O tema da energia domina a agenda e marcou o pacote de apoio às empresas, mas o ministro da Economia e do Mar mantém o impasse sobre a possibilidade de taxar lucros excessivos no setor.
António Costa Silva finta as críticas sobre a falta de ajudas diretas e sublinha que o Orçamento do Estado será um novo momento para prosseguir políticas de suporte à atividade. O programa do Governo prevê a descida seletiva do IRC, mas o objetivo será ir mais longe e promover uma redução "global" e "com impacto".
Do pacote de 1,4 mil milhões anunciado para as empresas, 720 mil euros são linhas de crédito, o que levou algumas organizações representativas a dizer que há um convite a que as empresas se endividem. Admite que faltam apoios diretos, sobretudo para as PME?
Isso, primeiro que tudo, é passar um atestado de menoridade às empresas, que sabem muito bem o que devem fazer. O pacote é desenhado para responder a necessidades específicas das empresas. Tem subvenções significativas, desde logo às indústrias que são intensivas no consumo de gás. Também conseguimos a retroatividade destes apoios, vamos pagar diretamente às empresas que estão no programa.
O setor do comércio e dos serviços considerou que este é um pacote para a indústria e exclui muitas pequenas empresas e concretamente a restauração, que viveu o drama da pandemia. Poderá haver necessidade de medidas adicionais?
Fico muito surpreendido com esses comentários, é como se quando tomamos uma medida tudo o que está em vigor e para trás não valesse de nada. O setor do turismo tem o plano "Reativar turismo", que são 6 mil milhões de euros de investimento. Um terço está feito e é um setor que está a recuperar. O setor do comércio e turismo é dos menos expostos às variações dos custos de gás e o turismo é um caso paradigmático. Temos uma linha de financiamento para as empresas de turismo na ordem dos 150 milhões de dólares, temos uma de apoio à tesouraria das pequenas e médias empresas de turismo no valor de 170 milhões de dólares, temos uma linha para a qualificação de 300 milhões de dólares. É um setor excelente, tem um contributo admirável para a performance notável que a economia portuguesa está a ter este ano, e eu queria acentuar aqui este facto. Apesar destas dificuldades, a nossa economia vai crescer 6,4% este ano, o maior crescimento da União Europeia, e a contribuição do comércio e turismo está lá.
É o setor que mais repercute no consumidor os efeitos da inflação?
É um setor crucial da economia portuguesa, como nós sabemos representa mais de 60% do valor acrescentado bruto que cria o país. Estamos a trabalhar intensamente para construir o que se chama uma agenda de competitividade. Não percebo o nosso país, esta reação quando se toma medidas para apoiar os setores industriais que estão a ser flagelados pela crise. Não significa ignorar os outros, ou ter menos atenção pelos outros.
Mas o setor do comércio sente menos esta crise porque muitos dos custos são transferidos para os consumidores? É essa a preocupação do Governo?
O Governo tem a preocupação de termos preços equilibrados e os consumidores não serem penalizados de forma excessiva por tudo aquilo que se está a passar. Temos instrumentos e estamos a fiscalizar, a monitorizar tudo aquilo que se passa nas cadeias, sobretudo da distribuição, dos bens alimentares, para ver se os preços são justos ou se há situações anómalas.
E já foram detetadas essas situações?
Ainda não detetámos e temos de intervir se forem detetadas. Agora, do ponto de vista do Ministério da Economia, temos uma grande preocupação que é preservar o equilíbrio entre o que é o interesse público e a capacidade produtiva e operacional das empresas. E nós não podemos viver num país em que se cria suspeição contínua sobre as empresas, porque elas fazem o seu trabalho, desenvolvem as suas atividades e este clima de suspeição, sobretudo contra as grandes empresas, é nocivo para o país. As empresas são o motor do desenvolvimento económico e o que temos de assegurar é que elas estão a operar dentro do quadro legal, que os preços que praticam são justos e quando identificarmos situações anómalas vamos reagir.
A medida de 30 milhões de euros para a internacionalização foi das mais elogiadas, mas o valor é considerado escasso. Há capacidade para reforçar essa verba se for rapidamente gasta?
Tudo hoje é escasso. Nós vivemos numa sociedade avançada, a economia é a quinquagésima do Mundo dentro das economias avançadas, mas quando tomamos essas medidas são sempre insuficientes e são sempre escassas.
Ainda assim, no passado o Governo demonstrou capacidade de reforço, quando houve uma resposta rápida das empresas.
