Pedro Gomes, coordenador do projeto-piloto que está a estudar a semana de trabalho mais curta em Portugal, garante que vantagens são para trabalhadores e empresas. Lembra que é uma experiência, "não uma reforma laboral", e explica como funcionaria e o que se ganha.
O coordenador do projeto do projeto-piloto, que vai testar a semana de 4 dias de trabalho em Portugal já a partir de janeiro, entende que o contra-argumento da produtividade, a que muitos têm recorrido, é uma falsa questão. Quem o utiliza, diz o economista está a ignorar que existe uma "indústria do ócio" que, no caso português, por ser tão dependente do turismo, traria benefícios óbvios.
Licenciou-se em Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão e doutorou-se na mesma área na London School of Economics. Foi professor assistente na Universidade Carlos III, em Madrid, onde esteve sete anos, tendo também passado pelo Banco Central Europeu e pelo Banco de Inglaterra. Atualmente, Pedro Gomes dá aulas na Universidade de Londres, é autor do livro Sexta-feira é o novo Sábado, recentemente publicado em Portugal, e foi escolhido pelo governo para coordenar o projeto-piloto que pretende testar a adoção da semana de quatro dias de trabalho nas empresas portuguesas.
Os detalhes do projeto da semana de quatro dias de trabalho são apresentados aos parceiros sociais dia 2. O que é que já nos pode contar?
Vou falar mais como académico, as minhas opiniões não são as do governo... As linhas gerais do projeto são estas: vamos testar a semana de quatro dias, sem corte de salário, com redução das horas semanais, de forma voluntária e, naturalmente, reversível. É uma experiência, portanto, o objetivo não é chegar ao maior número de pessoas porque não é uma política pública, não é uma reforma laboral. É uma experiência com poucas empresas, mas o objetivo é conseguir avaliar os efeitos de uma semana de quatro dias de trabalho. Perceber quais são os benefícios para os trabalhadores, a nível de bem-estar físico e mental e também do uso do tempo, e quais são os efeitos nas empresas a nível de produtividade e custos intermédios.
Relativamente à distribuição das horas semanais e aos salários, o que é que está definido?
Logo à partida, não há mesmo perda de salário e tem de haver redução de horas, mas não vamos dizer para quanto porque diferentes setores têm diferentes horários. A implementação deverá ser diferente nos diferentes setores.
Sem essa redução não era possível perceber o impacto?
Sim. A questão da não perda salarial serve para distinguir o que é a semana de quatro dias do que é o trabalho a tempo parcial. Com a redução das horas semanais, também quer dizer que não vamos falar da semana concentrada, ou seja, ter 40 horas na mesma mas feitas em quatro dias. As empresas que têm adotado este projeto têm variado muito no número de horas, depende de setor para setor. Há empresas que passam para as 32 e fazem oito horas por dia nos quatro dias, há empresas que aumentam meia hora por dia nos outros dias... Isto é uma prática de gestão e tem de ser aceite pelos trabalhadores, é negociado internamente, mas envolve sempre uma redução das horas semanais. E há muitos benefícios para as empresas, a maior parte deles vem de haver mais descanso para os trabalhadores.
E como é que isto poderia ser fiscalizado?
Nenhuma empresa vai dizer que quer participar no piloto e não seguir as regras, não faz sentido.
Mas não poderá haver a tentação de adiar por necessidade de tratar de algum projeto urgente, por exemplo?
