Presidente do Novo Banco admite "pequenas desconformidades", assegura que não vendeu ao desbarato e dará ao governo os dados sobre os beneficiários últimos. António Ramalho não coloca de parte nova injeção de 900 milhões.
O Novo Banco existe há seis anos e há seis anos que está envolto em polémica. A auditoria da Deloitte é o último capítulo de uma história que começou em 2014, quando o Banco de Portugal partiu o Banco Espírito Santo em dois: o "banco mau", onde ficaram os ativos mais tóxicos, e o "banco bom", rebatizado para o nome pelo qual o país o conhece desde então: Novo Banco.
A análise da consultora ao período 2000-2018 remete a responsabilidade pelos prejuízos atuais quase por completo para o passado, mas não iliba por completo a administração atual.
As injeções do Fundo de Resolução com recurso a dinheiro públicos já atingem cerca de 3 mil milhões de euros e encaminham-se para o limite de 3900 milhões.
Nestes seis de existência, o Novo Banco já teve três presidentes executivos. O atual, António Ramalho, lidera a instituição há quatro e já passou pelo BCP, Santander e pelo setor dos transportes e infraestruturas.
Nesta entrevista que marca o regresso do programa "A Vida do Dinheiro", Ramalho garante que não vendeu ativos ao desbarato, assegura que no projeto Viriato a divergência interna sobre a consultora que iria apoiar o banco na operação "não tinha de ser comunicada ao Fundo de Resolução", e afirma que sabe quem são os últimos beneficiários da operação, cujas identidades não publica por obrigações de sigilo. Assegura, no entanto, que vai dar toda a informação ao ministro das Finanças.
A auditoria da Deloitte atribui ao BES as principais responsabilidades pelos problemas do Novo Banco, mas também identifica falhas no seu mandato, incluindo em operações de crédito com informação inexistente ou insuficiente sobre as garantias de alguns empréstimos. Admite falhas do Novo Banco na concessão de crédito?
Esta auditoria é particularmente importante porque o seu objeto foi definido pelo Parlamento - a decisão do auditor é por proposta do Banco de Portugal e a decisão final por parte do Ministro das Finanças. Nós somos apenas o auditado. Também é fundamental porque era o último auditor que nos faltava auditar. No meu mandato já fomos auditados pela Price [PWC], já fui auditado pela Ernst & Young, pela qual sou auditado hoje, a E&Y, e finalmente tenho a auditora Deloitte. A KPMG por razões perfeitamente compreensíveis, que é o facto de ter auditado o BES, não faz parte das opções. E, portanto, de alguma maneira, esta auditoria tem esta configuração e antes de mais, configura um resultado muito claro. E o resultado muito claro é o de um conjunto de reestruturações progressivas feitas para deferir prejuízos, e, para de alguma maneira, reestruturando sucessivamente, levar a que esses prejuízos não se verificassem no período até 2014.
Acabou por criar prejuízos a partir de 2014, e acabou por ser a razão básica pela qual estes prejuízos foram agora reconhecidos e tiveram necessidade de apoio do Fundo de Resolução, após a venda realizada em 2017. E isso é particularmente importante porque não é preciso ler as 371 páginas da auditoria, nem é preciso ler a parte confidencial, à qual só os deputados têm acesso. Basta ler uma ou duas páginas do sumário executivo para se perceber exatamente o que se passou e, desta maneira, ficar com uma ideia. A auditoria tem findings [conclusões] fundamentais, a maior parte deles, naturalmente verificam-se até 2014, mas, alguns, até interessantes, podem ser discutidos agora. Mas, sobretudo, estes findings são verificações de pequenas desconformidades, nomeadamente desconformidades acessórias e operacionais também se verificam, naturalmente, como era de esperar, em todos os mandatos. No mandato até 2014, no mandato dos meus antecessores - os dois outros presidentes que a instituição já teve - e também no meu mandato.
Admite falhas, no seu mandato, na concessão de crédito?
Não, não, não. O que se verifica, basicamente é que nós temos 140 findings, para ter uma ideia, e esses 140 findings representam 4% da totalidade, com este caráter acessório. E todos eles têm justificações várias. Desses 140 há dois blocos que eu gostaria de referir, que são importantes, para que as pessoas possam perceber. O finding que abarca 36 casos diz respeito a alguma desconformidade das nossas regras internas de acompanhamento de clientes em situação difícil. Como nós podemos imaginar esta auditoria é sobre a morgue dos clientes. Isto é, os clientes mais problemáticos, mais complexos, porque são aqueles que criam perdas. E, portanto, de alguma maneira, há regras que nós temos e que fixámos nós próprios, para o seguimento destes clientes, que obrigam a que estes clientes sejam seguidos de seis em seis meses. Naturalmente eles são seguidos por dois organismos, que no fundo, acabam por ser estruturas de acompanhamento.
