Tópicos chave
- Resposta à crise passa por "flexibilização das regras do endividamento"
- "Ninguém deseja mais austeridade"
- Apoio a Marcelo? "Eu, neste momento, estou na retranca"
- Adolfo Mesquita Nunes candidato presidencial? "Gostava que todos os militantes do CDS tivessem liberdade para se apresentar"
- Retirar o CDS do PPE? "Neste momento, não é uma prioridade abrir essa discussão"
- "É prematuro" expulsar partido de Viktor Órban do PPE
- Coligações com o Chega? "Depende do caderno de encargos"
- Existe marxismo cultural em Portugal? "Acho que existe, sim"
- Rui Tavares na telescola: "Não dei muito relevo a isso", mas "perguntar não ofende"
As críticas ao Presidente da República não levam o líder do CDS a descartar um eventual apoio para a recandidatura. Grande entrevista TSF com o presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos.
Na semana em que se assinalam quatro meses desde que foi eleito líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos parece ter desconfinado de vez. Numa longa entrevista à TSF, passou pelas presidenciais, por Manuel Monteiro, pelo posicionamento do CDS na Europa, pelas eventuais alianças com o Chega, pela polémica em torno de Rui Tavares e, claro, pelas propostas do partido para a recuperação económica.
No início desta pandemia anunciou que se tinha voluntariado para o Exército. Chegou a ter resposta? Porque é que não foi?
É verdade. Num esforço patriótico, eu sou de abraçar causas e dar o exemplo aos portugueses. Procurei contribuir para a coesão nacional e alistar-me nas Forças Armadas para encabeçar a linha da frente do combate à Covid-19. Nesse formulário que preenchi acionei como preferencial o regimento de transportes, que é aquele que geograficamente está mais próximo de minha casa. Fui aceite como voluntário, mas acontece que, à semelhança de todos os outros que se alistaram na sociedade civil para coadjuvar as Forças Armadas nesta missão, não foram ainda recrutados e recebemos um e-mail na passada semana a dizer para nos mantermos disponíveis, a apelar para essa manifestação de interesses se mantivesse, que assim que fosse necessário ativar os nossos contingentes e as unidades em que nos inscrevemos que seriamos imediatamente chamados. Portanto, eu aguardo para poder dar o meu contributo. Estarei pronto como sempre estive neste espírito de um por todos e todos por um e que aprendi no Colégio Militar. Dado que este recrutamento voluntário era dirigido a todos aqueles que se encontram dentro da família militar e tendo eu um pai oficial do Exército e um tio nessa condição e tendo frequentado durante oito anos o Colégio Militar, achei que num período de emergência poderia também dar a minha colaboração.
Mantém a disponibilidade?
Claro que sim.
Resposta à crise passa por "flexibilização das regras do endividamento"
Vamos então à política, que é o que lhe tem ocupado mais tempo. Ontem, voltou a defender uma descida dos impostos e um programa de emergência social, na reunião que teve com o primeiro-ministro. Sem excedente orçamental, como é que se financia isto?
É uma ótima pergunta. Creio que Portugal não vai conseguir vencer este desafio e esta crise pandémica sem a ajuda dos seus congéneres internacionais, nomeadamente na União Europeia. Tenho dito que para soluções globais exige-se uma cooperação global e uma resposta à escala comunitária para injetar liquidez nos Estados-membros. Portugal não pode falhar aos portugueses e a União Europeia também não pode falhar aos seus Estados-membros. Isto passa por uma flexibilização das regras do endividamento de cada Estado, mas não só. Eu creio que a fatia generosa leonina deve estar consignada a este fundo de solidariedade e de coesão europeu, fazendo jus aos valores que fundaram a União Europeia a título de subsídio, para depois, de acordo com uma chave de repartição, Portugal conseguir apoiar o seu tecido empresarial através de políticas ativas públicas, estímulos diretos e indiretos para a criação de emprego, gerar atividade económica e por essa mesma via conseguir aumentar as receitas para fazer face a todas as necessidades do Estado na área social. Esse programa é muito imperioso.
Em relação aos incentivos fiscais: tem as contas feitas? E sabe para onde quer direcionar esses incentivos?
