paquistaneses, sírios, afegãos e iranianos.
A história de Abdullah começou meses antes quando resistiu a uma tentativa de roubo do seu carro pelos talibans (Peshawar fica ao lado da fronteira com o Afeganistão). A pancadaria desse dia acabou com ameaças sobre toda a família.
O pai de Abdullah encontrou uma forma de tirar o filho do país. Pagou a um "agente" uma viagem completa, sem documentos, ilegal, até Milão, atravessando parte do Paquistão, o Irão, a Turquia, a Grécia e acabando em Itália. Abdullah saiu do Paquistão há ano e meio e nunca mais conseguiu falar com a família - não sabe se estão vivos ou mortos.
Este é um dos poucos refugiados que atravessaram o Mediterrâneo de barco e vieram, depois, para Portugal. A maioria prefere o Centro ou o Norte da Europa, mas Abdullah recorda que decidiu vir até Lisboa a conselho de um afegão que encontrou em Itália. Até esse dia não sabia o que fazer e Portugal era apenas um país onde se jogava bom futebol.
Com um mapa à frente, Abdullah descreve à TSF o percurso que fez: mais de 9 mil quilómetros, 3 meses, por terra e mar. Os momentos mais difíceis aconteceram na fronteira entre o Irão e a Turquia (com uma cena de tiros) e na travessia marítima que o levou da Grécia até Itália.
Em cada país por onde passou, Abdullah teve um 'passador' a acompanhá-lo. Excepto no percurso feito num pequeno barco que devia levar 4 ou 5 pessoas, mas estava ocupado com 15 ou 20. O 'passador' meteu-os no barco, sem coletes salva-vidas, ligou o motor, deu-lhes quatro remos em caso de azar e apenas disse para irem em frente.
Na primeira vez que viu o mar, Abdullah teve medo. Pensou voltar para trás, mas acabou sentado na parte da frente do barco. Temeu a morte, chorou e rezou com os 'colegas' de viagem.
A travessia de 7 a 9 horas (nem pensou em contar o tempo...) acabou bem, algures na costa de Itália. Depois disso, 'só' lhe faltava atravessar Itália, França, Espanha, até chegar à estação de Santa Apolónia, em Lisboa.