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A Entidade Reguladora da Saúde deu razão a uma queixa de uma mulher que tentou recorrer aos serviços públicos de saúde do Alentejo para fazer uma interrupção voluntária da gravidez.
Os obstáculos foram tantos que, a quatro dias do limite legal de 10 semanas para fazer o aborto, a mulher decidiu atravessar a fronteira e ir até Espanha pagar 500 euros para interromper a gravidez.
A queixa da mulher, apresentada em 2017, conta que descobriu que estava grávida às seis semanas de gestação e contactou logo o médico de família, em Estremoz, que recusou encaminhar o assunto para qualquer outro médico ou hospital, por ser objetor de consciência, mandando a grávida falar com a assistente social do centro de saúde.
Sentindo-se maltratada, "como se estivesse a cometer um crime, julgada e humilhada", a mulher acrescenta que, perante os pedidos de esclarecimento que fazia, o médico só dizia: "Não! Não lhe vou fazer mais nada, vá falar com a assistente social!".
Depois de recorrer a uma médica privada, que escreveu uma carta ao médico de família para que este encaminhasse o caso, às oito semanas de gestação, a mulher foi novamente ao centro de saúde, tendo sido feito um pedido para o Hospital de Évora, onde todos os médicos são objetores de consciência e de onde nunca recebeu qualquer resposta.
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A mulher ainda recorreu ao Hospital de Portalegre, onde lhe disseram que só em Lisboa e Abrantes se faziam este tipo de procedimentos.
"Psicologicamente devastada"
Perante tantos obstáculos, na queixa que escreveu, às nove semanas e três dias de gestação, a grávida afirmava estar "num desespero enorme" e sentindo-se obrigada a ir a Badajoz interromper a gravidez.
"Psicologicamente estou devastada por toda a situação", desabafava a mulher, sublinhando que "não me desresponsabilizo da culpa que tenho, mas já é um peso que tenho para estar a ser ainda mais 'pisado', em vez de me ajudarem".
Na análise que fez ao caso, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) encontrou várias falhas e procedimentos que deviam e não foram seguidos por três entidades do Serviço Nacional de Saúde: o Agrupamento de Centros de Saúde Alentejo Central, o Hospital Espírito Santo de Évora e Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano (que gere o Hospital de Portalegre).
Fazendo, no final, mais de uma dezena de recomendações, a ERS conclui que os procedimentos praticados pelas várias entidades "podem não acautelar os direitos e legítimos interesses das utentes à prestação tempestiva de cuidados de saúde, nomeadamente o direito de acesso à realização em tempo útil de uma interrupção voluntária da gravidez".
A situação, segundo o regulador da saúde, "é especialmente gravosa", pois "está em causa o exercício de uma faculdade legal num período de tempo relativamente curto, 10 semanas, pelo que qualquer obstáculo pode determinar que a utente veja a sua vontade de interromper a gravidez negada, por o prazo legal se encontrar ultrapassado".