Para já, o que o CDS propôs ao nível dos apoios à economia são estes que lhe vou dizer: nós entendemos que deve ser imediatamente eliminado os pagamentos por conta. Isto porquê? Nós temos uma administração tributária cada vez mais digitalizada que consegue o volume de negócios de cada unidade industrial ao segundo. Portanto, não faz sentido que as nossas empresas sejam tributadas com base em rendimentos diferentes daqueles que estão a auferir neste corrente ano financeiro. Fazendo essa eliminação, podendo haver uma contabilização posterior das dívidas das empresas ao fisco, ela possa ser cobrada atendendo ao nível de receitas que neste momento possuem.
E isso implica uma perda de receita para o Estado em que valor?
Isto não é uma perda de receita porque o Estado teria sempre que devolver o que tinha cobrado em excesso. O mesmo se passa, por exemplo, no ajustamento das tabelas de retenção na fonte em sede de IRS. O ano passado os portugueses entregaram ao Estado mais três mil milhões de euros. O que o CDS propõe é que possa haver uma aproximação entre o imposto retido e o imposto devido. Isto não significa uma diminuição da carga fiscal nem uma diminuição da receita do Estado. Mas é uma injeção de liquidez nas famílias porque em vez de entregar o seu dinheiro ao Estado para depois ser devolvido em reembolso de IRS - este ano estão a demorar muito mais do que o ano passado, estamos em mais de 60 dias, o ano passado a média foi 12 - têm os seus rendimentos nos seus cofres e podem assim utilizá-lo. Outro exemplo: lay-off simplificado. Também temos números sobre isto. O Governo previa que por mês fossem gastos mil milhões de euros no lay-off simplificado e fez as contas prevendo esta mesma despesa. O que se veio a verificar é que o Governo está apenas a gastar 300 milhões. Isto é, há aqui uma folga. O que é que o CDS propõe? É que esta mesma folga seja utilizada estendendo a abrangência do lay-off simplificado até ao final do ano.
A propósito do lay-off simplificado: uma das críticas que a esquerda tem feito a esse prolongamento do lay-off é precisamente a penalização que isso significa nos salários dos trabalhadores. Defende um prolongamento mantendo uma parte suportada pelos trabalhadores ou apenas por empresas e pelo Estado?
Defendo a manutenção dos termos do lay-off apenas com estas alterações: acho que o âmbito do lay-off deve ser alargado para todos os sócios-gerentes independentemente dos trabalhadores que tiverem a cargo e do nível de faturação anual da empresa. E que o pagamento seja feito diretamente pela Segurança Social aos trabalhadores para não termos esta trapalhada monstruosa como durante o mês de abril em que houve empresas que entregaram a papelada para ter acesso ao lay-off até ao dia 10, estamos no final de maio algumas ainda não receberam.
Mas com trabalhadores como temos em Portugal, que ganham tão mal, acha que aguentam ficar até o final do ano com menos um terço do salário?
Espero que a retoma da economia seja o mais célere possível, mas nós sabemos que ela será feita de forma gradual e assimétrica. O que é que acontece é que muitas empresas que agora vão retomar a sua atividade não vão ter o mesmo volume de negócios, vão estar a carburar a 50%, não vão poder pagar salários ou 100%. Mais: os impostos que entretanto ficaram suspensos vão ter de começar a ser liquidados, portanto acho que as empresas não vão ter maneira de sobreviver, manter as portas abertas e salvar postos de trabalho se não conseguirem ter este apoio do Estado. O que nós defendemos é que haja esta retoma da economia e, sobretudo, uma particular atenção para todos aqueles setores que infelizmente não vão poder reiniciar o seu negócio e a sua atividade comercial. E falamos por exemplo dos organizadores de eventos, dos ginásios, do setor da hotelaria e do alojamento que são particularmente penalizados com esta crise. Portanto, temos que ter muita atenção que de facto muitas empresas estão a conseguir sobreviver maioritariamente por causa do apoio do lay-off porque a maior parte das linhas de crédito - foram este os dados que recolhemos - apenas 8% estão contratualizadas e destes 8% nem todos estão neste momento a chegar às empresas que o requereram. O lay-off é um apoio importantíssimo. O que é que nós procuramos: que, de facto, esta retoma possa ser feita o quanto antes, mantendo todas as regras securitárias e sanitárias que impedem uma retoma plena do exercício da profissão como antigamente. E sabemos uma coisa: é que se não houver esta vitamina, a que chamamos vitamina CDS, para apoiar as empresas, muitas delas terão que fechar portas.
