Voluntários levam “leituras ao domicílio” para combater isolamento em Coimbra
Desde fevereiro que 40 voluntários estão a ir o domicílio de utentes da Cáritas para ler. O projeto “Leituras ao Domicílio” nasceu de uma parceria da companhia Teatrão com a Cáritas com o objetivo de combater o isolamento. A iniciativa chega a 20 utentes apoiados pela instituição
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Todas as terças-feiras, José Alfredo Silva, de 89 anos, abre a porta de casa às leituras. Um momento que, reconhece, é importante. “Porque é uma espécie de pôr os neurónios a trabalhar mais um bocadinho e não há dúvida quando a gente funciona enquadrado no espírito de convívio são e amigo sente-se melhor. Sente-se mais jovem.”
O projeto "Leituras ao Domicílio” é uma parceria entre o Teatrão e o Serviço de Apoio Domiciliário da Cáritas de Coimbra. São 40 os voluntários que, em duplas, integram as leituras de obras neorrealistas. Há 14 obras disponíveis.
José Alfredo Silva escolheu “Fogo na noite escura” de Fernando Namora, por ser “um indivíduo de Coimbra” e que “retrata bem o espírito académico e social” da cidade e da universidade”.
“Todos estamos a gostar de igual forma. Para mim tem sido muito fixe mesmo. A ideia será ler o livro, mas é mais do que isso. É o que estas terças-feiras à tarde, estes 40 minutos que temos, nos trazem para o nosso dia. É estas conversas, estas brincadeiras”, descreve Telmo Parreira, que faz dupla nas leituras com Rosália Rodrigues.
A iniciativa surgiu integrada na programação paralela do espetáculo “Constantino, Guardador de Sonhos”, uma criação da companhia Teatrão a partir de Alves Redol.
“Este contacto com esta proposta de olharmos para o neorrealismo como uma inspiração para perceber a realidade hoje, seja para os leitores, seja para as pessoas que usufruem dessa leitura, pareceu-nos uma experiência interessante. Esta não é uma intervenção só sobre as pessoas que recebem a leitura. É uma intervenção também sobre os leitores”, diz Isabel Craveiro, diretora artística da companhia.
A iniciativa reflete também, segundo Isabel Craveiro, o que “tem sido uma preocupação” do Teatrão com “a ideia de exercício de democracia cultural”. “A nossa sociedade é profundamente marcada por desigualdade de acesso a tudo: à saúde, à educação e à cultura”, afirma.
Sónia Lopes, assistente social da Cáritas, diz que “fazia todo o sentido” aceitar este projeto tendo em conta também a tipologia de utentes que têm. “Para parte de alguns utentes seria como uma companhia, como um dia com pessoas para poder conversar, assim como, para outros utentes, acrescentar cultura e reviver muitas memórias, tendo em conta que é desta área do neorrealismo”, afirma.
O projeto chega a 20 utentes. Sónia Lopes reconhece que, “inicialmente, houve utentes que tiveram algum receio em aceitar”, mas assegura que não vão desistir. Até porque há 30 voluntários a aguardar. “Ainda continuamos a tentar e com estas experiências que vamos vivendo e passando esta informação aos nossos utentes que não estão com este projeto, com o testemunho dos que estão agora, penso que poderá haver aqui uma continuidade. Nunca desistimos, obviamente”, afirma.
"Leituras ao Domicílio” vai prolongar-se até junho.