Nós temos uma situação específica este ano, estamos na transição dos quadros comunitários. Este tipo de avisos para a internacionalização já devia ter saído há muito tempo e batemo-nos muito no Ministério da Economia para isso acontecer. O Ministério da Economia, como digo muitas vezes, é a casa das máquinas do país. Estamos em contacto direto diário com todos os setores de atividade e quando identificamos problemas tentamos reagir. Essa medida vai permitir às empresas, desde logo às que participam nas feiras internacionais, terem alguma tranquilidade e serenidade para planear todo o desenvolvimento futuro, sobretudo para 2023. Depois, como digo sempre, se houver necessidade podemos reforçar. Não podemos esquecer que 60% das nossas exportações são para a Europa, que se arrisca, face a todos os sinais que existem, a ter um abrandamento económico significativo no próximo ano. A mensagem que estamos a passar às empresas é de promoção e diversificação dos mercados de exportação, porque é muito importante nos Estados Unidos, no Canadá, América do Sul, África, em combinação até com os mercados europeus, mas a diversificação é o segredo para se responder depois a uma crise mais significativa na Europa.
No caso das empresas intensivas de gás, só são abrangidas aquelas em que a fatura pese pelo menos o dobro em relação a 2021. Há alguma medida prevista para quem fica abaixo desse limiar? Parece ser uma medida do tudo ou nada...
Nós não podemos dar ajudas diretas às empresas. Gostaríamos muito de ter essa política, mas no âmbito da UE isso não é permitido. Portanto, essas ajudas são conferidas no quadro temporário que a UE define. E o critério de base definido é comparar em cada mês do ano o custo unitário do gás com a média do ano anterior, neste caso com o ano de 2021, e apoiar aquelas empresas em que o custo é duas vezes ou mais superior ao do ano passado. Foi o critério que a Comissão Europeia definiu.
Não há nenhuma medida prevista para quem esteja abaixo desse limiar, mas que precise também de apoio?
Podem recorrer a outras medidas, nomeadamente a mais estrutural que está no pacote, que é ajudar as empresas no seu processo de descarbonização e a mudarem as suas fontes de fornecimento de energia. Há empresas que fizeram esse processo de descarbonização e têm hoje grande parte da sua eletricidade fornecida por fontes renováveis, com uma fatura energética altamente competitiva. A descarbonização não é só um objetivo para responder à ameaça climática, é também crucial para assegurar a sustentabilidade e a competitividade das empresas.
Os custos da energia não deveriam ser resolvidos sobretudo por via fiscal? Portugal tem uma alta carga fiscal e dizer aos portugueses que o IVA da eletricidade vai passar de 13% para 6% não é algo enganador, uma vez que só proporciona um ganho de 1 euro por mês?
O que estamos a viver hoje é uma transformação completa do sistema energético internacional e as consequências dessa transformação são visíveis para todos. Em face das políticas desenvolvidas ao longo do tempo, 60% da nossa eletricidade hoje é de fonte renovável. E é por isso que o Governo introduziu o chamado "mecanismo ibérico", que é para dissociar o preço da eletricidade do preço do gás, o que é uma proteção para os consumidores, quer famílias quer empresas que estão dentro desse mecanismo. Para as empresas o que é que anunciámos? Uma medida fiscal fundamental. Suspender o ISP para o gás que é utilizado para a eletricidade e para a cogeração. Além disso, há outra medida fiscal importante que é a majoração, em sede de IRC, de 20% dos custos com o gás e com a eletricidade.
Há um tema cujo debate tem sido muito insistente, mas continuamos ainda com uma espécie de "nim": a taxa sobre os lucros extraordinários das empresas energéticas. Em abril, no debate sobre o programa de Governo, mostrou-se favorável a essa taxa, agora mostra mais reticências. É uma questão política e na linha da moderação seguida pelo primeiro-ministro?
Não mudei de opinião. Quando há crises destas, e eu tenho uma experiência muito longa no mercado de energia, quando há crises destas uma das discussões centra-se exatamente na taxa sobre os lucros excessivos. Quando há cinco ou seis meses disse que era uma das medidas que se devia analisar (não disse que se devia implementar), vimos qual foi o coro das virgens ofendidas do liberalismo português, que são hoje as mesmas que exigem a aplicação da taxa. Há cinco meses era uma ideia completamente inconcebível, hoje a maioria discute-a, inclusive ao nível da Comissão Europeia. O segundo ponto, que na altura chamei a atenção, é que temos de analisar a situação do mercado português e ver o nosso sistema de impostos.