Não acho que isso vá acontecer. Acho que as empresas que vão aderir vão perceber os benefícios e portanto vão implementar. Mas é importante salientar que a semana de quatro dias não é trabalhar da mesma forma, chegar a quinta-feira e depois ter o fim de semana mais cedo. Em primeiro lugar, há empresas que não adotam o fecho à sexta-feira, essa é uma daquelas decisões que têm de se tomar. Podem ser metade dos trabalhadores a não trabalhar segunda e a outra metade à sexta. Há empresas que funcionam muito em cooperação e em equipa e essas normalmente fecham à sexta-feira, mas a chave é a mudança de processos dentro da empresa que permitam libertar esse dia. Isso vai requerer um esforço da empresa, envolve um esforço muito significativo da parte da gestão com os trabalhadores para alterar os processos e os padrões de funcionamento da empresa. Isto tem um impacto real e é desse impacto, dessas medidas e mudanças que nascem os ganhos de produtividade que compensam. Esta ideia de acordo implícito entre os trabalhadores e a gestão é muito importante. Muitas vezes, as ineficiências que existem quem as conhece melhor são os trabalhadores.
Que vantagens e desvantagens existem, quer no lado dos trabalhadores quer no das empresas?
Dos trabalhadores, acho difícil não ver isto como uma medida que vai aumentar o bem-estar. Todos os projetos-piloto têm mostrado resultados inequívocos de que melhora tremendamente. A satisfação com a vida, com o próprio emprego, a redução do stress, acho que não há desvantagens a apontar do lado dos trabalhadores. Há que referir que as empresas não têm feito isto porque o Estado ditou, nem por sentimentalismo, é porque melhora o negócio. Fala-se na produtividade, mas uma empresa tem muitos custos intermédios. E é precisamente nessas áreas que há poupança, por exemplo, com a redução do absentismo. As pessoas faltam menos porque conseguem marcar o médico para o dia em que não trabalham, têm muito menos stress e burnout. Quando as empresas funcionam por turnos, uma falta significa contratar um trabalhador temporário que é pago a uma taxa horária muito superior. Isto acontece muito nos hospitais e lares de terceira idade, portanto, mesmo neste tipo de serviços em que é necessário um aumento de contratação, há benefícios. Quando falamos de benefícios, temos de pensar que é possível que tenhamos de gastar mais numa área para poupar noutra. É preciso pensar na empresa como um todo e nas sinergias entre os vários departamentos. Isso é muito difícil numa empresa grande, pensa-se muito em silos, mas aumentar os custos num departamento pode trazer bem aos outros. É difícil quantificar à partida e é por isso que há este ceticismo, a tendência é pensar que são precisos mais trabalhadores e que isso acarreta custos. Mas quando começamos a contabilizar os benefícios, vemos muitos nessa redução de custos intermédios. Quando falarmos para as empresas durante o projeto vamos pedir precisamente este exercício.
Os trabalhadores mudaram, as empresas mudaram, os tempos mudaram, mas parece o mercado de trabalho não se adaptou?
Passaram 50 anos desde a semana de cinco dias e já houve mudanças tecnológicas e demográficas, mas continuámos a trabalhar da mesma forma e não nos apercebemos das mudanças. A pandemia foi o gatilho para tudo isto. Os sintomas de burnout e de stress já existiam, mas a pandemia tirou-nos da panela a ferver e agora que estamos a ser postos de novo na água a ferver, a regressar à normalidade, vemos que não queremos isto. Daí toda esta questão da desistência silenciosa ou da grande demissão.
Como vê esses fenómenos?
A grande demissão começou nas redes sociais e acho que ainda não há muitos dados estatísticos sobre isto, mas revelam todos o mesmo que é não estarmos a conseguir encontrar este novo normal. Eu tenho a solução da semana de quatro dias, pode até haver outras.
Desde que assumiu a coordenação do projeto, que contactos tem mantido com parceiros sociais e com os partidos?
Vivo em Inglaterra, por isso tenho pouco contacto com os meios de Lisboa e contactos políticos oficiais não tive. Vamos deixá-los para depois da apresentação aos parceiros sociais por uma questão institucional. Mas acho que não devíamos colocar isto numa perspetiva partidária. Sei que isto é muito difícil em Portugal não ir pegar na ideologia direita-esquerda, mas eu apresento os argumentos de forma construtiva e acho que são bons argumentos; e ponho sempre isto num plano acima da ideologia. Estamos à procura de uma melhor forma de organizar a economia e durante o piloto vamos procurar a avaliação. A parte central e o desenho, é tudo feito para conseguir avaliar bem qual é o impacto. Depois teremos as informações que procuramos e esses números são muito importantes se se pretender continuar com a discussão.
