Viúva de Nadir Afonso junta-se a processo contra uso indevido de obras em Inteligência Artificial
Laura Afonso garante que não lhe foi pedida qualquer autorização para que as obras do pintor e arquiteto que morreu em 2013 sejam utilizadas para treinar modelos de inteligência artificial generativa.
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A viúva de Nadir Afonso, Laura Afonso, confessou-se esta quarta-feira surpreendida por algumas empresas de inteligência artificial terem usado as obras do pintor sem terem pedido autorização para tal e confirmou à TSF que se juntou a um processo judicial que decorre contra o uso abusivo de material de mais de 4700 autores.
O processo que decorre nos Estados Unidos já tem dez queixosos e há vários portugueses na lista de autores cuja obra foi utilizada indevidamente: além de Nadir Afonso surge Add Fuel (Diogo Machado), Jorge Jacinto, Regina Pessoa, Vhils (Alexandre Farto), mas também Berriblue, artista polaco-irlandesa radicada em Portugal desde 2015, e André (Saraiva), filho de portugueses, nascido na Suécia e criado em França.
"Surpreendida" foi como Laura Afonso como por ficar, até porque "não tinha qualquer conhecimento nem do processo, nem de que as obras do Nadir estavam a ser utilizadas pela inteligência artificial".
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Questionada pela TSF sobre se não lhe foi pedida qualquer autorização para utilizar as obras, confirmou que "não foi pedido nada" e que, ao tomar conhecimento da lista de 4700 autores, percebeu que embora dela constassem nomes cuja obra já está no domínio público, "havia uma larga maioria cuja obra ainda está protegida pela legislação dos direitos de autor", que tem uma validade de 70 anos após a morte dos criadores.
Nadir Afonso morreu há uma década - em dezembro de 2013 - e por isso a viúva e presidente da fundação com o nome do pintor e arquiteto decidiu juntar-se ao processo judicial em curso através da Sociedade Portuguesa de Autores. Depois de um primeiro contacto, percebeu que a SPA "já tinha conhecimento".
"Pediram-me para lhes enviar um e-mail para confirmar a nossa associação a esse processo, sim", confirmou, comentando, no entanto, que este é um caso que mostra dois lados de uma mesma moeda.
"Por um lado, mostra que a obra destacou-se e as pessoas entendem que há ali qualquer coisa de diferente e que apresenta uma multiplicidade de formas. Por outro lado, é uma banalização. É que depois, lá para as tantas, haverá muitos que não serão capazes de discernir qual é que é o verdadeiro Nadir daquilo que é criado pela inteligência artificial com base em obras de Nadir ou de outros artistas, não é?", avisa.
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Confrontada com este caso e com os avanços em torno das questões de inteligência artificial, Laura Afonso alerta que "o trabalho do criador, o trabalho do artista, tem de ser preservado" e salvaguardado.
"Tem de haver uma legislação que proteja, porque muitas vezes a tecnologia avança de uma maneira tão grande, tão veloz, que nós nem acompanhamos todos estes processos. E realmente não existe, presumo eu, e tem de existir, uma legislação internacional que proteja os criadores", aponta.
Nadir Afonso nasceu a 4 de dezembro de 1920, em Chaves, e foi arquiteto, pintor e pensador português, tendo morrido a 11 de dezembro de 2013. Diplomou-se em arquitetura, trabalhou com Le Corbusier e Oscar Niemeyer, e estudou pintura em Paris.
Quatro empresas visadas
No processo judicial, interposto inicialmente pelas ilustradoras Sarah Anderson, Kelly McKernan e Karla Ortiz, as empresas são acusadas de utilizar obras de arte, disponíveis na Internet, mas protegidas por direitos de autor, para treinar as suas ferramentas que usam Inteligência Artificial para produzir imagens.
O processo judicial prolonga-se há cerca de um ano e, no final de novembro, foram apresentadas novas provas, passando a visar quatro empresas (Midjourney, Stability AI, DeviantArt e Runway AI) e o número de artistas queixosos subiu para dez: Sarah Anderson, Kelly McKernan e Karla Ortiz, Gregory Manchess, Adam Ellis, Gerald Brom, Grzegorz Rutkowski, Julia Kaye, H Southworth e Jingna Zhang.
A lista de artistas de quem foram usadas obras sem autorização, incluídas nas provas, abrange mais de 4.700 nomes, entre artistas visuais, realizadores, ilustradores, pintores, escultores, cartoonistas, autores de banda desenhada, writers de graffiti, e nela constam figuras como Andy Warhol, Jean-Michel Basquiat, Quino, Peyo, Jonas Mekas, Wei Wei, Vincent van Gogh, Os Gémeos, Miss Van, Mauricio de Sousa, Max Ernst, Man Ray, Joan Miró, David Lynch, Frida Kahlo, Emily Carr, Debbie Hughes e Bill Watterson.