Os impostos que já temos, nomeadamente a contribuição extraordinária, não comparam com esta taxa.
Sim, tem razão nessas asserções. Mas repare que o nosso sistema fiscal para as empresas é progressivo, quando as empresas têm um nível de lucro elevado, o sistema atua. Para além disso, há derrama estadual, há contribuição extraordinária das empresas da energia e nós temos de analisar todo este pacote, ver os lucros das empresas e comparar com aquilo que a Comissão Europeia vai propor.
O Governo não tem ainda a certeza sobre a decisão que vai tomar?
O Governo tem tudo, nós trabalhamos de manhã, à tarde e à noite, o Governo tem as várias opções previstas, vai tomar as medidas que forem necessárias, sempre preservando isto: a capacidade operacional das empresas e o interesse público.
Mas o que é que está em cima da mesa? Quais são essas opções?
A Suécia e a Finlândia impuseram essas contribuições e num fim de semana a Suécia teve um pacote de 23 mil milhões de euros para intervir no mercado, para ajudar quem? Os operadores que tinham os lucros. E a Finlândia fez um pacote de 10 mil milhões de euros. Nós temos de ter muito cuidado com aquilo que fazemos na mecânica e na relojoaria da economia porque, se mexermos excessivamente, de um lado arriscamos amanhã termos operadores em colapso e do outro lado os consumidores sem serem abastecidos. São mecanismos extremamente complexos e nós estamos a discutir com as empresas, estamos a avaliar a situação.
Até o líder da Apetro, na entrevista que deu esta semana, diz que as empresas estão preparadas para essa taxa.
Pois, isso é muito bonito de dizer. Amanhã, se a taxa for aplicada, sobretudo na dimensão que está a ser discutida com a Comissão Europeia, vamos ver as reações que há.
Não tem essa convicção de que as empresas estejam preparadas, se houver uma decisão nesse sentido?
As empresas não estão preparadas. Ainda ontem tivemos discussões acesas com algumas empresas desse setor. Portanto, as coisas são muito diferentes. O que eu estou a chamar a atenção é para a complexidade destes mercados e para a necessidade de termos políticas públicas inteligentes que não matem com medicamento o próprio funcionamento do mercado. Isso é extremamente importante. Temos de ter atenção à especificidade do nosso sistema fiscal. Temos de preservar o interesse público. Temos de ver também a capacidade dos próprios operadores de fazerem face a tudo aquilo que vai ser exigido nesta transformação.
Depreendo que essa taxa dificilmente será aplicada, é isso?
Não, não estou a dizer isso. Pelo contrário, quando lancei o debate, há cinco ou seis meses, a minha convicção é que essa taxa deve ser estudada e se existirem condições deve ser aplicada.
Esse trabalho está a ser feito? Qual é o caminho?
O caminho é esperar as resoluções da Comissão Europeia. Comparar com o que nós temos no país. Nesta altura, temos dois grandes mecanismos que estão em execução. Um para proteger o mercado da eletricidade, o mecanismo ibérico para desassociar o preço do gás e o da eletricidade. O que é que a Comissão Europeia está a propor? Está a propor uma coisa similar, mas quer utilizar essas receitas não para baixar os preços no mercado da eletricidade, mas para acudir às companhias ou aos consumidores que estão mais expostos. Portanto, é isso que estamos a discutir, qual é a medida europeia e qual é a nossa. Há situações que podem estar a funcionar melhor aqui do que os mecanismos que vão ser propostos. Há outras que podem não ser. Temos de fazer esses ajustamentos.
No que diz respeito a salários, o Estado não deveria dar o exemplo e tentar um efeito de contágio no setor privado que leve os aumentos acima da fasquia de 2%?
Não vou adiantar mais nada àquilo que o senhor ministro das Finanças disse esta semana. É uma questão que está em cima da mesa e em negociação com os diferentes parceiros. Só queria chamar a atenção do ponto de vista macroeconómico. Algumas das grandes variáveis macroeconómicas têm um comportamento muito positivo este ano, desde logo o crescimento do PIB. Vamos também conseguir reduzir a dívida, que é fundamental nestas circunstâncias. Vamos conseguir reduzir o défice. Temos o mercado de trabalho a funcionar também de uma forma admirável, com os níveis de desemprego mais baixos historicamente. Temos as nossas exportações a crescer. O país hoje está muito mais bem preparado e se mantiver a trajetória de consolidação orçamental, que é absolutamente crucial para tudo o resto ser gerido, vamos conseguir atravessar esta fase de grande turbulência.
