"Vou desbloquear." Fernando Alexandre garante acesso de estrangeiros a cursos de medicina já no próximo ano
Corpo do artigo
Na Grande Entrevista TSF-JN, o ministro da Educação anuncia que o atual limite de alunos estrangeiros nos cursos de medicina "não faz sentido nenhum" e será retirado no próximo ano letivo e promete aumentar os salários de entrada na carreira docente para a tornar mais atrativa.
Escreveu esta semana uma carta aos professores dizendo que conta com eles neste ano letivo e também escreveu um artigo reconhecendo que a educação é a esperança das famílias e do país. Esta esperança não esbarra na realidade, com escolas sem professores, professores sem escola e alunos sem aulas?
Muitas famílias de facto veem frustrada a esperança que colocam na educação, e o enorme investimento e muitas vezes sacrifício que fazem para que os seus filhos possam estudar, na expectativa de que possam melhorar a sua vida. Fizemos progressos extraordinários nos últimos 50 anos de democracia, mas continuamos a ter muitas falhas numa dimensão essencial para a equidade, que é o acesso à educação de qualidade para todos, em igualdade de oportunidades, e essa não está garantida. Vemos de uma forma muito positiva a atenção que os media estão a dar a este problema, porque acreditamos que só com a mobilização da sociedade para este problema vamos conseguir resolvê-lo. Ele existe há muitos anos e não tem sido resolvido precisamente porque as dezenas de milhares de alunos que são afetados por esta falha da escola pública são alunos, são famílias que não têm voz, vêm dos contextos socioeconómicos mais desfavorecidos e esta é uma falha muito grave da escola pública.
Vamos falar sobre algumas das medidas para tentar resolver esse problema. Tem números, por exemplo, sobre professores reformados que decidiram regressar ou sobre aqueles que estão a adiar a aposentação?
Não, neste momento ainda não temos. Sabemos que há centenas de professores que pediram informação sobre as condições para poderem regressar ou continuar, no caso daqueles que estão a atingir a idade de aposentação, mas só durante o mês de outubro e agora na segunda metade de setembro é que vamos ter, depois da consolidação do preenchimento dos horários com o concurso que ainda está a decorrer. Os diretores vão ter a possibilidade, de forma autónoma, de convidarem docentes que conhecem que se aposentaram, por exemplo, no ano passado, há poucos meses, que estão ainda em boa forma física, que gostavam e gostam daquilo que fazem, que é o que acontece à maior parte dos professores. Os professores estão na profissão por paixão, porque é uma profissão que tem essa dimensão de vocação, e vão ter um instrumento e um incentivo para regressar à escola. Da mesma forma, professores que estão a atingir a idade da reforma têm um incentivo adicional para continuar, porque vão ter um acréscimo salarial de 750 euros e aqueles que não estão no topo da carreira vão ter a oportunidade de beneficiar da recuperação de tempo de serviço que estamos a fazer e que depois os poderá também beneficiar na reforma.
E espera atingir os objetivos com estas medidas?
Nós temos uma meta, no caso dos reformados, de 200 aposentados. O que nós já percebemos, e isto está identificado há muitos anos, é que o concurso centralizado, da forma que existe, não responde às necessidades do sistema educativo. Temos professores com horário zero, ou seja, são colocados e não têm alunos. Depois temos alunos que não têm professor em determinadas disciplinas e escolas. E continuamos a ter milhares de professores desempregados ou numa situação muito precária. Por isso, o que é que temos de fazer? Temos de mudar os incentivos. Não estamos a dizer que vamos acabar com o concurso centralizado.
Ou seja, o modelo de colocação não vai sofrer alterações de fundo?
Vai sofrer mudanças, aquilo que nós aprovámos em Conselho de Ministros na quinta-feira já é uma mudança muito grande, ou seja, é um concurso extraordinário, externo, para pessoas sem vínculo neste momento, que vai permitir a vinculação em determinadas escolas, não é um concurso nacional para todos.
Essa será a tendência, um processo cada vez mais localizado?
Quando temos evidência, com o concurso nacional, de que não conseguimos colocar professores em determinadas escolas, não podemos aceitar que os alunos continuem sem aulas, sem ter a escola a fornecer aquilo que as famílias esperam. E por isso temos de ter outros instrumentos, temos de ter concursos desenhados especificamente para essa realidade.
Mas convivendo com o concurso nacional?