Essa vitamina CDS custa quanto?
Este esforço já estava mais ou menos calculado. Quando se fala em mil milhões de euros...
É apenas usar as folgas?
Sim, é usar as folgas. Mas há outros indicadores. Por exemplo, nas linhas de crédito, o que é que está a acontecer? O Governo começou por dizer que oferecia linhas de apoio à economia no âmbito da Covid de cem milhões de euros e depois aumentou para 6.3 mil milhões de euros. Depois abriu-se concurso e o que é que se verificou? Que cerca de 50 mil empresas que concorreram totalizam mais de dez mil milhões de euros e muitas delas não estão sequer a receber este dinheiro, estão com algumas reservas e algum receio porque o Governo adotou uma estratégia com a qual o CDS discordou desde início. Em vez de atribuir dinheiro às famílias e às empresas através de injeção de liquidez e choque de tesouraria, optou por diferimentos fiscais que são 70% dos apoios do Estado à economia e, pior do que isso, mais endividamento. Portanto, o que é que o CDS propõe? Que nestes apoios haja uma percentagem garantida pelo Estado que seja feita a fundo perdido. Outra proposta que não implica sequer o aumento de impostos nem sequer uma perda de receita do Estado é um mecanismo de acerto de contas. Porque o que é que nós verificamos? É que o Estado não paga a tempo e horas. Não é tão bom pagador como é cobrador. Se o Anselmo se atrasa, como pode acontecer eventualmente, o Estado é implacável a cobrar o dinheiro, mas, se o Estado lhe deve dinheiro e a fornecedores com dívidas vencidas a mais de 90 dias em fevereiro - o Estado devia 543 milhões de euros -, o Estado não paga, é relapso e adia. Como é que o Estado pode cobrar a tempo e horas se demora meses, anos ou simplesmente não paga? O que é o mecanismo de acerto de contas? É permitir que os contribuintes, sejam empresas ou pessoas singulares, possam descontar as dívidas do Estado em pagamentos de impostos e contribuições, por exemplo.
Há pouco falava da flexibilização da dívida. Admite que seja necessário viver os próximos anos com défice, para ultrapassarmos esta crise?
Eu gostaria que isso fosse uma realidade longínqua na medida em que a União Europeia conseguia acionar instrumentos e mecanismos de solidariedade e de apoio aos Estados-membros que evitassem a contração de dívida.
Mas...
Eu espero que esse seja o trabalho do Governo. Que consiga fazer zonas de pressão em Bruxelas - vão existir Conselhos Europeus onde isso será discutido nas próximas semanas - de modo a que não resulte em mais endividamento porque há países que não têm condições de contrair mais dívida. Seria entrar numa espiral recessiva da qual nunca mais poderão sair. Portanto, eu espero que esse não seja o caminho que a União Europeia siga daqui em diante.
"Ninguém deseja mais austeridade"
A União Europeia ainda não tem uma resposta definitiva a esta crise. Admite-se que uma parte desse apoio possa ser através de subsidiação direta, mas outra parte possa ser através de empréstimos. Consegue imaginar que seja possível não ter défice nos próximos anos?
Eu acho que é um horizonte, neste momento, difícil de medir. Parece-me que vai ter que existir uma grande ginástica orçamental e, sinceramente, a minha opinião enquanto democrata cristão e humanista, eu espero que nenhuma pessoa fique para trás nesta altura e que haja um programa de assistência social que combata a pobreza, a miséria, a fome, o desemprego, todas as pessoas que se viram forçadas a fechar os seus estabelecimentos e que essa seja a prioridade do país. Se para apoiar estas pessoas é necessário flexibilizar as regras da dívida, então que esse possa ser um caminho desde que controlado e devidamente apoiado pelas estruturas europeias.
Mas é um caminho perigoso sobretudo para países, como Portugal, com uma dívida elevada...
É um caminho perigoso, por isso, eu digo que esse não pode ser o caminho de maneira nenhuma. A prioridade junto deste quadro negocial que vamos ter em Bruxelas terá de ser sempre uma ideia de subsidiação e de apoios a fundo perdido, até enquadrados no orçamento comunitário para injetar liquidez nos Estados-membros.
A austeridade é inevitável?
