Associação de caça que repudiou extermínio admite venda de selos para marcar animais

Investigação encontrou indícios de que foram mesmo mortos mais de 500 veados e javalis na Torre Bela, mas só foram colocados 270 selos que são obrigatórios para este tipo de caça.

A Associação Nacional de Proprietários Rurais - Gestão Cinegética e Biodiversidade (conhecida pela sigla ANPC) confirma ter vendido selos de caça que podem ter sido usados para o abate de animais do último fim de semana, na Herdade da Torre Bela, mas rejeita qualquer responsabilidade pelo modo como estes são usados.

Inicialmente, questionada sobre a informação recolhida pela TSF, a ANPC prontificou-se a negar a venda dos selos de caça colocados nos animais abatidos na mataria da Torre Bela. No entanto, depois de rever a documentação interna, a associação confirma terem existido vendas de selos para épocas de caça anteriores.

A fatura a que a TSF teve acesso, com data de 23 de janeiro de 2020, indica a compra à ANPC pela proprietária da Torre Bela de 500 selos para abater veados e 50 selos para javalis.

A TSF sabe que a investigação em curso aponta para que os 270 selos colocados nos animais abatidos na polémica montaria tenham sido vendidos pela ANPC, uma associação que representa o setor da caça e que criticou, publicamente, a caça de mais de 500 animais, num fim de semana, naquela herdade.

Em paralelo, a investigação a decorrer sobre o caso está a tentar perceber se os restantes animais mortos tiveram ou não a colocação deste selo obrigatório.

Já foi possível apurar que tudo indica que, de facto, foram mesmo mortos mais de 500 veados e javalis - ou seja, muito acima dos 270 canhotos dos selos encontrados na Herdade da Torre Bela pela equipa do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e da Guarda Nacional Republicana (GNR) que se deslocou nos últimos dias ao local.

Depois de inicialmente ter desmentido qualquer venda de selos herdade, o secretário-geral da ANPC, João Carvalho, admite agora a venda de vinhetas para épocas de caça anteriores, rejeitando, contudo, quaisquer responsabilidades.

"Nesta época não houve qualquer venda de selos, mas em épocas anteriores, apesar de esta entidade não ser associada da ANPC, houve, efetivamente, venda de selos - acabámos de confirmar, há pouco, com os nossos serviços contabilísticos e há essa informação", reconhece o secretário-geral da ANPC.

"Eventualmente, poderão ter sobrado alguns selos de anos anteriores e acontecer [o uso desses mesmos selos de caça na montaria do último fim de semana]", admite João Carvalho.

"Nós vendemos os selos de acordo com os princípios técnicos. Depois, como eles são utilizados pelas entidades, isso já não é responsabilidade nossa. A nossa responsabilidade é vender os selos, comunicar ao ICNF que vendemos os selos (...), sabendo o ICNF perfeitamente quantos selos é que são distribuídos a cada entidade", alega. "Se os selos depois são indevidamente utilizados, ou não, pelas entidades, nós não podemos controlar nem nos podemos responsabilizar", frisa.

João Carvalho sublinha, apesar de tudo, que um pedido elevado de selos não é motivo de estranheza devido à grande população animal da Quinta da Torre Bela.

"Fará todo o sentido que uma quinta com uma população de veados, gamos e javalis com aquela dimensão possa abater, durante uma época de caça, um grande número de indivíduos - e 270 não estará nada longe daquilo que será normal", indica o secretário-geral da ANPC, que explica como se processa o pedido e venda deste tipo de selos.

"Temos um formulário específico em que cada entidade requerente fica devidamente identificada pelo processo da zona de caça, há um termo de responsabilidade assinado pelo responsável dessa zona de caça e são distribuídos selos dos dois tipos: cervídeos (selos verdes) e javalis (selos amarelos). Naquelas imagens vemos, por exemplo, cervídeos marcados com selos amarelos, o que, desde logo, indicia que houve ali situações...", nota João Carvalho.

Há ainda outro pormenor que comprova que terá existido caça ilegal: "Também se veem nas fotografias selos vermelhos. Os selos vermelhos nem sequer são vendidos, são distribuídos, mediante uma autorização de correção de densidades que tem de ser obtida previamente pelo ICNF, exclusivamente nessa situação. E, segundo sabemos, o ICNF não autorizou nenhuma correção de densidades na Torre Bela", repara o secretário-geral da ANPC.

Associação censurou extermínio

A ANPC foi uma das três associações de caçadores que num comunicado, na segunda-feira, criticou fortemente aquilo que aconteceu nesta herdade.

Desde 2018 que estes selos, com diferentes cores (conforme a espécie), são obrigatoriamente colocados nos chamados "animais de caça maior" devendo ser indicados dados como a data da caçada.

Os selos são sempre emitidos pelo ICNF, mas também podem ser adquiridos em organizações do setor como a ANPC, que explica no seu site que tem um protocolo com o ICNF para fazer esta compra e revender os selos.

Uma notícia publicada em 2018 no site da ANPC publicita os selos e aconselha quem precisa dos mesmos a que "Fale com a ANPC!": "Caso necessite de selos para caça maior, poderá obter os mesmos através da ANPC nos termos de protocolo estabelecido entre a ANPC e o ICNF".

Estes selos são uma das fontes de receita das associações do setor.

Notícia atualizada às 11h21

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