O concurso central vai ter de continuar a existir. Porque há uma dimensão institucional e que tem a ver no fundo com a credibilidade do Estado e a confiança das pessoas. Se acabássemos com o concurso centralizado estávamos a frustrar expectativas de milhares e milhares de professores que durante anos e anos andaram a mudar de escola na expectativa de um dia se poderem aproximar da residência. Se acabássemos com o concurso centralizado, era uma injustiça enorme. O que é que temos de fazer? Temos de compatibilizar esse concurso centralizado com concursos que depois são direcionados para escolas cujas condições estão identificadas. São escolas onde temos alunos sem aulas durante 60 dias no ano em particular ou nos últimos dois anos, e vamos ter um despacho que as identifica e essas escolas vão ter dois tipos de instrumentos adicionais. Um deles é precisamente este concurso extraordinário e outro o apoio à deslocação, que também é só para essas escolas.
Como é que reage às críticas a essa seleção, criando uma discriminação em relação a outros professores deslocados?
Não há discriminação mais grave do que ter alunos que têm aulas e outros que não têm. Se eu privo alunos de ter aulas, digam-me qual é a discriminação mais grave do que esta.
E a única forma de a resolver é com incentivos financeiros?
Eu penso que posso dizer isto: os sindicatos estão recetivos, ou seja, reconhecem, obviamente, que os alunos não podem estar sem aulas e por isso nós temos de ter alguns incentivos que, aliás, já existiram na carreira. Não existem no atual estatuto, que vamos rever, mas já existiram numa versão anterior, em que para determinadas zonas desfavorecidas havia uma majoração. Temos de ver qual é a forma agora na revisão do estatuto para acautelar essa situação, mas à semelhança do que existe em muitos países, se não conseguimos colocar professores em determinadas escolas, ou seja, condenando determinadas regiões e pessoas de determinadas regiões a não conseguirem sair de uma situação socioeconómica muito frágil, estaríamos a reconhecer como país que não conseguimos cumprir a Constituição, porque a Constituição determina a igualdade de oportunidades de acesso à educação. Tenho dito isto várias vezes e disse aos sindicatos, se não conseguirmos como sociedade resolver este problema, temos de mudar a Constituição. Não me passa pela cabeça mudar a Constituição nessa dimensão!
Tem insistido na meta de 90% a menos de alunos sem aulas até ao final do primeiro período. Quantos professores é que vão ter de chegar ao sistema para que essa meta seja cumprida? E de onde é que eles vêm?
Estamos a tomar medidas novas, que nunca foram experimentadas. Começámos com 15 medidas, já somámos mais duas, e medidas com bastante impacto.
Impacto orçamental?
A dimensão orçamental obviamente é muito relevante, este Governo tem uma grande responsabilidade orçamental. O apoio à deslocação tem um custo estimado de 10 milhões de euros, não apresentamos medidas sem fazer contas. Mas esses 10 milhões de euros, se conseguíssemos resolver o problema dessa forma, era baratíssimo, porque o custo de ter milhares e milhares de alunos sem aulas é enorme. São pessoas que vão ficar com o percurso escolar interrompido, vão ficar muito aquém do seu potencial e o país vai ficar muito aquém do seu potencial.
Estava previsto um concurso para 140 técnicos superiores apoiarem as turmas sem professores. Já foi lançado?
Vamos lançar. A segunda reserva de recrutamento ficou fechada na segunda-feira. Vamos consolidar os dados, publicar o despacho com as escolas e são essas que vão ter direito ao técnico superior para apoiar os diretores de turma, que têm uma carga burocrática grande. São medidas destas adicionais, incrementais, que vamos ter de tomar até acabarmos definitivamente com esta situação que é inaceitável em 2024.
Há pouco já indicou um ponto a rever no estatuto, cujas negociações estão apontadas para outubro. Quais são as prioridades do Ministério para essa revisão?
O estatuto da carreira docente é uma manta de retalhos. No processo da recuperação do tempo de serviço, fica evidente porque é que não se pensou sequer em mexer na carreira. Porque quando fizemos o que fizemos, garantir a recuperação total do tempo de serviço, eliminando o travão que existia no acesso ao 5º e ao 7º escalão, aquilo que observamos é que a maior parte dos professores se vão encostar aos escalões mais elevados, ou seja, vão ter a progressão que quando entraram na carreira esperavam ter. Vão-se cumprir as expectativas, tardiamente, que os professores alimentaram quando decidiram ser professores. Para não ter esse custo orçamental que vamos ter com a recuperação do tempo de serviço, estava-se a destruir uma carreira.