Ninguém deseja que venha aí mais austeridade. Eu posso fazer essa declaração de interesses. E todo o trabalho que tivermos para fazer daqui para a frente seja para evitar que isso seja uma realidade. Eu acho que há trabalho a fazer e eu gostaria, por exemplo, que da parte do Governo, agora quando apresentar este Orçamento retificativo, ao contrário daquilo que fez no Plano de Estabilidade e com o Plano Nacional de Reformas, possa apresentar projeções macroeconómicas e de finanças públicas baseadas nesta comparticipação que irá receber da União Europeia. Porque nós precisamos de perceber onde é que vai ser investido o dinheiro e se Portugal tem disponibilidade ou não para criar um quadro administrativo e tributário capaz de diminuir impostos para incentivar a atividade económica, a criação de emprego, flexibilizar até os sistemas regulatórios que são um custo para as empresas e, no fundo, conseguir que o investimento estrangeiro possa entrar em Portugal e ser competitivo com outros Estados e outras economias que estão a ser mais apoiadas do que a portuguesa. O investimento em Portugal hoje está nos níveis de 1997. E outro problema que temos que resolver, também à escala europeia, é o problema das exportações. Hoje em dia as economias estão altamente interligadas umas com as outras e Portugal é um país que está muito exposto aos mercados de destino. Ou eles retomam este consumo ou Portugal vai ter muitas dificuldades em vazar os seus produtos e ter quotas de mercado internacionais.
A alternativa às exportações é o consumo interno...
Claro. E o consumo interno só se consegue se as pessoas tiverem dinheiro no bolso.
Portanto, o que está a dizer é que o consumo interno deve ter mais peso na economia nacional?
Não estou a dizer isso, estou a dizer que eu prefiro que a nível internacional a situação económica possa começar a ter um ritmo de crescimento maior do que aquilo que tem tido até aqui porque nós estamos muito expostos à conjuntura da nossa economia no estrangeiro e a nível interno, com alguns apoios que eu considero fundamentais, que o consumo privado também não diminua drasticamente e que não seja afetado por uma pandemia do medo que se pode associar a uma pandemia financeira.
Apoio a Marcelo? "Eu, neste momento, estou na retranca"
Um dos temas que tem estado em cima da mesa nas últimas semanas são as eleições presidenciais. Já disse várias vezes que era extemporâneo estar a discutir o assunto, mas a verdade é que estamos a oito meses dessas eleições. Já tem alguma ideia do que quer propor ao partido?
Eu sou franco: a nossa prioridade neste momento não são as eleições presidenciais. Acho que seria pouco sensato e em nada respeitador dos sentimentos que os portugueses estão a atravessar nesta altura se visse um presidente de um partido histórico na nossa democracia, como é o CDS, com as responsabilidades que tem, a discutir ad hominem possíveis candidaturas para a figura do Presidente da República, a mais alta magistratura da nação. O que quer que os portugueses diriam se eu estivesse mais preocupado com a cadeira da Presidência do que um plano social de emergência para apoiar quem está desempregado, quem está a passar fome são 600 mil pessoas que precisam de ajuda de instituições humanitárias para ter alimentos, aquelas que fecharam o seu negócio e que não há um plano claro para o relançamento da nossa economia.
Mas quem ocupa a cadeira da Presidência não tem um papel fundamental num período difícil da vida do país como o que estamos a viver?
Claro que sim, mas a nossa prioridade tem que ser esta: é um plano de relançamento da economia e um Programa de Emergência Social. As eleições presidenciais são daqui a oito meses, portanto, acho que vamos ter tempo para falar sobre isso. E até ao nível dos ciclos eleitorais, nós temos antes disso eleições regionais dos Açores, que para o CDS também são bastante importantes.
Mas já tem uma ideia na cabeça do que é que vai propor ao partido?
Eu, neste momento, estou na retranca. Estou à espera que haja uma clarificação de cenários. Quero saber se o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa é ou não candidato. Como sabe, as eleições presidenciais pressupõe uma declaração individual que não depende dos partidos. Foi o candidato que o CDS emitiu um apoio de indicação de voto, foi a formulação adotada há quase cinco anos atrás, e, portanto, gostaríamos que os candidatos se apresentassem e depois reunir o órgão máximo do partido entre congressos para tomar uma decisão depois desta clarificação de cenário que, neste momento, é bastante prematura.