O que se verifica é que, em 36 casos, não há evidência que estes gabinetes tenham seguido estes casos. Porquê? Porque são casos que são seguidos pelo Comité de Imparidades, são seguidos pelo Conselho de Administração, e, portanto, sendo seguidos por outros órgãos, nós acabamos por não os seguir pelo órgão que regulamentarmente deveria segui-los. É um assunto que iremos, com certeza, resolver com uma mudança de regulamento. Também há 35 casos onde é referido que se concede crédito em casos de baixo rating. Existe uma norma no nosso regulamento interno de concessão de crédito que desaconselha a concessão desse crédito. Porque é que se concedeu crédito? Não se concedeu crédito, apenas se continuaram reestruturações de crédito. E essas reestruturações de crédito, que se continuaram, tiveram que ser feitas, naturalmente, para tentar preservar essas empresas, para tentar assegurar que essas empresas tinham mais capacidade de recuperação.
Só há um destes 36 casos que tem dinheiro fresco. São 7,1 milhões, que foram concedidos adicionalmente a um devedor que tinha uma responsabilidade grande, exatamente para assegurar que ele tinha mais capacidade de recuperação. E essa recuperação até se veio a verificar. Portanto, até é um caso bem-sucedido. Ainda assim, há uma desconformidade com o regulamento, porque o regulamento interno não deveria permitir este tipo de situações. Isso significa, basicamente, que temos muitos casos com estas características, que a própria Deloitte classifica como acessórias, mas que não invalida que devemos analisá-los convenientemente. Numa auditoria desta profundidade seria estranho que não verificassem algumas insuficiências da parte da gestão atual.
Mas está então disponível para rever esses processos que foram identificados na auditoria...
Já os estamos a identificar. Enfim, já lhe estou, de alguma maneira, a dar exemplos de identificações muito precisas, mas já temos um grupo a trabalhar acerrimamente nisso, que irá mudar ou regulamentos ou processos, no sentido de assegurar um processo de melhoria continua.
A Deloitte diz, por exemplo, que só de outubro de 2017 até ao final de 2018 dois terços das concessões ou alterações de crédito foram feitas sem avaliação das garantias desses empréstimos. O Novo Banco concede créditos, sobretudo de grande valor, sem avaliar corretamente os colaterais?
Estamos a falar de sete casos. Não são colaterais imobiliários, porque esses são sempre avaliados. São outros colaterais. E eu poderia dar alguns exemplos. Quase todos dizem respeito a uma única operação, que teve um processo de reestruturação complexo, que acabou pela venda dessa operação, em sindicato com outros cinco seis bancos. Uma estrutura empresarial estrangeira alemã.
E isso levou-nos a ter que reavaliar um pouco que todos os colaterais que vinham e que cresciam eram bons independentemente de toda a nossa avaliação.
Que tipo de colaterais estamos a falar?
Neste caso específico estamos a falar de colaterais que eram ações própria da própria companhia. Mas, poderia dar-lhe casos até mais caricatos. Há o caso, por exemplo, de reforçar garantias com o colateral do passe de um jogador de futebol.
Qual era a cor do equipamento desse jogador?
Não lhe vou dizer porque toda a gente sabe que o nosso grande esforço tem sido reduzir a nossa exposição ao futebol. Faz parte das nossas políticas de crédito. Eu herdei um banco com mais de 400 milhões de dívida nessa área de atividade - que nós não consideramos uma área core. Hoje em dia temos um valor menor do que 100 milhões, e, portanto, estamos muito satisfeitos com a redução - já reduzimos mais de 75%. Estamos a falar de colaterais em processo de reestruturação. Não há mais clientes nestas circunstâncias detetado pela Deloitte, no âmbito da auditoria. E todos os clientes, 100% dos clientes são clientes anteriores a 2014.
A auditoria também detetou falhas na análise de risco em créditos a construtoras, e que levaram a perdas de 271 milhões de euros no final de 2018. E aponta também o dedo, já agora, a outras operações que geraram perdas, incluindo a venda de imóveis a desconto, sem que o banco explicasse os motivos para o preço dessa venda. como é que explica estas decisões?