É sobretudo de valorização salarial que estamos a falar na revisão do estatuto?
Essa parte, em grande medida, ficou resolvida. Onde é que temos de atuar? Em primeiro lugar, temos de tornar a carreira previsível. Quando alguém decide ser professor, tem de perceber a progressão que vai fazer e as condições.
Mas a progressão será igual para todos? Sem quotas ou valorização dos que mais investem na qualificação?
As condições não têm de ser iguais para todos. O que o professor tem de saber é que condições tem de cumprir para conseguir fazer um determinado percurso. Eu não estou a dizer que vai ser igual para todos, também não estou a dizer que vai ser diferente, vamos ter de negociar. Tem de haver algum incentivo a que os professores melhorem, que façam formação. Tem de haver incentivos do ponto de vista da formação, e quem a faz tem de ser recompensado por isso. Mas temos, sobretudo, isso é evidente nas análises internacionais, de tornar a carreira muito mais atrativa à entrada. O valor à entrada para quem entra na carreira é muito baixo. Isso é algo que eu vos posso dizer aqui: vamos ter de melhorar as condições salariais dos professores nos primeiros escalões.
Os estágios vão manter-se remunerados? Prevê alguma alteração?
Vamos alterar e temos já uma proposta para discutir ainda este mês com os sindicatos, para alterar as regras de formação de professores e, a partir dos estágios, como é que eles se integram na carreira. O governo anterior fez duas revisões quase seguidas desse decreto-lei num espaço de meses, mas não conseguiu ainda assim ter a aceitação de nenhuma instituição de ensino superior, o que não é possível, ou seja, temos de fazer essa definição das condições de formação de professores com as instituições de ensino superior, porque são elas que vão definir a oferta. Se temos um enquadramento legal que não é aceite pelas instituições, não vai funcionar, que era o que estava a acontecer, basicamente todas eram contra. Temos já uma versão de decreto-lei para negociar e vamos mudar as condições. Não vos vou dizer aqui porque vamos informar primeiro as instituições e os sindicatos.
Este ano foram preenchidas na primeira fase todas as vagas para cursos de educação básica. Há margem para aumentar vagas?
Sim, já no próximo ano letivo. Vamos acabar com o numerus clausus na região de Lisboa, ajustando a oferta à procura.
Para quando será a fusão dos dois primeiros ciclos do ensino básico?
Isso implica alterar a Lei de Bases e por isso não está nas nossas prioridades para o próximo ano.
Mas está no programa do Governo para esta legislatura.
Que vai até 2028.
Portanto, segunda metade da legislatura.
Sim, será na segunda metade. Temos um conjunto de reformas que já estamos a fazer.
O que vai propor mudar na Lei de Bases?
Há muitas dimensões a mudar na Lei de Bases, que envolve até o ensino superior. É um trabalho que ainda não está feito, ainda não começámos.
Este ano vamos ter exames em ambiente digital? E qual a visão mais vasta que tem sobre o digital e o papel na escola?
Temos um compromisso total com o digital. É impensável pensar a educação sem o digital, sem inteligência artificial, sem usar essas ferramentas. Se tivermos um sistema educativo onde essas ferramentas não fazem parte da aquisição de competências, os estudantes vão ficar para trás em relação aos outros países. Mas não podemos ter um comprometimento com o digital sem pensarmos em cada momento do ciclo de aprendizagem quando é que ele funciona bem e quando é que não funciona. Por exemplo, anunciámos no último Conselho de Ministros as recomendações do Governo em relação aos telemóveis, que é uma dimensão digital muito importante. O telemóvel pode ser um recurso para ensino-aprendizagem e é usado, em particular nas universidades. Mas sabemos que nos primeiros ciclos, em particular no primeiro e no segundo, a evidência que existe – e nós vamos estudar quais é que são os efeitos em Portugal na nossa população –, mas os estudos internacionais mostram que no primeiro e no segundo ciclo as consequências quer para a aprendizagem, quer para o bem-estar dos alunos, podem ser muito negativas. Não devemos ter o recurso digital smartphone, por exemplo, mas os alunos, mesmo no primeiro ciclo, têm de ter contacto com o digital.
Incluindo na avaliação.