Mas compreende que as pessoas olhem para a sua postura de "retranca" como relutância em declarar apoio a Marcelo Rebelo de Sousa. Tem alguma relutância nesse apoio, até pelas críticas que já lhe fez?
Não. Eu na qualidade de presidente do CDS procuro ser institucionalista nas relações com o chefe de Estado, mas também sou daqueles que acha que o Presidente da República, na qualidade de árbitro, quanto menos for notado na correlação de forças políticas e na sua regulação do normal funcionamento das instituições melhor. Quando eu noto que pode haver uma determinada inclinação do plano ou que a relação do mais alto magistrado da nação poderá estar a ser, nalguma medida, confundida com um quadrante político, nomeadamente se não for aquele seu de origem. Acho que o presidente do CDS tem que dar um sinal de que esperávamos outro tipo de influência do chefe de Estado. Portanto, isso não significa que nós estejamos condenados a uma crítica acérrima ou que não seja construtiva da função do Presidente da República.
O que está a dizer é que o facto de o criticar não tem que necessariamente de inviabilizar um apoio?
Exatamente. Basicamente é isso. Nós não estamos a excluir nenhum cenário à partida, mas também temos o direito de apontar construtivamente algumas debilidades ou aspetos que na nossa ótica são menos positivos na atuação do Presidente da República.
O que é que diria um eleitor do CDS que não queira votar em Marcelo Rebelo de Sousa e que esteja a ponderar votar em André Ventura?
Diria para se apresentar no Conselho Nacional do CDS, onde essa matéria será debatida para podermos discutir amplamente o tema. Também já disse muitas vezes que o CDS não está preocupado com candidaturas à direita, seja nas eleições presidenciais, seja em eleições legislativas ou autárquicas.
Tentaria demover esse eleitor?
Eu tentaria, sobretudo, que tivéssemos um debate esclarecedor internamente e que a posição maioritária sufragada pudesse colher o entendimento maioritário e compacto do partido. Porque qualquer que seja o ciclo eleitoral, na qualidade de presidente do CDS gostaria de ter o partido mobilizado a falar em uníssono, embora possa haver divergências no salutar pluralismo que existe nos partidos. Portanto, eu acho que essa discussão terá o seu tempo e eu preferia não não antecipar cenários, até porque temos uma grande empreitada em mãos e muita gente à espera de soluções que tardam em aparecer
O CDS/Madeira já disse que apoiaria uma eventual candidatura de Miguel Albuquerque, se ele se apresentar como candidato à Presidência da República. Isso condiciona-o de alguma maneira?
Eu não tive acesso a essas declarações e se são assim textualmente como refere. Eu percebo que haja uma certa solidariedade orgânica na Madeira, dado que estamos coligados com o Partido Social Democrata, mas é um assunto também que teremos que abordar a seu tempo. Não estou minimamente preocupado com isso.
Adolfo Mesquita Nunes candidato presidencial? "Gostava que todos os militantes do CDS tivessem liberdade para se apresentar"
Adolfo Mesquita Nunes daria um bom candidato presidencial? Ou acha que ele deve continuar a dedicar-se aos negócios?
Eu acho que essa é uma opção pessoal que cabe ao Adolfo Mesquita Nunes tomar.
Não lhe perguntei se ele deve avançar. Perguntei se ele daria um bom candidato?
[Pausa para pensar] Olhe, eu acho que só são bons candidatos aqueles que querem ser candidatos. Portanto, eu até saber se Adolfo Mesquita Nunes quer ser candidato não poderei sequer formular um juízo porque essa declaração de vontade dependerá em primeira instância dele próprio.
E gostava que ele se apresentasse?
Eu enquanto presidente do partido gostaria que todos os militantes dentro do CDS tivessem liberdade para se apresentar caso tivesse essa intenção.
Manuel Monteiro regressou ao CDS. Era um bom nome?
Manuel Monteiro já veio dizer inclusive que não estava interessado.
Mas tem pena?
Respondo-lhe o que disse para o Adolfo: se não existe essa vontade expressa e inequívoca naturalmente que são cenários apenas conjeturais que nem sequer devem ser colocados em cima da mesa. Portanto, quando as pessoas se excluem dessa própria corrida, não vejo que sequer possa existir qualquer tipo de problema.
