Houve tempo para tudo no debate que reuniu os 15 partidos sem assento parlamentar. De distribuição de ministérios a uma visita conturbada à Feira do Relógio.
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O debate que colocou frente-a-frente os partidos sem assento parlamentar, esta segunda-feira, foi de Tancos ao Burundi - um país africano com 12 milhões de habitantes - com passagens pela Feira do Relógio e até um homem nu a entrar na troca de argumentos.
Participaram Aliança, Chega, Iniciativa Liberal, Partido Nacional Renovador (PNR), Partido Democrático Republicano (PDR), Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP), Partido Popular Monárquico (PPM), Partido Trabalhista Português (PTP), Livre, Reagir Inclui Reciclar (RIR), Partido da Terra (MPT), Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP), Nós, Cidadãos, Movimento Alternativa Socialista (MAS) e Juntos Pelo Povo (JPP).
André Ventura, do Chega, e Fernando Loureiro, do PURP, protagonizaram um debate dentro do debate e acabaram por concordar numa coisa: nunca formariam Governo um com o outro. Pelo meio, tratou-se da Saúde, Santana Lopes distribuiu ministérios pelo país e perguntou-se: quem é, afinal, o pai das questões ambientais?
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Tancos: sim, não ou depende?
O frente a frente dos 15 partidos sem assento parlamentar com arrancou com uma pergunta relacionada com Tancos, o assunto que tem agitado esta campanha eleitoral: "Se for eleito deputado votaria a favor de haver uma comissão permanente para investigar o caso Tancos?".
O primeiro a responder foi Mendo Castro Henriques, do Nós, Cidadãos, e disse que não, sublinhando que o espaço próprio para discutir a questão são os tribunais. A mesma ideia já defendida por António Costa e partilhada por Filipe Sousa, do Juntos pelo Povo, Gonçalo da Câmara Pereira, do PPM, Joacine Katar Moreira, do Livre, e José Pinto Coelho, do PNR, que diz não confiar nas comissões do parlamento, sempre com "os mesmos enfeudados no sistema".
Perante a mesma pergunta, Amândio Madaleno, do Partido Trabalhista Português, tem uma responda diferente, dizendo que votaria a favor de uma comissão, tal como André Ventura, do Chega, Marinho e Pinto, do Partido Democrático Republicano, Gil Garcia, do MAS, e Tino de Rans, do RIR.
Já para Pedro Santana Lopes, do Aliança, depende do contexto da situação. O antigo primeiro-ministro diz que votaria a favor de uma conferência de líderes na próxima quarta-feira se fosse para a comissão reunir antes das legislativas. Mas caso fosse para a comissão começar a funcionar a seguir às eleições, votaria não.
Feira do Relógio e subsídios. A receita para a picardia
Na segunda ronda de perguntas quis saber-se quais foram as ações de campanha dos diferentes partidos no domingo. Amândio Madaleno, do PTP, disse que foi dia de boicote.
"Não compareci. Não fui, de propósito, para mostrar que a migalha não chega. Era na Feira do Relógio, não fui de propósito", explicou. Na mesma intervenção recordou a última vez que fez uma ação do género, no Mercado de Alvalade, onde "inusitadamente apareceu um senhor nu e isto não faz sentido. A RTP fez um mau serviço", concluiu Amândio Madaleno.
André Ventura: Que se vá fazer campanha contra os subsídios na Feira do Relógio é enigmático e irónico.
Quem também esteve na Feira do Relógio foi o PURP. Fernando Loureiro revelou-o depois de pedir mais tempo e disse que se cruzou com uma delegação do PS que lhe chamou a atenção por estar muito bem equipada. Assim, aproveitou para atacar os subsídios pagos aos partidos com maior votação.
"Eu estava lá com quatro pessoas. Os outros estavam doentes. E chegam quatro carrinhas SUV do PS com vidros fumados. É assim que gastam o nosso dinheiro. É uma palhaçada e as pessoas a pagar", afirmou Fernando Loureiro.
Quando a palavra foi passada ao representante do Chega, André Ventura irritou os participantes do debate por atacar o líder do PURP.
"Que se vá fazer campanha contra os subsídios na Feira do Relógio é enigmático e irónico", atirou André Ventura, que disse ter suspendido a ação de campanha de domingo "em homenagem a mais um polícia brutalmente agredido em Rio de Mouro".
Mas Fernando Loureiro não deixou que se chegasse à terceira parte do debate sem esclarecer a opção de fazer campanha na Feira do Relógio.
"Não fui lá por ser contra os subsídios, fui lá falar dos reformados e dos combatentes. Já percebi o seu esquema", acrescentou.
Quem quer mandar na Saúde?
Diz a sabedoria popular que o importante é tê-la. E o mesmo parece aplicar-se aos programas dos partidos. Entre os 15 que participaram no debate, poucos foram os que lhe quiseram passar ao lado.
Santana Lopes: Todas as pessoas têm de ter seguro de saúde.
A ideia generalizada é a de que é preciso mais investimento. E enviar a Lei de Bases para o lixo é, até uma hipótese. Foi isso mesmo que Maria Cidália Guerreiro, do MRPP, propôs para "não fingir que se fez agora aquilo que já devia estar a ser feito há anos".
O aumento dos tempos de espera é uma preocupação que não passou ao lado. Exceto do Chega, de André Ventura, que este domingo ia ao hospital de Vila Real para alertar para os mesmos, mas acabou por cancelar a visita "em protesto" ao saber de agressões a um agente da polícia em Rio de Mouro.