De tal forma que na avaliação externa que propusemos, em que alteraámos as provas de aferição para as provas ModA, que são provas de monitorização das aprendizagens, no quarto ano e no sexto a avaliação vai ser digital. O digital, por exemplo na avaliação, tem enormes vantagens, em particular para o tipo de exame que definimos, que vai permitir a comparabilidade e verificar a evolução das aprendizagens. Para que os alunos possam fazer essas provas digitais, têm de ter condições não apenas de equipamentos e de conectividade, mas também na prática dentro da sala de aula. Aliás, nós vamos ter um exame-ensaio prévio à prova ModA, em janeiro, se não me engano, e por isso temos de dar competências digitais mesmo no 1º e no 2º ciclo. E os exames do 9º ano vão ser digitais, este ano. É um enorme desafio, porque tem a ver com a relação com as autarquias, com o processo de descentralização, mas vamos ter de o conseguir fazer em equidade, que era algo que não estava garantido no ano letivo passado.
Porque as escolas não tinham condições?
As escolas tinham condições muito desiguais e os alunos tinham tido condições muito desiguais na preparação para esses exames. Uma parte muito significativa da população portuguesa, felizmente, tem acesso à conectividade, a computadoras pessoais, tablets, smartphones, mas há outra que não tem. E quando definimos uma prova que conta para a avaliação, que é o que acontece no 9º ano, não podemos gerar iniquidade a partir das condições socioeconómicas dos alunos. Também decidimos que os exames do 11º e do 12º ano vão ser feitos em papel, não em formato digital como estava previsto pelo governo anterior.
Aí a desigualdade ia ser mais visível?
Mais visível num momento que é absolutamente decisivo para a vida das pessoas. Ter mais umas décimas num exame nacional sabemos que pode mudar a vida. Mas na correção dos exames, na avaliação, vamos dar um enorme peso ao digital. E vamos tornar a correção muito mais rigorosa e poder avaliá-la, que é algo que neste momento não é feito. Sabemos que, apesar de terem os critérios para avaliação, professores diferentes não avaliam exatamente da mesma maneira.
Mas estarão todos numa base única?
Os exames vão ser todos digitalizados e os professores avaliadores só vão corrigir uma parte do exame, uma pergunta, não vão corrigir o exame todo. E por isso nenhum professor sozinho vai determinar a nota do aluno. Vamos poder identificar o viés que os professores têm na avaliação, porque vamos ter vários professores a avaliar a mesma prova, o que vai permitir uma avaliação com mais qualidade. Isso ajuda o próprio avaliador a melhorar o seu trabalho. Em todos os ciclos, temos um conjunto de projetos PRR de centenas de milhões de euros no Ministério, que vem de trás, que vai reforçar imenso recursos digitais para a educação. Com muitos conteúdos, com acesso a muito material digital e isso é um enorme mais-valia.
Portugal é um dos países da OCDE onde as famílias pagam mais pela educação pré-escolar. Há capacidade do Governo para fazer mais?
Vamos fazer mais nas creches e vamos fazer mais no pré-escolar. Em relação ao pré-escolar, temos o levantamento freguesia a freguesia de todas as necessidades e estamos a trabalhar concelho a concelho para garantirmos, na rede pública, o aumento de salas.
Quantas crianças estão sem vaga?
Ainda não temos números. Não consigo dizer, mas penso que neste momento são cerca de 12 mil crianças no pré-escolar que estão sem vaga garantida. Aqui a dificuldade é a transição da creche para o pré-escolar, ou seja, a dificuldade está com as crianças de 3 anos que acabaram o ciclo da creche.
Há quem considere essa fase decisiva no processo de aprendizagem.
É muito importante. Penso que foi um erro que Portugal fez, voltando à igualdade de oportunidades. Há evidência científica que mostra que as competências que os alunos têm até aos 5 anos são, em grande medida, determinantes. Estamos a começar a olhar para a creche não apenas como um lugar onde os pais precisam de trabalhar e deixam a criança, mas como um lugar onde começa o processo educativo. Esse trabalho não foi feito, foi uma opção política quase dos anos 80. Na rede pública já criámos desde julho cerca de 150 salas adicionais, 25 crianças por sala, a rede pública está a responder, os serviços do Ministério estão a interagir diretamente com as autarquias para garantir salas adicionais e vamos protocolar com as instituições sociais e privadas para conseguirmos ter mais vagas.
Não haverá recuo na gratuitidade?