Retirar o CDS do PPE? "Neste momento, não é uma prioridade abrir essa discussão"
Ainda a propósito deste regresso de Manuel Monteiro, ele sempre acusou o Partido Popular Europeu (PPE) de ser federalista. Foi aliás muito crítico sempre em relação ao PPE, ao qual pertence o CDS. Concorda com esta posição de Manuel Monteiro que não é de agora, é uma posição de sempre, e se pondera tirar o CDS do PPE?
Nós temos que saber ler também as declarações de Manuel Monteiro à luz da época e temos que recuar no tempo quase 30 anos e perceber que Manuel Monteiro nunca foi apologista de uma lógica federalista para a União Europeia. E eu sei porque frequento o meio do PPE, que há muitos partidos entre o PPE que defendem uma Europa das Nações, uma manutenção das soberanias, ainda que mitigadas com a União no quadro desta aliança internacional e, por essa mesma razão, não vejo que seja incompatível até haver essa visão mais por uma Europa das nações que respeite naturalmente a identidade de cada Estado, a sua tradição, o seu interesse estratégico, mas que possa haver interesses convergentes e comuns, nomeadamente na partilha de um espaço económico, de uma liberdade de circulação de bens, pessoas e mercadorias, que eu creio que é por aí que deve qualquer partido de direita moderno encarar o futuro.
Não lhe passa pela cabeça tirar o CDS da família política do PPE?
Neste momento, não é uma prioridade do partido sequer abrir essa discussão. Nós estamos confortáveis no PPE e temos países que apresentam partidos homólogos do CDS, que têm uma matriz de valores muito parecida, por exemplo, o Partido Popular espanhol que está perfeitamente confortável no PPE e é um partido com o qual temos bastante afinidade.
"É prematuro" expulsar partido de Viktor Órban do PPE
Porque é que o CDS não assinou a carta dos 13 líderes do PPE que pediam a expulsão do partido de Viktor Órban desta família política? Não vê nada de condenável na postura do Presidente da Hungria?
Essa é uma boa pergunta. Nós só tivemos acesso a uma carta recebida, salvo erro, pelo presidente do Partido Popular Europeu depois de ter sido emitida uma posição conjunta por um conjunto de partidos no quadro do PPE. Ainda por cima estávamos numa altura de confinamento e aconteceu que assim foi. Quando eu tive acesso às notícias ainda não tinha recebido nenhuma missiva do presidente do Partido Popular Europeu. Não me tinha chegado. Agora, também lhe quero dizer o seguinte sobre esse tema: eu acho que as avaliações sobre as medidas musculadas que foram adotadas por cada país no âmbito da União Europeia, designadamente por partidos que estão dentro do PPE, devem ser avaliadas numa altura oportuna, após a resolução da crise sanitária.
O que temos à vista não chega para fazer uma avaliação?
Não houve, na minha opinião, a oportunidade para amadurecer, para esclarecer e para recolher os dados necessários, nem existiu, internamente, dentro do Partido Popular Europeu, uma fiscalização a sério dos poderes que foram acionados por Viktor Órban na Hungria. Portanto, eu neste corrupio e nesta azáfama do combate à crise acho que podemos confundir muita coisa e eu preferia deixar assentar a poeira e esperar para tomar alguma posição mais firme, decisiva e perentória nesta matéria.
O que está a dizer é que não tendo havido essa falha de comunicação na declaração dos 13 líderes, mesmo que tivesse sabido desta carta em tempo útil, provavelmente não a teria assinado?
O que o CDS faria em articulação com o seu eurodeputado era agendar um debate sobre o tema, sobre as medidas que foram adotadas na Hungria ao abrigo do estado de emergência para o momento ulterior, com o devido amadurecimento, com os elementos todos à nossa disposição, com uma reflexão crítica e, aí sim, com os Estados focados nesse papel de escrutínio das ações dos partidos que integram o Partido Popular Europeu poder, aí sim, ter uma ação firme de acordo com o levantamento e o apuramento que se fizesse das circunstâncias.
Peço-lhe uma resposta de sim ou não: não teria assinado esta carta neste momento?
Neste momento, acho prematuro, sinceramente.
As sondagens continuam a apontar para uma queda acentuada do CDS. Tem a certeza que o CDS nunca ficará atrás do Chega?
Há sondagens para todos os gostos, como os fatos à medida.
