O proprietário florestal percorre algumas das suas parcelas de terra em Santa Comba Dão
gestão das florestas

Guerra ao eucalipto. Os que lutam contra a "praga" e os que lucram com ela

Chamaram-lhe o "petróleo verde" e os fundos comunitários na década de 80 ajudaram a promover a cultura intensiva. Mas o eucaliptal está a matar a floresta portuguesa?

"As terras ainda fumegavam e os autarcas já eram assediados pelas empresas de celulose para os terrenos serem alugados ou comprados para plantação de eucalipto." A revolta de Serafim Riem, membro da direção do Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens (Fapas), já criou raízes. Anda há 30 anos a "pregar" contra um Portugal que se está a transformar "no eucaliptal da Europa" e a contra as celuloses que se transformaram "num Estado dentro do Estado".

A luta de Serafim, parece, no entanto, longe de estar ganha. De norte a sul do país, ao longo de itinerários secundários, na A1 ou na Nacional 236 - onde morreram 47 pessoas nos incêndios de junho de 2017 - não há, praticamente, cruzamento, rotunda ou encruzilhada que não nos conduza a uma paisagem monótona: milhares de hectares de eucaliptal que vai brotando, de forma tantas vezes anárquica e, outras tantas, devidamente alinhado naquilo a que vulgarmente se chama de cultura intensiva de eucalipto. Terreno arável para uma atividade económica que começou a "invadir" o país na década de 80 e que não parou de crescer até hoje.

O cheiro fresco e a humidade ajudam a disfarçar a morte de outros sentidos. "Num eucaliptal não se vê nenhuma forma de vida para além daquela. Não se ouve correr água, não se ouve um pássaro, não se vê uma borboleta", afirma Miguel Sousa Tavares à TSF, ele que, em 1989, registou no programa "A Hora da Verdade", da RTP2, as imagens aéreas da grande manifestação na serra da Aboboreira.

"A primeira grande ação que empreendemos contra a monocultura extensa decorreu na serra da Aboboreira" recorda, à TSF, Serafim Riem, lembrando que, apesar de poucos, decidiram, mesmo assim cercar, com a ajuda de um rebanho, "uma máquina destinada a plantar eucaliptos nessa propriedade da Soporcel [empresa de produção de pasta de papel, agora com o nome novo de The Navigator Company]." Apesar da presença de várias dezenas de agentes da GNR a cavalo, que iam disparando para o ar, o bulício popular levou à retirada de eucaliptos à mão, em terrenos que, anteriormente, estavam destinados à vinha e aos medronheiros. Uma militância inicial que se foi perdendo, mas que ainda hoje encontra alguns ecos residuais.

As primeiras "machadadas" na floresta

Naquelas primeiras horas de uma tarde de outono, Armando Carvalho, uma tesoura de poda e uma serra na mão, caminha pelos seus 12 hectares de terreno em Santa Comba Dão, onde o fogo passou em outubro de 2017 e o Leslie [ciclone tropical atlântico que atingiu Portugal continental a 13 de outubro de 2018] havia de passar no ano seguinte. São irregulares as parcelas de terra que o produtor florestal percorre, com fronteiras incertas, mas é fácil compreender onde termina o puzzle: "Estes eucaliptos são todos para sair", assegura, enquanto vai passando pelas árvores ainda frágeis e de um verde desbotado. Detém-se sobre as plantas, dá dois ou três golpes, nem um a mais, ou pura e simplesmente arranca-as com a mão. "Quanto menos investimento fizermos aqui, mais rentável se torna a floresta", diz convicto.

Freixos, choupos, amieiros, salgueiros; são todos obra de uma natureza que parece querer repor a normalidade e destronar aquela que ainda é a árvore-rainha: o eucalipto. "Agora as espécies estão cá todas, voltaram todas" relata Armando Carvalho, que, tal como Miguel Sousa Tavares, acredita que é "no terreno" que se prova como uma espécie pode ser uma ameaça de presença morta.

Em 1985, ano em que entrou na universidade e começou a gerir as propriedades da família, deu indicações muito precisas: "O que é carvalho, castanheiro e cerejeira fica", contrariamente ao que "era a prática corrente de não deixar crescer os carvalhos e os castanheiros, porque aquilo que dava dinheiro era o pinheiro e o eucalipto". A luta contra a produção intensiva de eucalipto levou-o a juntar-se à Quercus no final da década de 80.

Só se compreende o presente quando se conhece o passado. Podia ser esta a máxima de Carolino Tapadejo, ex-presidente da Câmara de Castelo de Vide. À TSF, lembra que "antes do 25 de Abril, as celuloses estavam preparadas para ir para Angola e Moçambique. Como houve a descolonização, resolveram fazer num território muito mais pequeno aquilo que queriam fazer em Moçambique e Angola." Eleito pela primeira vez em 1979, garante que, em política, quem pensa como como ele nunca teve vida fácil.