O setor da construção foi responsável pelos 271 milhões. Quase todos esses valores da construção dizem respeito a operações prévias a 2014. Porque 95% das perdas são anteriores, são de créditos concedidos antes de 2014, e, portanto, em processo de reestruturação. Mas, também deve ser feita justiça à tipologia de créditos. Isto é, nós temos créditos e financiamentos com colateral de ações cotadas que tiveram 408 milhões de prejuízo e, todos eles, são anteriores a 2014.
A verdade é que o antecessor do Novo Banco tinha uma enorme exposição a grande empresas de construção civil. E essas estavam em crise desde 2008. A verdade é que houve inúmeras reestruturações destes créditos. Tivemos casos de muito sucesso. Os três maiores clientes do banco que herdámos eram uma de concessões e duas de construção civil. E a verdade é que todas elas têm conseguido resistir eficazmente a este processo de reestruturação. Duas delas com muito sucesso e outra delas esperemos com sucesso
Mesmo com esta herança o que está a dizer é que o Novo Banco vai continuar a apoiar as grandes construtoras portuguesas daqui para a frente? Faz parte da vossa estratégia? Ou de todo?
O Novo Banco é um banco de empresas e de profissionais. E, portanto, sendo um banco de empresas e de profissionais vai manter exatamente aquilo que foi o seu foco. Eu julgo que foi isso que justificou que o Novo Banco seja um caso único em termos internacionais. Um banco onde ao longo de mais de três anos, até ser vendido, até ser passado para banco de transformação como somos hoje, fê-lo sempre a apoiar as empresas. Que o tenha feito sempre sem nunca esquecer o seu papel na economia portuguesa. Toda a gente fala nestas polémicas - a que eu tenho chamado de falsas polémicas -, e toda a gente não reparou que, de todos os grandes bancos portugueses, nós tivemos o maior crescimento da carteira de crédito no primeiro semestre deste ano. Isso agrada-me mais do que me agrada discutir os problemas - que eu sou obrigado a esclarecer, naturalmente é a minha função. Depois da auditoria sair disse mesmo que tinha acabado o tempo do silêncio para passar ao tempo do esclarecimento. Mas não queria deixar de recordar que o Novo Banco foi um banco que o sistema quis preservar porque era um banco de empresas, que tinha um know-how próprio e esse know-how é aquilo que eu - e mais 4.500 trabalhadores que trabalham comigo, que são fundamentais para toda esta história - estamos a fazer no dia-a-dia.
E, por isso, vamos continuar a apoiar todos os setores da economia. Havia uma construtora na qual que tinha uma exposição superior a 1.8 mil milhões de euros. Foi necessário reduzir essa exposição. E essa construtora é hoje uma construtora de sucesso e tem, neste momento, uma exposição muito inferior ao banco, porque o banco não pode ter exposições superiores a 700 milhões. Portanto imagine o que foi a desalavancagem que estes construtores fizeram.
Insisto na pergunta anterior. A auditoria aponta o dedo à venda de imóveis sem desconto sem que o banco explicasse os motivos para o preço da venda. Como é que se explica este apontar de dedo a esta situação?
O que a auditoria diz é que há dois ativos que continuam na posse do banco, nos quais foram feitas reavaliações específicas, com descidas significativas - uma de 40 outras de 50 milhões - e que o banco não tem um sistema de back testing, que no fundo significa que o banco não tinha um modelo pelo qual favorecia a reavaliação do modelo dos próprios avaliadores. Nós já o introduzimos, hoje em dia temos um controlo maior sobre os nossos avaliadores - porque todas estas avaliações são feitas por dois peritos independentes - e, portanto, mesmo a desvalorização foi feita por dois peritos independentes. O que a auditoria diz é que nós deveríamos ter tentado explicar melhor esta situação. Para lhe dizer bem a verdade as duas têm uma explicação muito clara. Uma delas tinha um valor de esperança, que tinha a ver com urbanizações que, de facto, não são autorizadas pelas respetiva Câmara Municipal - que a considera um terreno rústico, ainda que um terreno rústico de elevada qualidade.
