Ficam apenas umas oito ou nove pessoas na aldeia da Carvalha, quase todos os mais novos. Os outros 50 vão a Lisboa e a Sintra cumprir o sonho e receber o prémio do Inatel que é a recompensa por irem resistindo à desertificação e ao isolamento em plena Serra da Estrela.
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Todos a conhecem como Filomena, mas é afinal Maria Felismina. Um segredo bem guardado na aldeia da Carvalha onde vive há 89 anos. Foi de véspera ao cabeleireiro, "pois que isto não é coisa que se faça todos os dias", ir de passeio a Lisboa com toda a aldeia.
Ricardo Peres fica. Ainda não é totalmente morador da Carvalha. Vai e vem da capital, desde que herdou casas de família que decidiu transformar em alojamento local. Aposta em receber turistas numa localidade onde não há um café, um supermercado, uma farmácia... mas não falta pão fresco, "o padeiro vem três vezes ao dia".
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Coragem do padeiro e boas mãos ao volante que esta subida desde Penalva de Alva, não é para todos. Vanessa Abrantes está quase a estrear-se nestas curvas, está a tirar a carta de condução. Aos 19 anos assume que não tenciona ficar na Carvalha para sempre, mas é um caso raro: "Vivi na Alemanha, com a minha mãe e voltei à aldeia para cuidar da minha avó." A avó vai a Lisboa, Vanessa fica a estudar para um exame.
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Também ficam por cá os recém-chegados. Ricardo está de telemóvel numa mão e mangueira na outra, a regar o quintal. As sementes também são novas nesta terra. "Amanhã não vou, gostava, mas tenho o miúdo", aponta para o filho bebé ao colo da avó, na varanda da moradia que o casal comprou na Carvalha: "Também acho que eles merecem mais, já cá estão há muito mais tempo."
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Ir a Lisboa é por vezes um regresso a outra vida. Adelino esteve lá quando foi telegrafista, na tropa, durante a guerra colonial. "Estava no Forte de Caxias, íamos muito a Paço d'Arcos, conhece?" Do cimo dos seus 100 anos, desfia memórias infinitas de histórias em que era sempre um herói muito jovem. "As raparigas novas, mas só as que usam brincos e saia" são o seu tema de conversa preferido. Não é a velhice que o deixa triste, nem alguma mazela: "É elas já não olharem para mim..." Sempre em tom brincalhão, mas com um toque de saudade verdadeira de ser jovem.
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Adelino não sente falta de muito mais. A Carvalha organizou-lhe uma festa de arromba quando fez um século e já está a ensaiar outra para os 101 anos, a 23 de setembro. Adelino, como praticamente todos os habitantes desta aldeia estão realmente em família, aqui. Há meia dúzia de apelidos que se repetem. Adelino, por exemplo já tem neta e bisneta a viverem na Carvalha. Os outros são primos, vizinhos, amigos e muitos, é como se fossem irmãos.