Mas o caminho que está a ser seguido acaba por estimular pouco a alteração de paradigma ao nível salarial, concretamente no setor privado?
Quando olhamos para a economia, para o setor privado, não podemos fazer generalizações. Temos setores no país que atraem mão de obra qualificada, que se estão a desenvolver de forma admirável, e que estão a fazer o percurso para transformar o perfil evolutivo da economia portuguesa. Isso, aliás, está umbilicalmente ligado a tudo aquilo que se está a passar no âmbito das agências mobilizadoras do PRR. O país tem investido muito, ao longo das últimas décadas, nas qualificações, mas temos de reconhecer que ainda somos dos países europeus que têm a percentagem mais baixa da população ativa com o Ensino Secundário. E isso é uma espécie de espada de Dâmocles, que vai pender sempre e constranger o desenvolvimento da economia. Se há um investimento que é produtivo, é o investimento nas qualificações. O lay-off funcionou no cenário particular da pandemia quando existiu um colapso da procura mundial, e portanto o Estado ajudou as empresas a ficarem inativas, mantendo o emprego. Aqui o que estamos a propor às empresas é na mesma manter o emprego. Vamos começar com este pacote inicial de 100 milhões de euros, e ver a adesão, desenvolver a formação no contexto do processo produtivo e ver a transformação que pode provocar para o futuro.
Como ministro da Economia defende o regresso das moratórias no crédito?
Eu acho que não podemos excluir essa medida, até pelas dificuldades que estamos a ver e pela evolução que vamos ter nas próprias taxas de juro. É um problema fundamental a que temos de dar toda a atenção.
Sabemos que o Orçamento do Estado começa agora a ser apurado, na sua malha mais fina, que está fechado a sete chaves, mas são de esperar novas medidas ao nível fiscal, nomeadamente no IRS e no IRC?
No discurso da tomada de posse do Governo, explicitei claramente e o Programa do Governo fala numa redução seletiva do IRC. Defendi que essa redução seletiva devia estar relacionada com as empresas que reinvestem os seus lucros na sua atividade.
Defendeu também que deveria avançar neste Orçamento?
Defendi. E defendi que também devia haver redução para as empresas que apostam na inovação tecnológica. Devia haver redução do IRC para as empresas que atraem talento, desde logo jovens.
Qual é a amplitude dessa medida neste Orçamento do Estado?
A minha esperança é que essa redução não seja só seletiva, mas seja global. Era um sinal muito grande que se poderia dar a todo o nosso tecido produtivo. E o que estou aqui a dizer é que as medidas têm o seu timing, são implementadas, e nós temos aqui uma sequência grande, desde o Orçamento do Estado de 2022, os pacotes para as famílias e as empresas, e que vai ter sequência no Orçamento do Estado para 2023. E eu estou convicto, e vamos lutar denodadamente para que essa questão do IRC seja sinalizada, e que seja global e que tenha impacto.
E qual seria a sua esperança no valor dessa descida?
Não vou adiantar. Isso é sujeito a múltiplos fatores, é sujeito a negociação, mas temos de ter um plano para isso que dê também corpo a muitas das expectativas das empresas.
E em relação ao IRS?
Sobre o IRS não me vou pronunciar. Não sou ministro das Finanças, não posso pronunciar-me sobre todas essas questões.
A localização do novo aeroporto tem sido considerada uma questão essencial para o desenvolvimento económico. Recentemente, foi apresentada uma nova proposta para o distrito de Santarém. Considera que esse cenário é para levar a sério ou a discussão mantém-se entre Montijo e Alcochete?
Não me vou pronunciar sobre as localizações específicas do aeroporto. O que digo, desde que preparei o documento da visão estratégica para a próxima década, é o seguinte: a conectividade aérea é uma das variáveis mais importantes para o desempenho económico do país. Nós andamos há 50 anos a discutir a localização do aeroporto, estamos a converter-nos numa espécie de país da indecisão e isso não é aceitável. Defendo também que tem de haver uma grande consonância pelo menos entre os dois maiores partidos políticos, para, quando existir alternância de poder, não se voltar tudo atrás.
Interessa menos a localização, mas sobretudo a decisão?
A decisão é absolutamente fundamental.