"Não é o preço do imobiliário que é alto, os portugueses é que ganham mal"

CEO da promotora de imobiliário de luxo Vanguard Properties queixa-se da carga fiscal sobre o setor. José Cardoso Botelho, que vendeu a Ronaldo o apartamento no qual o jogador construiu uma estrutura, diz que CR7 não soube da ilegalidade.

A Vanguard Properties é o maior investidor imobiliário privado de Portugal, com mais de mil milhões de euros aplicados em vinte projetos, sobretudo de luxo, concentrados em Lisboa, no Algarve e na Comporta.

A Vanguard tem hoje um investimento em Portugal na ordem dos 1,247 mil milhões de euros. Porquê esta aposta no país?

Isto começou por mero acaso. Em 2015, a família Berda [família de magnatas do imobiliário liderada pelo empresário francês - e naturalizado suiço - Claude Berda] veio à Comporta de férias e gostou muito. O pai e os três filhos gerem um grupo muito importante na Suíça e pensaram que seria um bom local para o projeto que tinham de uma "segunda Suíça". Conheci-o em outubro de 2015.

Já com a intenção de investir?

Nós nem nos conhecíamos, mas ele queria trocar impressões comigo. Estivemos juntos e demos uma volta por Lisboa e no caminho de regresso, no Miradouro da Graça, havia um prédio com um cartaz "vende-se". O Claude perguntou se a localização era boa; eu confirmei. Comprámos o terreno. E começou a aventura. Esse primeiro terreno foi comprado a 30 de março de 2016, e desde então embarcámos numa atividade quase frenética de aquisição de terrenos.

Há muitas oportunidades?

Sim, e cada vez mais há pessoas a falar de Portugal lá fora, é um mercado que vale a pena.

E porque optaram por concentrar a oferta em Lisboa, Oeiras, Algarve e Comporta?

Foi também fruto do acaso. Começámos em Lisboa porque era a capital, mas é uma cidade que atrai cada vez mais clientela internacional importante, além dos portugueses, que são muitos. Em Oeiras arrancámos com um projeto no Vale do Jamor que considerámos muito interessante, vindo de uma carteira de crédito malparado de um banco. No Algarve também comprámos alguns ativos de malparado e outros através de contactos que estabelecemos.

Sempre na lógica de comprar barato para rentabilizar?

O que nos levou a investir o mais rápido possível foi ver que havia imenso interesse e perceber que isso levaria a que os preços dos terrenos subissem, e os dos edifícios para reabilitar também. O que fizemos foi acelerar o processo de aquisição entre 2016 e 2018. Agora queremos comprar mais ativos para repor o stock.

Há investimentos e projetos novos a caminho? Qual é o valor de investimento previsto para os próximos tempos?

O grupo Vanguard tem muita liquidez, nomeadamente na Suíça - e agora também aqui. Não temos um valor definido, vamos olhando oportunidades interessantes e avaliando. Neste momento estamos a olhar para um pacote de 500 milhões de euros.

A que prazo?

Queremos fechá-lo até ao fim deste ano. Não sei se conseguimos, mas não será por nós - pode é o vendedor não querer vender, ou não querer vender-nos a nós. Mas queremos é acelerar o processo. Temos muita confiança no mercado. E os portugueses também compram - e muito. Temos vários empreendimentos em que mais de metade, às vezes 70%, vão para portugueses.

Mas a aposta aqui é bem diferente da Suíça, onde investem sobretudo em construir para arrendar. Gostava de apostar no arrendamento aqui?

Sim, porque temos muita experiência nessa área, somos os terceiros na Suíça com 50 mil residências, 98% de classe média. Desenvolvemos agora o maior projeto da história da Suíça, ao lado do aeroporto, em que um terço são rendas sociais (8 mil francos suíços, o que é baixíssimo para o salário local, equivale a 2 mil euros/m2).

Seria aqui renda de quanto?

Na Suíça, onde um empregado de mesa ganha quase 5 mil euros, são rendas médias de 2 ou 3 mil euros, aqui equivaleria a 300 ou 400.

A pandemia afetou a procura?

Tivemos uma queda absoluta, entre 16 março e o fim do mês, em 2020. Foi zero, nenhum contacto. Foi assustador. Mas depois retomou e em julho já estávamos perto do normal. E os últimos cinco meses tem sido de recordes. Vejo cada vez mais pessoas, mais estrangeiros a chegar, que dão importância a um tema que para nós é dado adquirido mas não o é para todos: a segurança. Se Portugal jogar bem as cartas, tem aqui um fator de diferenciação fantástico.