Ainda assim, André Ventura não deixou escapar a oportunidade de lembrar os portugueses de que têm "a maior carga fiscal de sempre" sem terem uma saúde "decente". "Andamos a distribuir o dinheiro por quem não devíamos", alertou.
Foi do Aliança que chegou a proposta mais detalhada sobre a Saúde. Santana Lopes confessou que lhe faz "impressão como é que há tantos seres humanos neste país que não reagem a pessoas que estão a precisar de consultas e tratamentos e a quem dizem: venha daqui a dois anos".
Por isso, porque "só os mais poderosos podem ter seguro de saúde" e o SNS não pode responder às necessidades de todos, "todas as pessoas têm de ter seguro de saúde". A Iniciativa Liberal foi mais longe e defendeu que cada um deve ter o direito "a escolher": escolher por que médico quer ser atendido e onde.
A indiferença também está, segundo Santana Lopes, nas farmácias. Partindo da falta de medicamentos nas prateleiras, o líder da Aliança lembra que "isto não é o Burundi. Tem de haver medicamentos, nomeadamente para as doenças mais graves".
O PURP chegou até a concordar: "Isto não é, de facto, o Burundi." E Fernando Loureiro fez questão de sublinhar que já planeava falar do Burundi ainda antes de Santana Lopes o evocar.
Manuel Ramos: Como é possível haver mais médicos e consultas e as listas de espera continuarem a aumentar?
Para melhorar a saúde da Saúde, o MPT defende que "10% do Orçamento Geral do Estado" lhe deve ser dedicado, com um foco principal na prevenção primária, para que as pessoas não vão só aos hospitais "só quando já estão doentes".
Entre preocupação e desejos de que, no geral, os tempos de espera diminuam, o MPT optou por deixar um paradoxo no ar: "Como é possível haver mais médicos e consultas e as listas de espera continuarem a aumentar?"
Uma coisa é certa: o paradoxo não vai ajudar o sono de Filipe Sousa, do JPP, que reconhece não "dormir descansado", sabendo que há pessoas a morrer por falta de cuidados de saúde.
Quem é afinal o pai das questões ambientais?
Uns chamam-lhe o tema da moda, outros dizem que é cada vez mais inevitável. O Livre afirma que os estudantes foram fundamentais para que as questões climáticas sejam hoje um dos temas na ordem do dia. A partir daqui, gerou-se uma nova questão: quem foi afinal o partido que mais cedo alertou para a problemática?
A candidata do Livre destaca que logo em 2014, quando se deu a formação do partido, se alertou para a necessidade de alterar medidas. Um partido ecológico, que pouco depois recebeu resposta de um outro ecologista, o MPT.
Gonçalo da Câmara Pereira: Os jovens, hoje em dia, já não querem empregos das 8h00 às 18h00, querem ter tempo para viver com a natureza e esta é a guerra que queremos travar.
Segundo Manuel Ramos, foi o presidente honorário, Gonçalo Ribeiro Telles, que, de facto, alertou para os problemas ambientais. Manuel Ramos refere que o partido faz uma campanha "a custo zero", ou seja, o único elemento que distribui são as ideias. Os panfletos servem para "se deitar para o chão".
E como não há "duas sem três", o PPM também entrou na conversa. Para Gonçalo da Câmara Pereira, esta é uma preocupação desde a fundação do partido. "Dá-nos muito prazer, ao fim de todos estes anos, sermos um partido vencedor por conseguirmos passar as nossas ideias. Pôr todos os partidos a falar do ambiente é a nossa grande vitória", atirou.
"Os jovens, hoje em dia, já não querem empregos das 8h00 às 18h00, querem ter tempo para viver com a natureza e esta é a guerra que queremos travar", disse ainda Gonçalo da Câmara Pereira.
Missa(s) para abençoar a campanha
Os candidatos passaram em revista o seu domingo de campanha. Entre preparações para o debate e comícios, houve quem tirasse parte do seu tempo para as lides religiosas.
Gonçalo da Câmara Pereira fez 45 anos de casado e, por isso, dedicou o seu dia à família, com passagem pela igreja. Dedicou-se, como disse o próprio, a "convencer a família".
E como na Faculdade de Medicina Dentária havia mais individualidades cristãs, Pedro Santana Lopes, depois de um dia com várias ações de campanha, também não esqueceu a missa de domingo.
Um ministério para aqui, um para ali
Santana Lopes, um peso-pesado da política nacional, destoava entre os participantes do debate (exceto na missa). O antigo primeiro-ministro quis, por isso, começar a distribuir jogo... e ministérios.
Questionado sobre as prioridades que definia, Santana Lopes quis sublinhar a necessidade de descentralizar ministérios, e até já atribui uma "casa" a cada um: Educação em Vila Real, Economia no Porto, Saúde em Coimbra e Agricultura numa das capitais de distrito do Alentejo.
Quem quer viabilizar um governo?
A ronda final do debate foi dedicada a saber com que partido - em caso de eleição - cada um dos 15 formaria Governo.
RIR, o Nós Cidadãos, o PURP e o PPM colocam a estabilidade acima de tudo e, por isso, estão disponíveis para viabilizar Governo tanto com PS como com PSD.
Só o Aliança abre claramente a porta ao PSD, com o MPT, o Livre e o MAS a preferirem piscar o olho ao PS.
Quem não quer ver os partidos de Costa e Rio pela frente são o PNR, o PCTP, o PDR e o CHEGA, com a Iniciativa Liberal a lamentar que o PSD esteja tão próximo do PS, inviabilizando assim qualquer acordo.
Uma coisa é certa: para essa questão chegar à mesa negocial, o desempenho no próximo domingo - 6 de outubro - terá de ser memorável.