"Fui o primeiro, senão o único, a lutar contra a plantação indevida do eucalipto em Castelo de Vide", recorda Carolino Tapadejo, que, à época, sonhava com um "parque natural" naquela zona. Os argumentos não são muito diferentes dos que Miguel Sousa Tavares usa há já vários anos e a que acrescenta outros, mais políticos e, sobretudo, direcionados aos governos de Cavaco Silva: "Com Álvaro Barreto, vendemos a agricultura por 600 milhões de euros (120 milhões de contos, na altura) a Bruxelas. Abdicámos de reivindicar ajudas comunitárias para a agricultura, vendendo a agricultura, pura e simplesmente", acusa Miguel Sousa Tavares.

O Ambiente como contrapoder

Macário Correia, membro dos governos cavaquistas entre 1987 e 1991, diz agora sempre ter assistido a isto "com muita preocupação e poucos meios de combate". Defende-se com a "escassa legislação naquela altura" e com as diretivas europeias e a Política Agrícola Comum que tinham acabado de sair da incubadora. O ex-secretário de Estado do Ambiente admite que a única pressão política, à época, tinha que ser feita "através da comunicação social".

"De alguma maneira, dentro do Governo, eu fui uma forma de contrapoder. Nós usávamos os direitos difusos e a boa vontade da população para exercer a nossa função de pressão sobre alguns lóbis", recorda Macário Correia, que lembra Álvaro Barreto como um ministro com uma "visão em relação à política florestal muito favorável ao eucalipto". Nesse período, o ministro rodeou-se de um fiel escudeiro, Álvaro Amaro - atual eurodeputado do PSD - na altura secretário de Estado do Ambiente: "Eu assisti à controvérsia, a esse debate, e sei que, do lado de Álvaro Amaro, havia uma grande abertura em relação ao eucalipto."

José Manuel Alho, antigo presidente da Liga de Proteção da Natureza e atual administrador da Fundação Inatel, era nessa altura um aluno recém-licenciado em Biologia pela Universidade de Coimbra e teve "a felicidade" de conhecer um coletivo de jovens militantes que estavam a constituir a Quercus. Recorda que o eucalipto estava em grande expansão, que chegou a haver planos para alargar este tipo de produção à Região Autónoma dos Açores - nomeadamente à ilha do Pico - "e era um dos principais" problemas com que a Quercus se confrontava.

Entre os chamados "idealistas do ambiente", havia um consenso: "Estes problemas não nasceram por geração espontânea. Havia um enquadramento político facilitador desta incrementação: uma legislação mais facilitadora, fundos comunitários que não se sabia muito bem para onde dirigir e uma opção muito clara, sobretudo da Agricultura e Florestas, por parte do engenheiro Álvaro Barreto, e de Mira Amaral, de fazer do eucalipto o petróleo verde de Portugal."

Os processos de licenciamento, explica José Manuel Alho, "eram remetidos para as autarquias naquela época", e isto era parte do problema : "As câmaras não eram detentoras da sensibilidade e da informação ambiental tal como temos hoje. Só era exigível licença de um organismo da administração central, que, na altura, era a Direção Geral das Florestas, quando um determinado concelho tivesse atingido 50% de cobertura por eucaliptos", acrescenta o biólogo. Tal constituía uma oportunidade de "negócio para as grandes empresas, que ou compravam terrenos ou alugavam-nos por 25 anos".

Estavam, por isso, criadas as condições políticas e económicas para o negócio do eucalipto florescer. Macário Correia, que garante ter tido sempre uma postura de contrapoder, diz ter-se tornado um alvo fácil para ameaças. O ex-ministro Álvaro Barreto acabou por sair do Governo diretamente para a presidência do conselho de administração da Soporcel Contactado pela TSF, o ex-ministro recusou falar deste tema. Já Álvaro Amaro começou por se mostrar disponível, mas deixou de atender depois do primeiro telefonema. Contactada pela TSF, a Altri, conglomerado português de produção de pasta de eucalipto, que inclui a Celbi e a Celtejo, nunca chegou a responder às perguntas que foram feitas.

Nesta corrida contra o tempo, José Manuel Alho acredita que os militantes que abandonam os escritórios de ar condicionado e vão ao terreno bater-se por esta luta estão do lado certo das trincheiras. O milagre do eucalipto, defende, não é real, e essa consciência prova-lhes hoje que os arroubos das primaveras contestatárias não eram apenas "alarmes dos profetas da desgraça".