A outra é um terreno muitíssimo conhecido, que de facto nós pusemos à venda, e a verdade é que, durante dois anos, só tivemos propostas de valor muito inferior e os avaliadores independentes, percebendo que as propostas vinham em valor inferior, acabou por, ele próprio, reavaliar com esse desconto significativo. Portanto, a avaliação de imóveis é sempre uma avaliação complexa. Nós próprios, lá em casa, sabemos o que é uma avaliação de imóveis. Temos a noção de quanto vale a nossa casa. mas quando a pomos à venda o valor do imóvel é o valor que encontramos comprador e vendedor.
Porque é que o Novo Banco demorou dois anos a informar o Fundo de Resolução sobre o negócio de imóveis no valor de 645 milhões de euros, que tinha sido chumbado pela direção responsável pelo cumprimento das boas práticas?
Trata-se do projeto Viriato. E o que acontece basicamente é que todos os projetos de venda, que já foram avaliados por todas as entidades, têm sempre todos os mesmo mecanismo: a escolha de um advisor [consultor] adequado, lançamento do concurso e da procura, de interesse significativo - normalmente são 40/50 investidores que são contatados - a assinatura de ofertas não vinculativas, e depois o concurso internacional baseado em dois ou três operadores específicos, que são selecionados pelo preço. E acabamos por vender ao preço de mercado, que é o melhor preço possível. O que acontece especificamente com o processo Viriato é que houve uma divergência entre dois órgãos do banco na escolha do advisor. Não tem nada a ver com a operação. E houve uma divergência porque, enquanto o órgão de Compliance [boas práticas] considerava que nós não devíamos escolher este advisor porque tinha como CEO em Portugal uma pessoa ligada ao ex-BES, a nossa área de imóveis considerava que era absolutamente fundamental tê-lo porque tinha uma qualidade sem paralelo para fazer operações na Península Ibérica e com sucesso. É um advisor que fez 57 operações nos últimos dois anos - portanto com uma experiência enorme - e inclusivamente é o advisor preferido do Fundo de Resolução.
Como é que isso explica essa demora de dois anos?
O que acontece, basicamente, é que esta divergência de órgãos internos do banco, que nós transmitimos nas nossas atas, porque nós somos totalmente transparentes, na nossa opinião não precisava de ser comunicada a ninguém. E, portanto, a nossa opinião é que as divergências que existem dentro dos órgãos dos bancos são resolvidas pelo próprio banco. E o banco assim o fez.
E, portanto, o banco tomou uma decisão, que foi mitigar o risco, obrigando a que esta empresa, que é a Alantra, seja a Alantra Espanha e não a Alantra Portugal, proibindo que a Alantra Portugal tivesse qualquer intervenção, para evitar este risco reputacional.
E se fosse hoje não informaria na mesma o Fundo de Resolução?
Nós não temos que avisar o Fundo de Resolução. Para mim é claro e direi as vezes que for necessário. Que eu gosto de ter o Fundo de Resolução a trabalhar constantemente comigo, como normalmente acontece, gosto. Portanto, objetivamente, se o Fundo de Resolução gosta de saber as divergências que existem nos meus departamentos, naturalmente que eu terei todo o gosto de lhe focar este assunto para o futuro. Ainda assim, nós só avisámos o Fundo de Resolução porque houve uma denúncia anónima. Uma carta anónima, a certa altura, para o Fundo de Resolução. O Fundo de Resolução comunicou-nos e nós comunicámos, entretanto, que havia esta divergência. Mas isto não tem qualquer influência na operação. E a prova que não tem influência na operação é que o Fundo de Resolução aprovou a operação. O segundo aspeto, é que acho inaceitável - e disse-o à direção de compliance - que pelo facto de alguém que nem sequer tinha sido acusado seja prejudicado na sua função profissional por razões meramente reputacionais porque a instituição não quer suportar o custo reputacional de estar a contratar esta situação. Como pode imaginar a minha preocupação é vender os imóveis o melhor possível. Se é a Alantra que vende os imóveis o melhor possível é a Alantra que eu quero para meu consultor.
No relatório ficou-se também a saber que o Novo Banco afinal identificou, mas, não divulgou os beneficiários últimos da compra de alguns ativos. Porque é que não divulgou? E a pergunta que surge é: será a Lone Star esse último beneficiário?
A Lone Star já veio dizer que não compra rigorosamente ativos nenhuns do Novo Banco porque está proibido por contrato. A segunda questão é que a avaliação das partes relacionadas é feita com base, antes de mais, na determinação do último beneficiário. E o último beneficiário tem regras. O último beneficiário é quem manda. E portanto, o que acontece basicamente é que, no caso de fundos coletivos, de instrumentos coletivos, de fundos de investimento, quem manda é o gestor que manda nesses fundos. E, por isso, quando nós avaliamos, avaliamos exatamente o gestor que manda nesses fundos.