Não haverá recuo na gratuitidade.
Embora haja críticas em relação a atrasos na clarificação de regras por parte das IPSS. Esses problemas já estão resolvidos?
Vamos ter novidades em breve, em princípio na próxima semana. Envolve o Ministério da Educação, mas envolve sobretudo o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Um dos problemas que surgiu com a Creche Feliz foi o modelo de financiamento para as instituições de solidariedade social. O valor da creche é muito mais elevado do que do pré-escolar, e é natural que seja porque os custos são muito mais elevados. Mas isso criou um incentivo para que fossem deslocadas as salas do pré-escolar para a creche, o que gerou depois um défice no pré-escolar. Costumo dizer que isto são problemas bons, causam muita ansiedade às famílias mas é o sistema a crescer por termos mais alunos. Há 10 anos andávamos a fechar escolas, a fechar salas, tínhamos pessoas a mais. Hoje o país está num ciclo completamente diferente. Temos mais alunos, temos mais necessidades e também estamos a apostar muito mais na educação.
No acesso ao ensino superior, este ano houve algumas alterações no top 10 dos chamados cursos de excelência, com casos como a engenharia de dados e inteligência artificial. Vê estes sinais como alterações de paradigma ou como casos pontuais? Entende, por exemplo, que o caso da medicina, que cai este ano nas médias, tem a ver com a crise que vivemos no SNS?
A medicina continua a ter alunos excecionais e a ter uma enorme procura. É uma área de excelência em Portugal. Aliás, é uma área que tem excelentes escolas, excelentes faculdades e que tem um potencial enorme de internacionalização.
Mas temos de resolver os nossos problemas antes disso?
Não, não, discordo totalmente. Essa é uma das mudanças que queremos fazer. O ensino superior tem de ser pensado no contexto internacional. Em quatro décadas, o ensino superior português conseguiu criar instituições que, em algumas áreas específicas, estão a nível do melhor que se faz a nível internacional. Isso foi feito com duas condições. A primeira foi a internacionalização, ou seja, esses projetos não se desenvolveram a pensar em nós, foi a pensar no mundo. Quando pensamos no mundo, é a melhor forma de sermos melhores para nós. A outra condição foi a autonomia das instituições de ensino superior para poderem desenvolver os seus projetos.
O problema está nas condições para depois fixar esses alunos profissionalmente no país.
Não podemos olhar para o ensino superior, e em particular na medicina, como estarmos a formar médicos para Portugal. Aliás, a evidência tem mostrado isso, formamos e eles são tão bons que depois conseguem ir trabalhar para qualquer país no mundo. O que é que temos de fazer? São duas coisas que devíamos separar. As faculdades de medicina têm de continuar a fazer o excelente trabalho e ter condições ainda para fazer um trabalho melhor. As faculdades de medicina estão proibidas de receber estudantes internacionais, à semelhança do que acontece com a maior parte dos cursos em Portugal, com o argumento de que há estudantes portugueses que vão para fora e então não vamos deixar vir estrangeiros. É uma forma de olhar para o ensino superior que não é a melhor.
Pretende alterar essa regra?
A forma de garantir o melhor ensino possível para os portugueses é precisamente ter um ensino superior que está sempre em diálogo, alinhado com aquilo que se faz internacionalmente.
Então vai desbloquear, é isso?
Vou desbloquear, não faz sentido.
No próximo ano letivo?
Sim, sim. No acesso, essa restrição é um argumento puramente demagógico porque vamos conseguir dar melhores condições aos alunos portugueses se estivermos a receber alunos internacionais. Aliás, é isso que está a acontecer em outras áreas. Hoje somos vistos como um país que consegue gerar talento de qualidade, que tem um ensino de qualidade para a qualificação ao mais alto nível, vêm pessoas dos países mais desenvolvidos estudar para Portugal, e é isso que depois vai beneficiar os nossos estudantes. Eu disse sempre que uma universidade que queira ser regional, nem regional é. Uma universidade para ter impacto regional tem de querer ser internacional. E as universidades portuguesas e os politécnicos têm feito esse caminho, aliás tem sido uma das boas surpresas nestes cinco meses, neste cargo. Temos instituições que não só têm excelentes projetos, como têm muita ambição e estão mesmo com grande dinamismo. Esta é a grande esperança para mudar o país.
Vai criar um problema à colega da Saúde, na atratividade dos médicos.
