
Antigos colonos, filhos e netos continuam a habitar as casas construídas nos anos 50
Rui Manuel Fonseca / Global Imagens
Descendentes de colonos habitam casas construídas no Estado Novo. Pedido de classificação da câmara "em apreciação" pela Direção-Geral do Património Cultura.
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A colónia agrícola da Boalhosa, núcleo de Vascões, em Chã de Lamas, Paredes de Coura, construída durante o Estado Novo, deixou raízes para o futuro.
Antigos colonos, filhos e netos continuam a habitar as casas construídas nos anos 50 e que a nível do exterior ainda mantêm a traça original. Das sete colónias fundadas em Portugal, para "aumentar a produção agrícola nacional e preservação e reforço da instituição familiar", será a única habitada e "a melhor conservada". A Câmara Municipal de Paredes de Coura quer ver o sítio classificado pela Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). O pedido avançou em 2019 e no ano seguinte, a DGPC iniciou o procedimento de classificação (o anúncio foi publicado em Diário da República em 7 de fevereiro de 2020). Segundo adiantou ao Jornal de Notícias, fonte oficial da DGPC, o processo segue "em apreciação", e "não existe qualquer previsão [para a conclusão], pois a complexidade dos processos variam e o Conselho Consultivo demora, por norma, nestas análises". Além de que "a reestruturação em curso da DGPC não irá facilitar na celeridade destes processos". Existe ainda um outro processo em curso de classificação do colonato agrícola de Pegões em Setúbal.
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Paulo Oliveira, tem 44 anos de idade, e bem podia apresentar-se como "filho da antiga colónia agrícola", moldada a 800 metros de altitude, no concelho de Paredes de Coura.
"Nasci aqui em casa dos meus pais. E depois pelas indicações que tenho, fui o último colono a nascer em casa. Os que vieram a seguir já nasceram no hospital", conta orgulhoso.
Filho e também neto de colonos, Paulo comprou a antiga casa dos avós maternos, Gracinda e José, um dos primeiros casais a "colonizar" o núcleo agrícola de Paredes de Coura em 1957. E continua a viver "feliz", como sempre foi, na colónia, com a mulher e a filha de 8 anos.
"Quis ficar aqui. Gosto disto. Do ambiente e de tudo. Fui criado aqui. Fui à escola aqui. Sou do tempo em que o pessoal se juntava ao fim do dia para jogar futebol num campo improvisado que fizemos com balizas feitas de paus de pinheiro e sacos de plástico a fazer de rede para a bola não passar. E de nos juntarmos ao fim de jantar à noite para jogar às escondidas ", comenta.
A antiga colónia agrícola de Vascões foi mandada construir por António Salazar, segundo o modelo de reestruturação agrária do país criado por decreto, em 1948, com o objetivo de "aumentar a produção agrícola nacional e preservação e reforço da instituição familiar".
Para o Alto Minho estiveram previstos dois núcleos (um outro em território de Arcos de Valdevez e Monção), mas apenas vingou o de Paredes de Coura, constituído por 15 habitações geminadas e capacidade para acolher "30 casais agrícolas".
Aos habitantes (colonos), "chefes de família, católicos, com idade não superior a 30 anos", trabalhadores agrícolas ou pequenos agricultores, com necessidades económicas", foram entregues pela Junta de Colonização Interna, "casas mobiladas, alfaias agrícolas, juntas de gado, 10 mil escudos de empréstimo, sementes e adubos, tendo ficado obrigados a pagar ao Estado, durante o referido regime, 1/6 do valor arrecadado com as colheitas". A colónia dedicava-se principalmente à produção de batata da semente. Na década de 70, o Estado acabou por vender as casas e os terrenos aos colonos.
Hoje, os descendentes vão tomando conta do património deixado pelos seus antepassados. Cerca de metade das casas da antiga colónia agrícola são habitadas. Ou pelos poucos colonos da época que ainda restam ou pelos seus filhos e netos.
No local foi edificado o Centro de Educação e Interpretação Ambiental do Corno de Bico (CEIA).
A antiga escola primária, que chegou a acolher cerca de 50 crianças, filhas de colonos, e a casa do professor, servem, respectivamente, de cantina e alojamento de apoio àquele centro.
Isabel Barreto, 50 anos, funcionária do município de Paredes de Coura, faz de guia no CEIA. Casada com Maximiano Costa, de 54 anos, um de nove filhos de um antigo colono, "especializou-se" no tema. Conta que foi levada "pela curiosidade" a visitar, juntamente com o marido, seis das sete colónias agrícolas do Estado Novo existentes em Portugal.
Além da de Paredes de Coura, foram edificados as dos Milagres em Leiria, de Martim Rei no Sabugal, Pegões em Setubal, do Barroso em Montalegre e Boticas, da Gafanha em Ílhavo, e do Alvão em Vila Pouca de Aguiar.
A Isabel e Maximiano, falta visitar apenas a colónia de Aveiro.
"A de Paredes de Coura é a que está mais bem conservada e é a [única onde] ainda vivem pessoas da época", afirma, informando que, atualmente, no antigo núcleo de Vascões, "metade das casas ainda estão habitadas e temos uma coisa muito gira, que é: temos netos de colonos a recuperar as casas dos avós para virem morar para aqui".