E fazemo-lo porque são assim as normas internacionais. O que acontece basicamente é que há uma exceção. Se existe um credor, se existe um depositante desse fundo que tem mais que 25% de participação então pode-se pôr dúvidas se quem manda é de facto o gestor, se não é aquele credor que tem tanta importância. E, por isso, nós temos um controlo absoluto disto. eu sei perfeitamente quem é que gere a Anchorage [fundo comprador dos imóveis do projeto Viriato]. Olhe, tem nome de banqueiro, é casado com uma senhora que parece que tem nome português mas não é - tem origem colombiana. Sei exatamente a especialidade que ela tem, como designer de interiores, sei perfeitamente que ele desde 2003 se dedica a esta atividade. Há todo um conjunto que a minha direção de compliance faz com profundidade na avaliação que nos permite conhecer o beneficiário último. Nós não dizemos quem é o beneficiário último se não aos próprios órgãos que devem conhecê-lo. O Fundo de Resolução conhece perfeitamente quem é o beneficiário último.
Ainda esta semana o Ministro das Finanças disse, numa entrevista, que não está completamente convencido...
Mas nós vamos dar toda a informação ao ministro das Finanças para que o ministro das Finanças fique completamente confortável em relação a esse assunto. A Lone Star é uma instituição que está proibida de fazer estes negócios com o banco. Isso não acontece com nenhuma outra instituição. Quer dizer, qualquer outro acionista, dentro dos limites da lei, e dentro dos limites das partes relacionadas, pode fazer negócios com outras instituições. Todos os dias na CMVM aparecem negócios feitos entre acionistas e as instituições de que são acionistas.
A Lone Star não pode fazê-lo, ficou determinado em contrato e não o faz. E, simultaneamente, nós fizemos todos os exercícios que era obrigatório fazer, do ponto de vista da lei, e a verdade é que isto ficou clarificado. Agora, se alguém lança uma suspeita, uma suspeita eterna, em que não aceita, nem o veredicto da lei, nem a declaração das partes, nomeadamente da Lone Star, pois eu não posso deixar de dizer que se alguém quiser manter essa dúvida para a eternidade, morrerá com ela.
A Deloitte Espanha foi assessora do Novo Banco na venda da GNB Vida. Isto não coloca problemas de credibilidade a esta auditoria, feita pela Deloitte?
Esta auditoria é feita com um objeto, que está definido por lei, que é decidido pelo Banco de Portugal, e que é decidido por parte do ministério das Finanças. O Novo Banco é o auditado. O Novo Banco não comenta a credibilidade do auditor. Respeita a credibilidade do auditor. Este banco é o banco mais escrutinado da praça portuguesa. É escrutinado como todos os bancos. Mas, para além disso, tem regras específicas. Porque tem o Fundo de Resolução, tem também um agente de verificação, tem também uma comissão de acompanhamento, e em conjunto de operações, que são operações que estão protegidas e que criam ou não criam prejuízos, que são imputáveis ao Fundo de Resolução. As decisões são trabalhadas conjuntamente, não são tomadas pelo banco. O banco gere em nome do Fundo de Resolução esses ativos. E isso já obriga a um agente de verificação autónomo, que todos os anos também faz essa verificação. Nós até fazemos semestralmente essa verificação para que não fique dúvidas. Mas ainda não era suficiente. Foi necessário uma auditoria adicional, definida pelo Parlamento. Pois que viesse a auditoria especial, que finalmente deu as conclusões que são muito aceitáveis para a gestão do banco. Não é suficiente e ainda se põe em dúvida se é necessário o Ministério Público avaliar se as vendas são corretas ou são incorretas? O Ministério Público fez a sua avaliação. E não veio dizer apenas que não havia provas. Veio dizer que não havia indícios. No dia 15 estarei no Parlamento a responder aos deputados, como sempre respondo, porque sou talvez, digamos assim, o gestor que mais iniciativa tomou de ir ao Parlamento tentar explicar o enquadramento de uma operação que é inegavelmente difícil de explicar. Portanto, é um nível de escrutínio que não é só do presidente. É de 4.500 colaboradores. Colaboradores que todos os dias também são escrutinados na forma adequada com que prestam o seu serviço bancário. E eu gostava de dizer que isso nos dá uma força enorme.