O perfil de cliente hoje é diferente do de fevereiro de 2020?

É. Começámos a ter clientes do México, dos EUA - eu nunca tinha feito contrato-promessa com um americano e já vamos no décimo! -, há canadianos e italianos a aparecer, e iranianos, turcos, muitos sul-africanos. E os brasileiros reforçaram.

E portugueses?

Mantiveram-se nos 50%, grosso modo. Só no Castilho 23 é que só tivemos um português.

E o tipo de compra mudou?

Há cada vez mais procura pelo campo, fora de grandes centros. Isso é interessante e há coisas curiosas: clientes do Reino Unido, que sempre se concentraram no Algarve, a encher a Comporta; americanos no Algarve; mexicanos em Lisboa, Comporta e Algarve... Há novas nacionalidades e estão a descobrir novos locais.

Comprar imóveis de carteiras de malparado pode ser uma tendência acelerada nos próximos tempos por causa da pandemia?

Não creio. A banca portuguesa, desde que aqui atuamos, é muito mais séria na análise das operações. O que estamos a ver no Parlamento, aquela história já não existe, por isso não vejo malparado a aparecer aqui.

Como responde a quem diz que este tipo de investimentos afastou os portugueses?

Infelizmente, não é o preço do imobiliário em Portugal que é caro, são os portugueses que ganham mal. E o nível de impostos sobre salários é elevadíssimo. Baixar o valor do imobiliário só pode fazer-se cortando no custo da construção, baixando o preço do trabalho. E a consequência direta é as pessoas saírem de Portugal e voltarem a ir para França, por exemplo, onde há imensos concursos. Por outro lado, os impostos sobre o imobiliário são altíssimos, temos qualquer coisa como 40% de impostos e taxas no preço de uma casa. E depois há o prazo de aprovação de projeto, que torna as operações mais difíceis de prever e mais caras.

Rejeita então a associação?

Sim, esquecemos que os centros de Lisboa e Porto eram de fugir. Tínhamos as cidades muito deterioradas e o investimento estrangeiro ajudou a que isso se alterasse. Se olhar para o Censo de 1980 e 2011, vê que 280 mil pessoas saíram do centro de Lisboa - não tem que ver com estrangeiros, foram trabalhar para onde tinham emprego ou para onde havia casas com qualidade. Estou expectante com novo Censo: acho que Lisboa terá ganho habitantes pela primeira vez.

Ainda nesta semana a OCDE revelou que as rendas em Lisboa foram das que mais subiram...

Há aí um conjunto de fatores e um importante é o receio do arrendamento. Na Suíça, se o inquilino não paga o contrato termina. Isto é crucial - se não acontecer, ninguém investe. Aqui há demasiada proteção. Diria até que a instabilidade legislativa é dos nossos principais problemas.

A par do luxo, a Vanguard Properties tem somado várias iniciativas solidárias - fez a capela na Muda, apoia a escola Programação 42, investe em equipamentos médicos... As causas sociais do grupo já ultrapassam um milhão de euros/ano.

O Claude Berda gosta muito de Portugal, tenho grande orgulho que esteja cá. E todas as iniciativas que proponho ele aceita. A escola 42, que capacita jovens, muitos sem formação, para se tornarem programadores é extraordinária. Um dos melhores alunos era estofador e é hoje um programador de exceção.

É vosso o edifício que fez notícia nestes dias por causa da marquise de Cristiano Ronaldo. Como reagiu quando soube da existência daquela construção?

O Castilho 23 é um edifício de que gosto muito. Liderei essa negociação e tenho o maior apreço pessoal e profissional por ele. Comportou-se connosco de forma fantástica. O que aconteceu julgo ter sido um lapso da pessoa ligada à gestão do processo do lado do cliente - Ronaldo não tem culpa, porque desconhecia em absoluto o que se estava a passar.

Como assim? Não sabia?

É natural, ele raramente vem a Portugal, portanto delega numa equipa para conduzir os seus negócios - neste caso as obras. A pessoa terá tratado da execução da obra e, segundo sei, disse-lhe que estava tudo devidamente legalizado.

Isso é a questão legal. Será resolvido? Vai ser demolida?

Nós, enquanto promotor, vendemos e já entregámos os apartamentos - portanto não somos proprietários. Há uma empresa que gere o condomínio e tem de liderar esse processo. Nós podemos ajudar e a CML disse que teria de ser resolvido. Mas não tenho dúvidas nenhumas que Ronaldo foi exposto mas não é responsável. Quem devia ter gerido o processo é que não fez como devia.

E a questão estética?

Não quero entrar por aí... Gosto do prédio como ele estava.

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