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Por causa da pandemia, a Fundação Portuguesa de Cardiologia acredita que o país regrediu anos no combate e prevenção da mortalidade pelas doenças do coração.
"Todos os dias há notícias sobre os mortos causados pela Covid-19, mas alguém sabe quantos portugueses morrem diariamente com doenças cardiológicas?", questiona o presidente da Fundação, respondendo logo de seguida: "São cerca de cem pessoas por dia".
Manuel Carrageta recorda que as doenças cardiovasculares (como o colesterol ou a hipertensão) são a primeira causa de morte em muitos países, incluindo em Portugal, e sublinha que sabe-se hoje que depois da Covid-19 tem existido um grande aumento de mortos por outras doenças.

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De março a agosto, desde a chegada da pandemia a Portugal, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o país contou mais 6 mil mortos que em 2019, e menos de um terço (perto de 1.800) tem como causa direta a Covid-19.
"Não sabemos ao certo porque estão a morrer mais pessoas, mas sabemos que houve uma redução enorme nas idas às consultas e urgências dos hospitais", afirma o presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia que acrescenta que ainda hoje há pessoas que não saem de casa (ou saem muito pouco, com medo) e hospitais que mantêm os cortes na oferta de consultas de cardiologia porque continuam muito preocupados com a Covid-19, desviando recursos.
Uma preocupação que não pode ser única
A preocupação quase única com a Covid-19 que domina o país é, aliás, um dos temas principais da Quinzena do Coração promovida a partir desta terça-feira pela Fundação Portuguesa de Cardiologia em paralelo com a Federação Mundial de Cardiologia. "Se as pessoas não vão ao médico e estão preocupadas apenas com a Covid-19 tendem a negligenciar as doenças cardiovasculares que não sendo tão assustadoras são muito mais dominantes".
"É fundamental manterem-se as preocupações com algumas medidas básicas, alerta o médico, sublinhando a necessidade de não fumar, ter uma atividade física regular como andar a pé diariamente em passo rápido ou uma dieta adequada.
Manuel Carrageta destaca que se não estiverem bem controlados os problemas cardiovasculares são, inclusive, um fator de risco acrescido se a pessoa contrair a Covid-19.
O responsável da Fundação não coloca em questão que as pessoas se preocupem com a pandemia, mas "verificamos que as pessoas estão a morrer mais com outras doenças do que pela Covid-19", porque "deixaram de dar atenção à sua saúde em geral".
Anos de retrocesso
Os cardiologistas alertam que os doentes chegam cada vez mais tarde às consultas e cada vez mais descompensados, numa fase mais adiantada (e grave) da doença, que podia ser facilmente tratada se tivesse sido detetada a tempo.
"Ainda hoje vi um doente completamente descompensado, quando a cardiologia tem hoje, à partida, uma ótima capacidade de resposta. Aliás, se existiu nos últimos anos um aumento da esperança de vida em Portugal e noutros países isso deve-se ao sucesso dos tratamentos cardiovasculares", afirma.
O problema é que agora, diz Manuel Carrageta, "este sucesso está a recuar devido a este problema da Covid-19 que se compreende com o medo de ir ao médico e com o domínio completo da comunicação nos media, mas não nos podemos esquecer que as doenças cardiovasculares matam cem pessoas por dia em Portugal".
Manuel Carrageta diz que a pandemia levou Portugal a recuar "alguns anos" no combate à mortalidade pelas doenças cardiológicas, mas defende que "se fosse possível dar os números de outras doenças, e não apenas da Covid-19, talvez as pessoas tivessem mais atenção e nós pudéssemos aumentar a esperança de vida dando mais tempo e qualidade de vida à população".