Como é que comenta o pedido do Bloco de Esquerda para a nulidade da auditoria? Supreende-o?
Eu julgo que, de alguma maneira, quando nós criamos uma história e a história não tem adesão aquilo que acontece... A auditoria tornou-se um fator político.
Sente-se um joguete político?
Não lhe vou dizer que sou joguete do ponto de vista político. Acho que o banco, de alguma maneira, é feito de muitas opiniões que existem sobre ele. Existem muitas opiniões sobre a resolução, existem muitas opiniões sobre a venda, existem muitas opiniões sobre a gestão dos ativos problemáticos que o banco tem que gerir e da forma como tudo isto é feito.
Deixe-me dizer que eu sempre tive como lema uma frase que o meu sogro tinha à porta do seu escritório: "aqui aceitam-se sugestões de quem fez melhor, não se aceitam sugestões de quem acha que sabe mais".
O relatório foi publicado numa versão truncada. Porquê?
Porque há questões de sigilo bancário que têm de ser protegidas. Quer do ponto de vista operacional quer do ponto de vista da recuperação de créditos. Isto é, se todos os credores tivessem acesso à informação e soubessem o nível de imparidades que eu tinha, naturalmente a minha capacidade negocial diminuiria fortemente. De todas as maneiras nós contribuímos para isso, conjuntamente com o Ministério das Finanças e conjuntamente com o Banco de Portugal e, portanto, foi a versão pública que mais rapidamente se pode colocar. Eu recordo que nós ainda a colocámos na sexta-feira à disposição do senhor presidente da Assembleia da República - e deixe-me dizer que tive o cuidado de lhe enviar também uma versão não truncada, para que toda a gente pudesse ver as partes que nós tínhamos retirado para esse efeito.
A PGR diz que as vendas foram afinal aprovadas sem oposição do Fundo de Resolução. Não lhe parece estranho que agora haja esta declaração da PGR? A dizer que as vendas efetuadas foram aprovadas sem a oposição de um fundo que, por sua vez foi informado dois anos mais tarde?
A aprovação da operação é a aprovação da transação. Não houve discussão nenhuma sobre a qualidade da venda. A qualidade da venda foi aprovada pelo Fundo de Resolução, que só perdeu 18 milhões na venda do Viriato. Também consta da auditoria. Parece que ninguém quer ver, digamos assim, os números concretos da auditoria. Isto é, a verdade é que só teve 18 milhões de prejuízo. Porquê? Porque o desconto sobre os ativos do Fundo de Resolução foi de 11%. Toda a gente diz "foi vendida com um grande desconto". Não! Foi vendido ao preço de mercado. E, como o preço de mercado dos ativos do Fundo de Resolução eram ativos mais recentes... nós fazemos estas vendas porque somos obrigados a fazer estas vendas. A lei bancária não nos permite deter mais de dois anos os imóveis que não são afetos à exploração. Portanto temos que os vender.
Quem vende à pressa é obrigado a vender mal?
Eu tinha 5,1% do ativo em imóveis. A Caixa Geral de Depósitos, que é um banco muito mais especializado em imóveis que eu, tinha 2,3%. Eu tinha 5,1% e tinha uma idade média de sete anos. Para eu manter isto em carteira eu tinha de pedir autorizações ao Banco Central Europeu. Sabe o que é que me aconteceu? Nos primeiros cinco meses que estive no banco pedi 5.000 autorizações de prorrogação. O Banco Central Europeu perguntou-me "o que é que se passa?". É por isso que nós já estávamos, no início de 2017, a preparar a primeira transação, que foi feita em 2018. Tudo imóveis granulares. Tudo imóveis abaixo de 450 mil euros. E tudo imóveis que não são de qualidade. E mais do que isso.
Os preços, que se diz hoje que não foram bons, foram suficientemente bons para que, quando nós notificámos todos as câmaras municipais para poderem exercer o direito de preferência - porque nós resolvemos notificá-las todas, isto é, não notificar apenas aqueles que tinham direito, mas todas. O que aconteceu, basicamente, é que só oito das 6.000 notificações é que exerceram direitos de preferência porque, com certeza, as casas não representavam rigorosamente nenhum valor muito especial para eles. Eu deixei o dossier na Assembleia da República exatamente para demonstrar a qualidade destas casas. Mas dou-lhe ainda um exemplo ainda mais significativo do que isso. nós também notificámos os arrendatários. E os arrendatários, como nós sabemos, quando o senhorio quer vender uma casa, os arrendatários normalmente compram. Porque o preço é baixo. Curiosamente só 27% dos arrendatários é que compraram. O que dá a ideia de que ou os preços não eram adequados ou as casas eram de muita fraca qualidade. Se calhar as duas coisas aconteceram.