Mas todas dão um CDS atrás do Chega...
Verdade. Isso é um facto, mas nem todas dão o CDS a descer. Há uma sondagem, por exemplo, realizada pela Intercampus, para o Correio da Manhã, que dá o CDS desde o congresso sempre a subir e recordo-me que na véspera estávamos com 1,9% na sondagem e agora estamos perto dos 4%. E mesmo nessas sondagens, e agora recuperando a da Eurosondagem, dá o CDS muito próximo do Chega. O que é que eu lhe posso dizer com franqueza? Vamos trabalhar com humildade para merecer a confiança dos portugueses em urnas. É aí que nós gostamos de medir forças, é no dia das eleições poder somar mais votos do que os partidos que são nossos concorrentes ou adversários. E apresentando um projeto para o país, uma nova política, uma ideia arejada de Portugal que apoie os mais vulneráveis, que dê oportunidades aos mais jovens, que repare o elevador social, para aqueles que querem subir na vida não tenham obstáculos por parte do Estado e tenham essas oportunidades, por um sistema de segurança que reforce a autoridade do Estado e possa combater a criminalidade, por uma economia a crescer com o apoio do Estado nesta altura crítica, capaz de sustentar a família e dar rendimento às pessoas. E com uma justiça que combata a corrupção e possa dignificar o nosso sistema político, uma nova aragem protagonizada por novos intérpretes dentro do CDS capaz de fazer as pessoas voltar a acreditar. Este é o meu processo de intenções e gostaria de ter tempo para o implementar. Eu sou presidente do CDS há quatro meses, dois dos quais foram passados em confinamento.
E acha que isso pode estar a prejudicar as sondagens?
Eu acho que sim, que isso acabou por condicionar porque o nosso espaço mediático não foi aquilo que nós desejaríamos neste período.
Coligações com o Chega? "Depende do caderno de encargos"
Admite alguma circunstância coligações autárquicas com o Chega ou isso é uma linha vermelha?
Eu vou-lhe dizer aquilo que sempre disse na véspera do congresso, aqui consigo. Eu acho que os partidos à direita do Partido Socialista devem ter as mesmas ferramentas que o PS tem no relacionamento com os partidos de esquerda.
Portanto a resposta é sim?
Depende do caderno de encargos, depende das nossas linhas vermelhas, depende das políticas concretas a avaliar localmente. O CDS é um partido democrata-cristão que tem valores firmes que são inegociáveis. Se a ideia é transformar o CDS num partido de protesto, que tenha um discurso de ódio, que coloque uma sociedade contra parte de si mesma, que se opte por um populismo agressivo, que semeie o medo e as fraturas sociais, o CDS não vai para esse discurso, como é óbvio.
Mas admitir coligações com um partido que propõe prisão perpétua, castração química ou confinamento de ciganos, para si, é aceitável?
Não é aceitável. Todas essas propostas não são aceitáveis para mim. Agora se me disser assim: nenhuma dessas propostas está consagrada num programa comum à direita, seja com o PSD, com a Iniciativa Liberal ou com o Chega...
Portanto, se o Chega deixar cair as propostas com as quais o CDS não concorda...
Exatamente. Se chegarmos a uma plataforma de entendimento programática que respeite os valores fundacionais do CDS e não enverede por uma espiral populista demagógica e de um discurso populista de ódio e de fratura social, o CDS terá disponibilidade desde que respeite sempre os seus princípios.
Existe marxismo cultural em Portugal? "Acho que existe, sim"
Acha que existe marxismo cultural em Portugal?
[Sorrisos] Olhe o que eu acho, com toda a franqueza, é que essa é uma expressão designada para qualificar aqueles que entendem que nós não recebemos um legado das gerações anteriores que temos que preservar, que ao longo da história não há tradições que devam ser respeitadas, não há valores perenes, comuns e que o contrato social não se faz entre os vivos, os mortos e aqueles que estão por nascer e que nós não temos que preservar uma certa cultura e institutos da sociedade e de convenções sociais que são importantes para manter a ordem e para conseguirmos uma evolução bem orientada das coisas. Às vezes fala-se do progressismo como uma destruição de tudo aquilo que ficou para trás, do legado que recebemos, da herança, das gerações anteriores, portanto, essa ideia de marxismo cultural de luta por valores, de querer implementar uma tábua rasa em tudo aquilo que recebemos e confundir conceitos, baralhar consciências e provocar permanentemente um conforto do ponto de vista dos princípios e dos valores... Claro que há ideologias que procuram construir um homem novo e afirmar uma ideia de futuro desregrada e desconexa de todo este contexto de séculos.