"Verdades e inverdades à volta do eucalipto"

"Qual árvore que, como o Eucalipto, nos permite obter o justificado rendimento ao fim de uma escassa dezena de anos?" Perguntava assim um artigo do Jornal de Coimbra, datado de 18 de janeiro de 1989. E logo apresentava argumentos: "O inegável interesse com que é olhado, quando o investidor florestal resolve pôr no prato da balança a esperança de vida que o destino lhe atribuiu e, no outro, os 30, 40 e até muitos mais anos que essas árvores [autóctones] levam a dar, economicamente, o tronco ao manifesto". Aliás, sublinhava o artigo de opinião "Verdades e inverdades à volta do eucalipto" que "atacar o Eucalipto por atacar, apenas porque é moda, porque se demonstra (?) preocupação com o meio ambiente é atitude gratuita" e que existem "grandes exageros no que respeita aos pretensos malefícios".

Eucalyptus globulus, uma planta acendalha de críticas, vítima das circunstâncias ou milagre verde que faz germinar divisas das exportações? Para Jorge Paiva, professor de Botânica no Instituto Botânico de Coimbra, a resposta é uma folha de duas faces: "É preciso ver que eu não sou contra uma árvore. Sou contra a forma como se 'eucaliptizou' o país. Desmesuradamente e praticamente sem regras. Ocuparam-se solos que não deviam ter sido ocupados."

O investigador entende que, pela sua natureza aromática, inflamável e altamente volátil, o eucalipto não é uma espécie para ganhar berço em Portugal. "O pinheiro também é resinoso e a resina é inflamável, mas a população está habituada a viver do pinhal."Jorge Paiva lembra que "primeiro, vivemos do carvalhal. Depois, o carvalhal desapareceu e viveu-se da pastorícia. Depois da pastorícia, do pinhal. Mas as pessoas viviam realmente do pinhal. Recolhia-se a resina, fazia-se a cama para o gado e cortava-se o mato."

"Resineiro engraçado/ Engraçado no falare/ Ó I ó ai eu hei d'ir à terra dele/ Ó I ó ai se ele me lá quiser levar/ Já tenho papel e tinta/ Caneta e mata-borrão." O resineiro que José Afonso trazia "no coração" extravasou as medidas das artérias principais. Ganhou o espaço e a velocidade das estradas e a gula da indústria do papel, sempre a pedir "caneta", sempre a escusar "mata-borrão". "Colocaram o povo português na dependência de um poder económico que pode brincar com os preços e que, se um dia se vai embora, nos deixa sem saber como vamos viver", confirma Jorge Paiva.

Floresta, outro conceito redefinido: da área com alta densidade de árvores e habitat de muitas espécies de animais e plantas ao "eucaliptal e pinhal, plantação monoespecífica a perder de vista". "Estas árvores encostadas umas às outras permitem que um incêndio se propague com muita mais facilidade", defende o botânico, que deixa ainda um aviso: "Os fogos de 2017 estão destinados a repetir-se. É preciso preparar o país. O aquecimento vai ser tal que não vamos estar preparados, com tantos eucaliptais e pinhais."

Carolino Tapadejo também constatou, no contacto com a terra, o que a espécie aromática faz ao meio rural: "Um eucalipto adulto absorve em média 80 litros de água por dia e desertifica os solos." O petróleo verde acabou por se tornar um verdadeiro balde de água fria. O jornalista Miguel Sousa Tavares insta os céticos a verificar no terreno o que os livros já teorizam: "Uma coisa é ouvirmos os prós e os contras, outra coisa é ir ver. O eucalipto é uma árvore de crescimento muito rápido e que tem um comportamento perigosíssimo nos incêndios. Provoca o incêndio de copas, que é o mais danoso que há", alega.

"Somos o país com maior área plantada de eucaliptos, mais até do que a Austrália, em que o eucalipto nasce naturalmente. É uma coisa absurda." O sexto inventário florestal nacional não camufla o peso do eucaliptal na cobertura arbórea do país. O eucalipto ocupa a maior área destinada a uma espécie. Ao todo são 26% de território, contas feitas ao ano de 2015.

O argumento do incremento das exportações não convence Miguel Sousa Tavares, que replica: "Muito dinheiro foi gasto neste país a plantar eucaliptos. Nós pagamos isto, e tudo quanto custa aos bombeiros, com os nossos impostos." Agora reparar os erros pode ser uma resolução hercúlea. "Neste momento, deseucaliptizar o país era uma obra imensa que custaria biliões e uma mão-de-obra que não temos. É quase um programa de engenharia militar."