Para que fique claro, de uma vez por todas. Há ativos que foram para o Novo Banco mas que deveriam ter ficado no banco mau? A resolução foi mal feita?
Os ingleses têm uma melhor maneira de fazer isto. Têm um «bad bank» e o outro é bank. Não é «good bank». Nós é que resolvemos fazer uma tradução eufemisticamente agradável. O que acontece é que ainda bem que estes ativos, mesmo que problemáticos, estão no banco dito bom. Mesmo os ativos tóxicos. Sabe porquê? Porque eu os recupero. Nem que recupere 10%, 15%, 20%. Queria que eu recuperasse isso para dar aos acionistas do BES? Queria que eu recuperasse isso para ser benefício, património do BES? Não. Ao menos é património do Novo Banco. E, portanto, a questão básica é que deve ser o Novo Banco a desenvolver essa função de recuperação. O que aconteceu é que, basicamente, as necessidades de capital criaram um mecanismo de capital constringente (CCA). E um mecanismo de capital constringente, que era um valor de 9.1 mil milhões, que o Fundo de Resolução tinha de gerir conjuntamente connosco, o Fundo de Resolução achou que o Novo Banco era o melhor para o gerir. Mas tinha a hipótese de ter escolhido outro banco para o gerir. Escolheu-nos a nós. E nós tentamos desenvolver a nossa atividade para melhorar, o mais que podemos, o valor destes ativos. E por isso é que nós nunca vendemos ativos, só do CCA ou ativos só nossos. Por exemplo, no projeto Nata [de venda de carteira de crédito problemáticos] eram muitos ativos do CCA e poucos nossos. No caso do Viriato é o contrário. Porquê? Porque assim toda a gente tem a certeza de que nós tratamos o que é nosso exatamente igual aquilo que está produzido pelo mecanismo de capital constringente.
Os apoios pedidos ao abrigo do capital constringente já atingem perto de 3 mil milhões de euros. E faltam cerca de 900 milhõe para atingir o total. Só para o ano vamos conhecer os resultados de 2020, mas a pergunta é: podemos dar como certo que os 3.900 milhões vão ser atingidos?
Não. Só para o ano é que se sabe os resultados. Só para o ano é que saberemos a necessidade de capital que decorre, digamos assim, dessa função e quais são as perdas que estão, entretanto, acumuladas.
Mas o Novo Banco tem as suas próprias especificidades e tal como o resto do país está a passar por uma pandemia nunca vista. Portanto, usando aqui de algum bom senso... chegaremos lá ou não?
É preocupação de toda a administração do banco o bem-estar da sociedade e também os objetivos que são subjacentes ao interesse público. É claro que eu tenho como objetivo ter um banco saudável. E, sobretudo, com o histórico que eu tenho, tenho um objetivo adicional de esse banco ser viável e saudável. Até porque a União Europeia assim o obriga, o BCE assim mo exige, e os meus auditores não me permitem ser de outra maneira. Mas, do ponto de vista real, o que eu pretendo é ter uma solução que seja o mais adequada possível ao financiamento à economia e um encontro de soluções. A questão básica é qual é a melhor maneira de o fazer. E deixe-me dizer de uma forma clara. Só há uma maneira de o fazer. É terminar este ano, esta longa história, que já vai longa demais. E, terminar este ano, é que o banco fique absolutamente limpo e capaz de responder às necessidades. Porque os problemas, e aliás, como muita gente tem dito, que não só eu, os problemas que vêm em 2021 precisam de uma resposta adequada do sistema financeiro. Eu herdei este banco com 33,4% de NPLs [Non-Performing Loans / crédito improdutivo ou malparado].
