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Os produtores de vinho portugueses não escondem o desespero com o continuado aumento de custos de produção, o que poderá deixar alguns numa situação aflitiva. Todos os produtos de que necessitam na vinha e na adega (garrafas, rolhas, rótulos, cartões), por exemplo, estão muito mais caros e vai ser difícil fazer repercutir essa subida de preços na venda ao público.
Vítor Rabaçal é um vitivinicultor e enólogo do concelho de Carrazeda de Ansiães que produz cerca de 12 mil garrafas de vinho por ano. A atividade na sua Quinta da Bulfata já começou a ficar mais dispendiosa durante a pandemia, pois já havia "aumentos de preço e atrasos na entrega de alguns produtos, como vidro, rolhas, cartão, entre outros".
Mas a guerra na Ucrânia fez "disparar" o preço dos combustíveis. Consequências: "No vidro houve aumentos de 100% ou mais, no cartão os aumentos são semanais", exemplifica. A subida de preços também foi "brutal" nos produtos que utiliza na vinha para a produção de uvas, "quer os fitofármacos, quer nos herbicidas, poucos, que ainda têm de se usar".
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O problema vai ser repercutir o aumento dos custos de produção na venda ao consumidor, pois "não gosta de comprar a um preço à segunda-feira e a outro na sexta". Por outro lado, com o aumento das taxas de juro nos bancos, Vítor Rabaçal prevê que o poder de compra venha a ser "cada vez mais frágil". Ora, quando o vitivinicultor quiser vender o vinho a um preço maior "não para aumentar a margem de lucro, mas para suportar o brutal aumento de custos, será ainda mais difícil vender o produto".
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Complicado manter exploração
Neste contexto, Vítor Rabaçal antevê que "vai ser complicado manter viável uma exploração, quer na produção de uvas, quer na vinificação". Diz que não gosta de se enganar, mas neste caso "preferia estar enganado". Dá o exemplo da Região Demarcada do Douro, onde produzir vinho tem os custos de produção mais elevados do país, devido às características montanhosas do terreno. As dificuldades não vão distinguir entre quem tem meio hectare ou as grandes empresas. "São transversais a toda a produção", vinca.

Vítor Rabaçal
© Eduardo Pinto/TSF
Como se não bastasse, ainda há que contar, este ano, com a seca. Já foi anunciado que a produção de vinho deverá ficar aquém do esperado na primavera e ainda resta saber como as videiras se vão aguentar durante, pelo menos, mais um mês, até à vindima.
"Situação atual é dramática"
O aumento continuado dos preços das matérias-primas, dos materiais de engarrafamento, dos transportes e dos custos em geral também está a preocupar ANCEVE - Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas.
Em comunicado, esta associação refere que tem estado em contacto permanente com a fileira e "a situação atual é dramática". Considera mesmo que pode "levar inúmeros pequenos e médios produtores de vinho à beira da falência".
A ANCEVE exemplifica que o gasóleo agrícola, "um produto tão sensível para o agroalimentar, subiu de 0,83 euros para quase 1,80 euros por litro" e considera que "não faz sentido que o Estado cobre tantos impostos nesta área".
Sublinha ainda que "os adubos e outros materiais agrícolas essenciais subiram para mais do dobro. A eletricidade subiu exponencialmente. As caixas de cartão aumentaram 125%, de 400 euros para mais de 900 euros o milheiro. As garrafas encareceram já quatro vezes este ano, de 0,18 euros, em 2021, para 0,27 euros, em 2022. Os rótulos subiram 50%, as rolhas 20%, as cápsulas 30%".
A ANCEVE acrescenta que "todos os fornecedores debitam agora aos produtores o transporte dos materiais, que antes estava incluído nos preços". Adicionalmente, "passaram a exigir aos pequenos e médios produtores o pagamento contra-entrega, não concedendo prazos, como antes acontecia".
No caso dos transportes, os custos também dispararam. Exemplo: O custo de envio de uma palete de vinho de Lisboa para o Algarve era de 35 euros e agora está nos 65 euros. Acresce que são debitadas ao produtor taxas extra de combustível, que antes não existiam".
A associação conclui que "é urgente e imperioso que o Governo aceite agilizar um plano extraordinário de apoio à fileira do vinho", dado o peso que o setor tem em Portugal e na balança comercial do país, mas que "está a ficar estrangulado pelo aumento brutal dos custos".