Mas feita a caracterização, acha que isso existe em Portugal?
Acho que existe, sim. Pode chamar-lhe outra coisa, pode chamar marxismo cultural, pode chamar-lhe subjetivismo, pode chamar-lhe individualismo, pode chamar-lhe corrupção, pode-se falar de falta de solidariedade, pode-se falar de ausência de compromisso, de amor intergeracional, pode-se falar de algum tipo de relativismo, enfim, pode ter várias formas. Mas eu creio que isso não é importante. Eu não sou daqueles que estão na política com a ideia de fazer qualificações sobre o papel dos outros ou o espaço que ocupam na política. Eu prefiro, com toda a franqueza, apresentar propostas e projetos que sejam alternativos.
Rui Tavares na telescola: "Não dei muito relevo a isso", mas "perguntar não ofende"
Mas não foi isso que o CDS acabou por fazer quando questionou o Governo a propósito de uma participação de Rui Tavares na telescola? Já agora importa referir, era um excerto de um programa de televisão onde Rui Tavares tinha participado. Não é exatamente aquilo que diz que não quer fazer?
O que aconteceu aí foi uma pergunta realizada pelo Grupo Parlamentar do CDS que eu creio que o fito que tinha era tão só este: perguntar qual o critério pelo qual Rui Tavares - que é um destacado dirigente político, representa uma determinada ideia da sociedade, uma ideologia - estava presente.
E já agora também é um historiador e um académico com currículo...
É sem dúvida. A história tem sempre vários ângulos. Não há uma leitura unívoca da história, depende sempre muito do intérprete e da interpretação que faz da mesma. E como compreende para muita gente - isto também não foi uma ideia completamente retirada de forma avulsa e a martelo do Grupo Parlamentar do CDS. De facto, existiu alguma indignação espelhada nas redes sociais - que são agora os grandes agitadores do desassossego e do descontentamento...
Sabe que está a falar de Nuno Melo? Foi um dos que veio para as redes sociais...
O Nuno Melo fez isso, mas quero dizer-lhe que, aprioristicamente, previamente eu senti isso em figuras anónimas a que o Nuno Melo acabou por dar eco. E no fundo, neste contrato também político que existe entre eleitos e eleitores procura-se muitas vezes dar eco, dar voz e representação a pessoas que demonstraram sua indignação.
E foi isso que o CDS quis fazer?
Foi isso que o CDS quis fazer.
E arrepende-se?
Eu creio que assim que tivermos respostas concretas do Governo não pode haver arrependimento. Sabe porquê? Porque perguntar não ofende.
Mas encontra um problema em Rui Tavares aparecer num vídeo da telescola? Acha que ele não percebe o suficiente de história? Viu o vídeo?
Eu vi o vídeo do Rui Tavares. Não consegui apanhar na integralidade, apenas cerca de dois minutos, porque de facto foi um assunto a que eu não dei muito relevo, confesso. Mas entendo como pertinente a vontade de uma certa parte do eleitorado, aqui representada pelo CDS, de querer perceber porque é que Rui Tavares, que é um historiador, é verdade, mas também representa uma determinada corrente ideológica, estava à luz dos factos históricos a apresentar uma versão da mesma a alunos, jovens que frequentam as aulas por telescola.
Portanto, se tivesse sido Rui Ramos e a esquerda tivesse feito perguntas ao Governo, acharia normal?
Sim. Mas deixe-me dizer uma coisa: Rui Ramos não é um dirigente partidário.
Mas tem um posicionamento político e também é um historiador conceituado...
Mas aqui a questão do CDS, o ponto nevrálgico, era o facto de ser um representante de um partido em Portugal, do qual foi fundador e que foi durante muito tempo o secretário-geral desse mesmo partido. Portanto, no caso do Rui Ramos não é propriamente a analogia perfeita, mas se estiver a falar por exemplo, imaginando um partido de centro para a direita, de Paulo Rangel, por exemplo, admitiria que a esquerda fizesse exatamente a mesma pergunta?