São 33,4% de ativos que não servem para nada. Ou que servem para pouco. Era o quinto pior banco da Europa, a seguir a quatro gregos. Era uma situação que diminuía a nossa imagem externa. As nossas taxas de juros estavam a 4% quando este processo de venda foi anunciado. E quando terminou as taxas de juro estavam a 1,9%. Porquê? Porque se criou um mecanismo total de capitalização da instituição, por um acionista privado, pelos obrigacionistas - que nós às vezes esquecemos, que foram sacrificados em 500 milhões - e, simultaneamente pelo mecanismo de capital constringente, a cargo de um outro acionista, que é o Fundo de Resolução, com 25%, que permitiram ao banco dar resposta a estas necessidades. E por isso, para lhe dizer muito bem, isso permitiu que as taxas de juro viessem para 1,9% - não há coincidências, as taxas de juro desceram nesse período. E isso foi uma grande vantagem para Portugal. Mas, simultaneamente, o banco tem de responder às exigências que a comunidade lhe colocou. E, de facto, nós tivemos esse apoio do Estado. E, como tivemos esse apoio do Estado, o Estado teve de assinar um acordo com a União Europeia que determinou que em 2020 o banco devia estar limpo e, em 2021 devia ser rentável. Para isso nós já temos uma grande vitória. Que é mais importante, se calhar, que outras coisas. Que é, já estamos abaixo dos 10% de NPLs. É a maior descida em toda a Europa. Éramos o quarto pior. Hoje em dia somos considerados o banco que mais conseguiu reduzir. Eu tenho dito sempre: custou tempo e dinheiro. Inevitável. Não era possível fazer num dia. Não era possível fazer sem custos de capital. Só que isso vai criar valor. Para os 25%. E, naturalmente, para os 75%, que estão subjacentes ao investimento. Mas também vai criar valor para a sociedade se, no próximo ano, contarem com o Novo Banco como o banco das empresas, que são fundamentais para o país.
Podemos por de parte o cenário do Novo Banco precisar de mais injeções de capital?
Não ponho de parte nenhum cenário. É mais útil, nesta altura em que temos capacidade, financiar o Novo Banco para que ele fique bom e, no próximo ano, contar com o financiamento e a resposta do Novo Banco à sociedade. Foi isto que assinámos com a Comissão Europeia.
É isso que nós vamos cumprir. E contem comigo para cumprir desta forma. E deixe-me dizer que isto é mais importante do que o que parece. Porque o que se discute muitas vezes aqui é a velha e a nova banca. É o empurra com a barriga. O esconde, que agora não dá jeito. Vamos adiar, porque talvez ajuste mais... Não. Há que assumir. Há que resolver. E há que, depois, dar a resposta necessária aos momentos de crise. E acho que é isso que esperam do Novo Banco. Esperam os clientes, esperam os meus colaboradores, e é isso que nós queremos dar ao mercado.
Em 2014 o Novo Banco tinha quase 8.000 funcionários, agora tem menos de 5.000. Precisa de reduzir mais o quadro ou ele está estabilizado?
Nós temos de ter um banco para o futuro, em que todos aqueles que trabalham no banco são aqueles que são necessários. Naturalmente quanto mais crescermos, quanto mais tivermos capacidade de crescer, até como tivemos nos últimos tempos, mais postos de trabalho nós geramos e mais capacidade temos de resposta.
Tenho uma nota nas exigências, por parte da União Europeia, assinadas com o governo português, que, se eu não cumprisse os objetivos de 2019, isso aconteceria. E muita gente considerou que os nossos objetivos eram impossíveis. Mas a verdade é que chegámos a 2019 e cumprimos os objetivos. É verdade que passámos 2020 com um pouco de indignação a verificar que ninguém apreciou, aparentemente, o cumprimento dos objetivos, e parece que as pessoas estão mais preocupadas a discutir falsas polémicas que permitem alguma emoção e algum colorido na nossa sociedade. Vamos ser claros. A sociedade passa um momento difícil. Claro que as pessoas não gostam de saber que esta capitalização foi feita às prestações. Eu também gostava que esta capitalização fosse feita como a da Caixa Geral de Depósitos foi feita, num só dia. Eu também gostava que esta capitalização tivesse sido feita como no Banif, que simplesmente tirou os ativos problemáticos todos do próprio Banif. Os meus ativos problemáticos estavam definidos. Podia não estar cá. E, nessa altura, não tínhamos esta conversa. Pediram-nos e puseram-nos esta missão e eu consegui que - e disse-o que vinha para ficar - que 4.500 pessoas que todos os dias têm famílias em casa, todas elas pensem da mesma forma. Que é: quando saírem do banco não vão deixar este problema para ninguém resolver a seguir. Foi isso que aconteceu comigo. É isso que não vai acontecer com o meu sucessor.