Voluntários da Ajuda estão sem salários desde novembro: há quem, como 'Paulo', já viva no quartel
Corporação presta auxílio às freguesias da Ajuda, Benfica, Belém e Alcântara, onde vivem perto de 80 mil pessoas: a TSF falou com um dos profissionais que teve de mudar-se para o quartel com a mulher e o filho por não ter como pagar rendas ou arranjar o carro.
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O socorro às populações das freguesias da Ajuda, Benfica, Belém e Alcântara pode estar em causa, alerta o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, porque os bombeiros voluntários da Ajuda não recebem salários desde novembro e já há até "cinco ou seis pessoas" a dormir no quartel por terem perdido a casa.
“Há trabalhadores que, penso eu, já rescindiram”, revelou à TSF Tiago Martinho, dirigente do STAL, e outros estão "a mudar para outras associações, precisam de ganhar dinheiro”.
Sem receber salários “desde novembro”, alguns trabalhadores "já perderam casas e já estão a viver, três ou quatro, dentro das instalações por falta de outra opção”, uma vez que "não conseguem dinheiro para viver noutro sítio”.
Nenhum dinheiro, demasiado trabalho
'Paulo', nome fictício, é um desses casos. Por estes dias, vive no quartel com a família. Conta à TSF que teve de deixar a casa em que vivia com a mulher e o filho “por não ter maneira de pagar rendas nem de arranjar sequer o carro” e que acabou por “perder tudo”.
Como ele, estão no quartel e na mesma situação “cinco ou seis pessoas”. Outros optaram por deixar a corporação, o que provocou um aumento do volume de trabalho, e esse excesso tem levado muitos profissionais a recorrerem a apoio psicológico.
“Torna-se impossível sequer conseguirmos aguentar as horas e as cargas de serviço para mantermos a ajuda à população, que não está em causa, porque nós não vamos deixar que isso fique em causa, mas começa a ser muito cansativo para nós sem dormirmos, sem conseguirmos comer em condições, sem conseguirmos ter condições dignas de viver e de descansar”, confessa.
Quando há tempo para descansar, "é normal que dentro do quartel haja barulho, toque a sirene ou os telefones e é normal que não consigamos descansar em condições. Há casos em que as pessoas estão a recorrer aos hospitais e a ajudas psicológicas porque estão a ficar muito cansadas e isso está a pôr em causa a nossa vida pessoal”.
As respostas tardam em chegar. A direção dos bombeiros não tem acedido aos pedidos para reunir e não explica porque é que, por exemplo, “não recebem por transferência e recebem em dinheiro, dentro de envelopes”.
“Até agora não recebemos qualquer tipo de resposta. Falo, e repito, da direção. Isto não tem nada a ver com o comando”, ressalva.
80 mil moradores em risco
Os serviços prestados à população, explica Tiago Martinho, têm permitido ganhar "algum dinheiro”, mas este costuma servir para "colmatar a conta da água, da luz, do gás e para pagar a creche dos miúdos”, tanto que estas situações "estão a receber doações de instituições e de particulares, porque pura e simplesmente o dinheiro não chega".
A nível material, "há viaturas sem combustível, há ambulâncias sem oxigénio e o socorro está claramente comprometido”, alerta este dirigente sindical, em especial porque os trabalhadores acordem a "três ou quatro freguesias com cerca de 80 mil moradores, o que é uma área muito grande”.
“Esse socorro, sim, está em risco não só pela falta de recursos, mas também porque os trabalhadores estão completamente de rastos. Os poucos que sobram estão de rastos porque estão cansados, estão física e emocionalmente esgotados e é impossível que prestem um serviço de qualidade à população”, lamenta.
Para já, o STAL fez “dois pedidos de reunião urgentes: “um à direção da associação e outra ao presidente da Câmara, Carlos Moedas”, mas não obteve respostas.
Dos trabalhadores, o sindicato soube que na última sexta-feira esteve no quartel “uma secretária da direção ou algo do género” a quem os trabalhadores colocaram questões.
"O que lhes foi dito foi que ainda não havia prazo, não havia nenhuma perspetiva de quando é que lhes iriam regularizar a situação”, resumiu.
O presidente da junta de freguesia da Ajuda, Jorge Marques, garante por seu lado que o socorro não está posto em causa nem tal poderia acontecer, uma vez que a "primeira resposta é dada pelos sapadores bombeiros e não pelos bombeiros voluntários".
Garantindo não estar a "menosprezar a resposta dos bombeiros voluntários" em situações de emergência, porque são uma "instituição muito importante", o autarca aponta que "felizmente na cidade de Lisboa existem os sapadores" para uma resposta "imediata".
Problema com empreiteiro congelou contas
Na origem desta situação está, explicou o presidente da junta, uma dívida a uma empresa de construção civil que levou ao congelamento das contas.
"A direção dos bombeiros recebeu um apoio para fazer obras na instituição, nos blocos de contentores onde estão, um apoio da Câmara Municipal de Lisboa que aparentemente não era suficiente para a empreitada mais o valor do IVA dessa empreitada", começou por explicar Jorge Marques, e"chegando a acordo com o empreiteiro, ficaram de pagar posteriormente o valor correspondente ao IVA, com a devolução, por parte das Finanças, desse valor. Visto serem bombeiros, esperavam que as Finanças lhes devolvessem esse valor que depois poderiam pagar ao construtor."
O problema nasceu aí, dado que essa devolução não aconteceu e agora há uma "divergência com as Finanças", estando o caso nas mãos de um advogado.
O empreiteiro em causa bloqueou as contas dos bombeiros e ficou com o dinheiro, o que fez com que estes "deixassem de poder fazer pagamentos".
A direção dos bombeiros informou a junta de freguesia de que estava a "negociar um acordo com a construtora para o desbloqueio das contas" e, "há uns dias", soube-se que o desbloqueio teria acontecido.
"Enviámos prontamente documentos para assinarmos um protocolo para algum apoio financeiro e estamos a aguardar que nos devolvam os documentos legais necessários para podermos adiantar uma verba", garante Jorge Marques.