Para uma espécie teimosa, um país teimoso. "Nós não aprendemos. Estava a ler o plano de descarbonização até 2050 que Portugal apresentou na ONU; prevê-se replantar floresta e lá estão os eucaliptos outra vez. Nós vamos insistir em plantar eucaliptos. Alguma plantação de eucaliptos é aceitável, desde que não tenhamos a maior área plantada do mundo, não é? Não podemos ter uma monocultura cuja única utilidade é produzir pasta de papel. Nem sequer faz sombra..."

Remendar a manta, resolver o puzzle

Os fogos de 2017 afetaram todos os pedaços de terra de Armando Carvalho. Hoje acumula 50 propriedades juntas, 80 artigos com áreas "pequeninas" de 600 a 800 metros quadrados, uma espécie de manta de retalhos. O engenheiro florestal tem apostado sobretudo no emparcelamento, uma das técnicas que pode ajudar a corrigir os erros de ordenamento do território persistentes. "Tenho uma propriedade, um latifúndio com dois hectares, constituído à base de trocas sucessivas e de uma ou outra compra, mas, sobretudo, à base de trocas."

A troca é um mecanismo que sai caro, porque o Estado "não faz nem promove o emparcelamento. Há situações em que custa mais o trato administrativo do que o valor da parcela trocada", afiança Armando Carvalho. Na perspetiva do engenheiro florestal, cujos terrenos não oferecem a possibilidade de se viver do coberto vegetal, ao longo dos anos os governos e os pequenos proprietários optaram por estratégias ruinosas para o país, com resultados rápidos mas sem visão de futuro.

"Como proprietário florestal, se eu investir noutras espécies, quem compra as árvores? Quem compra os metros cúbicos de choupo ou de carvalho que eu tenha para vender? Onde está a indústria? O que tem feito o país do ponto de vista de política pública para haver consumo interno de uma matéria-prima que sai das nossas florestas, que possa também dinamizar a nossa economia? Que trabalho tem sido feito, junto de designers, de arquitetos, de engenheiros para que se criem novas soluções para o que há de mobiliário urbano e infraestruturas, equipamentos, construções e edifícios públicos?"

Permitir o emparcelamento para juntar as peças todas e conduzir um inventário complexo, de hectares e hectares de floresta, torna-se, por isso, fundamental. O resto, diz Armando Carvalho, deve deixar-se às mãos mestras que fazem nascer as espécies autóctones. "A natureza é sábia. Nunca andou na universidade, porque não foi preciso. Põe-nos as espécies certas no local certo", acrescenta.

"Que numa primeira fase seja necessário plantar eucaliptos para captar mais rapidamente o carbono, eu aceito. Mas não podemos apostar apenas nisso; isso é uma tática, não é uma opção estratégica. Podemos fazer stock de carbono, em vez de o irmos buscar debaixo da terra, a combustíveis fósseis", sugere o proprietário florestal.

Sem intervenção de máquinas pesadas, Armando Carvalho garante que os métodos tradicionais continuam a ser as sementes dos bons resultados. "Lá vem António Costa, lá vem Assunção Cristas e Rui Rio plantar uma árvore. Mas o que é mais fácil e custa muito menos é semear. As árvores transplantadas ressentem-se disso." Basta um bolso cheio de bolotas, defende o ambientalista.

"Todas as zonas de depressão - que são lugares em que, em caso de chuvas, a humidade se concentra - levaram uma bolota, ou duas, ou três. Fazemos um buraquinho de dois ou três centímetros, colocamos duas ou três bolotas e tapamos com o pé." Leva a mão, e depois o pé, à terra, para que do rasteiro um dia se façam copas exuberantes de espécies nativas.

A floresta não é tarefa para quatro anos

"É desejável que todos os partidos concordem em relação a isto, porque a floresta não é uma tarefa para uma legislatura." O aviso é do antigo autarca Carolino Tapadejo, mas encontra réplicas nas palavras de Serafim Riem: "Isto é um trabalho para 20 anos, mas o que importa é que comecemos já."

Para José Manuel Alho, a decisão do último Governo de não deixar aumentar a área de eucaliptos e de ordenar o aumento da distância entre eucaliptos e pinheiros foram passos importantes, mas ainda débeis perto das "medidas que têm de ser tomadas no curtíssimo prazo."

Apesar de o antigo ministro da Agricultura, Capoulas Santos, e de o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, se terem recusado a comentar a estratégia florestal dos últimos quatro anos, o atual Governo, empossado a 26 de outubro, admitiu à agência Lusa que a atual legislatura "será mesmo decisiva" para transformar o panorama florestal, de forma a evitar tragédias futuras.

Miguel Sousa Tavares põe o dedo na ferida: "Por cada eucalipto ardido, nascem neste momento três rebentos de eucalipto. Já é incontrolável. Já nem é replantado, já não precisa. É verdadeiramente uma praga."

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