Da parte do governo, quando foi contactado para coordenar este projeto, foi-lhe transmitida alguma baliza?
Tenho de dizer que isto foi uma surpresa, acho até que exigiu coragem porque implica ir buscar uma pessoa fora do sistema. Mas há um interesse genuíno e deram-me toda a autonomia para decidir.
A ministra do Trabalho já tinha referido que havia imensas empresas a querer implementar pilotos deste género. Confirma-o?
Já tive contactos ao telefone de diretores que queriam saber mais detalhes, já vi manifestações de interesse de empresas, mesmo sem saberem os detalhes do projeto. Mas a ideia é abrir isto às empresas e durante um período de tempo comunicar o que vamos fazer e quais são os potenciais benefícios.
Acredita que depois de algumas já terem dado esse passo às escuras, outras poderão aderir?
Sim, acho que sim. Isto é um projeto experimental, não há uma guia de como se faz, mas a ideia é aprendermos com os exemplos das empresas e com as suas histórias de adaptação ao modelo. Temos de apoiar as empresas nesta transição, mas não lhe vamos dizer o que devem fazer, vamos simplesmente guiá-las e dar-lhes apoio técnico. No final, terão de ser as empresas a implementar e é daí que vem a criação de valor. Há sempre aquela ideia de que as empresas adotam todo o tipo de práticas inovadoras, mas vemos, por exemplo, a questão do teletrabalho que era algo que já existia e sobre o qual já havia estudos que demonstravam o aumento da produtividade. No entanto, ninguém queria experimentar. Porque também existe uma certa inércia e aversão ao risco. Digo que o maior risco para as empresas não é experimentarem a semana de quatro dias mas que um seu concorrente a experimente.
Há algum setor onde veja isso acontecer mais depressa?
Acho que é fácil de implementar em todos os setores, o que é difícil é implementar quando o resto da economia está organizada em cinco dias. Há setores em que vai ser mais fácil e outros mais difícil, mas também é isso que vamos medir. Há setores onde pode parecer mais difícil, como por exemplo a restauração, mas há exemplos mesmo aqui ao lado, em Espanha. Por exemplo, uma cadeia de restaurantes em Madrid implementou a semana de quatro dias. A empresária dona não contratou mais ninguém, simplesmente alterou os processos de forma a otimizar a gestão. Em vez de os pedidos serem feitos a um empregado, eram por aplicação, mudou o menu para ser mais rápido e otimizar os processos. Isto mostra-nos exatamente o que é preciso: mudar processos. Será possível, ao longo dos anos em que o projeto vai durar, tanto abandonar a experiência como entrar a meio ou isso não está sequer em cima da mesa? Em princípio não porque, como disse, o objetivo é avaliar este modelo e essa avaliação requer um determinado tipo de organização. Mas um entra e sai em termos de avaliação não é o que está previsto.
O contexto atual de crise será um travão para adiar o debate de novos modelos de trabalho?
Nunca vai haver uma altura ideal, há sempre algum problema, seja pelo desemprego, pelos problemas de recrutamento, pela inflação ou pela guerra. Não gosto muito de falar na conjuntura porque a conjuntura muda constantemente. Mas acho que há muitas dimensões em que a semana de quatro dias de trabalho vai melhorar as empresas e é precisamente isso que vamos estudar.
Já falámos sobre como este modelo poderá influenciar positivamente a produtividade, mas num país que tem problemas estruturais de produtividade como Portugal, seria de facto um boost à produtividade?
