
Gonçalo Lobo Pinheiro/Lusa
O fosso entre classe média e mais pobres aumentou, com mais desfavorecidos a ter pior acesso à saude e menos qualidade de vida. Desde a habitação à alimentação e emprego, os idosos e crianças são os mais atingidos, com 1 em 10 dos mais pequenos sem acesso a aulas remotas e 5,4% dos mais velhos a revelar que passaram fome.
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O diagnóstico está traçado no relatório "Portugal, Balanço Social 2022", realizado pela Fundação "La Caixa", BPI e Nova SBE e divulgado esta terça-feira, revelando uma subida do risco de pobreza, com maior incidência entre desempregados, famílias monoparentais e pessoas menos escolarizadas.
Entre os mais pobres, a saúde piorou para 21% das pessoas e aumentaram as dificuldades de acesso a cuidados médicos. Estes são apenas alguns dos dados de uma série de parâmetros analisados sobre o impacto da pandemia e o consequente aumento do custo de vida, que confirmam a subida do fosso de desigualdades, de acordo com Susana Peralta, investigadora do grupo de três responsáveis pelo estudo.
"Há uma maior percentagem de pessoas cujo rendimento diminuiu ao longo de 2020, entre os pobres, do que a média da população. Vemos que há uma prevalência de pessoas que perdem rendimento, devido à diminuição do tempo de trabalho, diminuição do vencimento e maior prevalência entre pobre também das pessoas que ficam em situação de desemprego, ou porque perdem o emprego, ou porque houve falência da própria empresa, aqui, mais uma vez maior prevalência na população pobre. Portanto, o relatório vem no fundo, pôr números em algo que nós tínhamos uma intuição, mas não tínhamos tão claro."
Crianças e idosos continuam a ser os mais vulneráveis. Trinta e seis por cento das pessoas com mais de 65 anos revelaram falta de capacidade para manter a casa aquecida, mais de 18% não têm capacidade de comprar comida e 5,4% admitiram que passaram fome.
Uma em cada 10 crianças pobres, entre os 5 e os 15 anos, não teve condições de assistir a aulas online e a investigadora adianta "há uma criança em cada 10 na população pobre, contrastando com uma em cada 20 da população em geral, que não tem acesso ao ensino em casa. Portanto, são de facto, sempre grupos mais vulneráveis, porque são grupos em que a sua presença nos agregados familiares tem uma probabilidade elevada de empurrar essas famílias para uma situação de pobreza".
Quanto à população ativa, a análise revela 40% de desempregados pobres e uma em cada 10 pessoas também é afetada pela pobreza.
Nem os apoios do Estado, como o layout simplificado, beneficiaram os mais carenciados e, aliás, Susana Peralta sublinha que "a probabilidade de ter recebido pelo menos um apoio do Estado no âmbito da pandemia é crescente com o rendimento, ou seja, quanto mais ricas as pessoas, mais provável ter recebido apoio do Estado."
Dezoito por cento dos agregados familiares sofreram uma diminuição de rendimento, mas, entre os pobres, essa quebra foi mais frequente e atingiu quase 23%.
Os mais necessitados também revelam piores condições de habitação e quase 19% vivem mesmo em alojamentos sobrelotados.
O aumento do custo de vida continua a penalizar mais quem tem menos recurso e a investigadora adianta que "quando olhamos para aquele indicador que é a capacidade de fazer face a uma despesa inesperada, as famílias mais pobres tem muito menos folga, ou seja, mesmo essa capacidade para acomodar a inflação está muito distribuída desigualmente na população".
O futuro é ainda uma incógnita, uma vez que este relatório usou microdados representativos do Inquérito para as Condições de Vida e Rendimento (ICOR) 2021, European Social Survey (ESS) 2020, Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe (SHARE) 2021, e, só dentro de ano e meio, os investigadores terão dados oficiais para analisar o ano de 2023.
Para já, a economia cresce, mas ainda não é possível concluir quem está a beneficiar desse crescimento, apesar dos sinais.
Susana Peralta conclui que "o que o relatório mostra é que, de facto, as taxas de esforço já eram muitíssimo superiores nas pessoas mais pobres e, portanto, à partida, essas serão as pessoas que vão ter mais dificuldade em fazer face a esta continuação do aumento do custo de vida, em especial na questão da habitação e também da alimentação".
Fica, assim, por apresentar, o retrato do impacto da continuação da subida das taxas de juro nos créditos à habitação, a escalada de preços das rendas e o aumento dos custos do cabaz alimentar, apesar dos sinais do quotidiano. Só em meados de 2024 haverá dados oficiais para traçar o retrato da realidade que se vive hoje no país.