Mas isso aplica-se a todas as áreas, confirmando aquilo que eu estava a dizer sobre a qualidade do nosso ensino superior. Temos de tornar o nosso país cada vez mais um país de oportunidades, onde todos veem Portugal como um sítio bom para virem trabalhar. Isso é transversal a todas as áreas, aplica-se aos médicos, aos enfermeiros, aos engenheiros, a todas as áreas. O facto de hoje haver outros cursos, para além dos de medicina, que atraem muitos alunos, é outro sinal muito positivo daquilo que está a acontecer no nosso país. Hoje temos jovens que querem ir trabalhar para os Estados Unidos, para a NASA. O mesmo pode acontecer numa empresa em Portugal, e existe, felizmente: temos engenheiros da área aeroespacial que estão a trabalhar em Portugal e a produzir tecnologia para o mundo todo, para as melhores empresas do mundo. Aliás, temos muitas empresas estrangeiras que vêm para Portugal precisamente para aproveitar o talento que conseguimos gerar cá.
É inevitável falar do alojamento. Como é que se explicam os atrasos no plano de alojamento para o ensino superior e que medidas adicionais pretende tomar?
Todos os dias olhamos para a execução, estamos a acompanhar em várias áreas. Isto acontece com as escolas profissionais e acontece com as residências, tenho três pessoas no meu gabinete a acompanhar os vários projetos que são financiados pelo PRR e a prioridade tem de estar claramente na execução dos projetos que têm fundos europeus. Obviamente vamos ter de fazer mais investimento a seguir, mas nesta fase temos uma dificuldade de realização. As empresas de construção não conseguem responder aos pedidos todos porque o PRR está a ser executado em Portugal e em toda a Europa e são muitos projetos ao mesmo tempo. O que estamos a fazer é identificar os que têm capacidade de execução, dar-lhes do ponto de vista administrativo todo o apoio que é necessário, porque há muitos atrasos que também têm a ver com a administração pública. Há uma grande articulação e colaboração interministerial.
Até ao final do ano todos os projetos vão estar em andamento?
Eles estão em andamento e naqueles em que isso não acontece e em que admitiram que não tinham capacidade de realização está a haver reprogramação. Estão a entrar outros que tinham ficado fora. Temos tido desistências, infelizmente, nas últimas semanas, porque demos até este mês. Mais uma vez, é uma área onde não houve investimento durante muitas décadas e que teve a ver com o modelo que foi escolhido para alojar os estudantes, que era muito na base do arrendamento. O alojamento é de facto neste momento uma restrição ao acesso e ao sucesso escolar, porque há aqui uma dimensão de integração. Quando um jovem chega a uma cidade e não consegue ficar integrado na comunidade estudantil e vai para um quarto sozinho numa zona recôndita, obviamente vai ter muito mais dificuldades de integração e por isso as residências também têm esse papel que foi ignorado pelas instituições durante muitos anos.
Haverá novas medidas na Ação Social?
Já contratámos um estudo, foi um concurso público e ganhou um centro de investigação da Universidade Nova de Lisboa, para fazer uma análise de todo o sistema de ação social do ensino superior. Mais uma vez, é uma manta de retalhos, é uma soma de medidas que não nos garante que, de facto, as decisões tomadas beneficiam a equidade e o sucesso dos estudantes no ensino superior. O objetivo que temos, no próximo ano letivo, não é rever o regulamento de bolsas que existe neste momento, é fazer um novo regulamento. Estar a rever uma coisa que já é uma manta de retalhos, arriscamo-nos a continuar a ter um regulamento que é inconsistente.
Foi prometido para setembro levar a Conselho de Ministros a nova carreira para a investigação científica...
Dia 26 de setembro. Foi adiado por uma razão mais de calendário. Foi toda a gente ouvida: os sindicatos, o CRUP (Conselho de Reitores), o CSISP (Conselho Superior dos Politécnicos), os partidos políticos, mas pretendemos fazer mais uma ronda com partidos antes de aprovarmos, porque é um projeto absolutamente estruturante e é daqueles projetos que não pode estar no âmbito das lutas partidárias. É demasiado importante para o país, e numa área estrutural que, apesar de haver diferenças, não me parece que sejam diferenças. Nós temos de facto uma carreira de investigação que garante a estabilidade aos investigadores, porque a investigação, a ciência, a inovação, são absolutamente essenciais para transformarmos o nosso país num país melhor.