Importa dizer que produtividade é um termo demasiado genérico e, portanto, temos a produtividade do trabalhador e a produtividade por hora. O que é importante é a produtividade por hora e Portugal tem cronicamente grandes problemas neste aspeto. Com a semana de quatro dias, esta produtividade vai aumentar, depois poderá ou não ser suficiente para compensar a redução de horas. Mas nesta estatística em que Portugal está cronicamente em baixo, aumentará a produtividade por hora. Do ponto de vista económico, um dos erros que se comete é pensar que a produção de cinco dias é cinco vezes a produção de um dia, mas não é. Isto porque no final os trabalhadores já estão mais cansados ou porque vão priorizar as tarefas mais importantes quando têm menos tempo. O segundo erro que os economistas cometem é pensar que o tempo de lazer é tempo morto para a economia. Muitos dos benefícios económicos mais amplos estão precisamente nos tempos de lazer. É nos tempos de lazer que saímos para ir a restaurantes, a hotéis, a teatros e cinemas, tudo o que é indústria da cultura e do entretenimento terá um boost enorme se as pessoas tiverem mais tempo. É no tempo livre que as pessoas também se podem reconverter, podem criar os seus próprios negócios quando sentem que já estão num trabalho em declínio ou podem aprimorar as suas capacidades indo estudar nos tempos livres. Isto são tudo benefícios que também queremos estudar, ainda que de forma indireta, porque também queremos saber o que as pessoas pretendem fazer com o seu tempo livre. E isto interage com o argumento da produtividade da seguinte forma: qual é a produtividade de um hotel vazio? Se não tem clientes, não criou valor, não foi produtivo. Num restaurante cheio qual é o nível de produtividade? É menor, porque tem mais pessoas. A produtividade é um pouco abstrata porque acaba por depender de vários fatores. Quanto às pessoas, quando olhamos para os inquéritos, aquilo que indicam sempre é a falta de tempo. É falta de tempo para ler, para sair, para o ativismo cívico e político, e isto são tudo benefícios económicos indiretos, além da própria questão da produtividade.
Portugal lida também com um enorme problema demográfico e os decisores têm abordado esta questão sobre variados ângulos, entre eles a conciliação entre a vida profissional e familiar. O modelo que o Pedro e outros economistas sugerem, pode ser uma das chaves para resolver esse problema?
Acho que sim. Mas há 50 anos, a maior parte das mulheres trabalhava em casa, não no mercado de trabalho e o homem trabalhava muitas horas, mas tinha tudo tratado em casa pela mulher, portanto o tempo em casa era tempo para a família. Agora, sobretudo pela mudança de papel da mulher na sociedade, estando mulheres e homens a trabalhar 40 horas por semana, com as mesmas ambições e com trabalhos muito mais intensivos do que eram antes, quando chegam a casa ainda têm de fazer tudo o que ficou por fazer. Ou seja, quando chegam, não há tempo de família nem tempo de lazer, isto são mudanças estruturais que ocorreram na sociedade e que foram passando ao lado sem nos adaptarmos. Há quem diga que a família está em perigo, mas o que coloca mais em perigo as famílias são questões como o casamento homossexual ou a adoção, ou é a falta de tempo? É a falta de tempo que, consequentemente, cria despiques, cria discussões, gera divórcios. Acho que a semana de quatro dias é uma medida concreta que vai beneficiar muitas áreas e daí defender esta ideia.
Já aqui falámos de medir os benefícios deste projeto através dos impactos nas empresas participantes. A natalidade vai ou não ser um dos critérios de avaliação de sucesso deste projeto?
Eu gostava, mas é difícil e depende do horizonte em que podemos seguir as pessoas. Em princípio, sendo organizado pelo Estado, permite que haja um seguimento mais amplo das pessoas, estando todos os dados anonimizados, naturalmente. Mas o efeito seria sempre a nove meses, portanto, só conseguiríamos medir isso concretamente passados dois anos. A ideia do estudo é desenhá-lo de uma forma em que depois possamos seguir as empresas e os trabalhadores mais a longo-prazo. Isso vai partir da forma como organizamos as bases de dados e a parte técnica, mas lá está, a demografia é um impacto que só passados dois anos conseguiríamos analisar.