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Teresa Simões e o marido Luís são os primeiros a chegar, quase ao nascer do dia. Vêm carregados com ferramentas: um gavião, um engaço, uma sachola de ponta, outra normal, um ancinho, ainda um lubrificante para o cadeado do baú onde o material vai ficar guardado. Teresa está habituada a trabalhar a terra. "O bicho da horta nasceu comigo", confessa bem humorada. Queria plantar "um cozido à portuguesa. Isso incluía os enchidos, a vaca, o porco, mas os animais não são permitidos". Por isso, planeia semear alfaces, tomates, curgetes, couves, "tudo o que seja aceitável e que não seja considerado infestante". É uma das regras para quem quer candidatar-se a ter uma horta no Convento dos Capuchos, em plena serra de Sintra.
Ouça aqui a reportagem da TSF
A arquitecta paisagista dos Parques de Sintra, Elsa Isidro, explica que os métodos de produção devem ser biológicos e não são permitidas espécies invasoras ou que possam desenvolver um comportamento invasor, como é o caso do espinafre ou da hortelã, porque "não queremos ser responsáveis por incluir culturas que não são desejadas nos nossos vizinhos, nos limítrofes do Convento dos Capuchos". Antes do regresso das hortas, foi feito um estudo arqueobotânico, com a análise de "pólens que surgem por camadas", que permitiram fazer um "histórico de hortícolas". Elsa Isidro enumera culturas que eram feitas há 400 anos pelos frades franciscanos: cereais como cevada, trigo e milho, que serviam para produzir pão, não só para consumo próprio, mas também para a celebração da Eucaristia e a alimentação dos animais. As hortas produziam o suficiente para os frades e para a comunidade local e é "esta ideia que baliza o projecto: que se volte a reunir o Convento dos Capuchos com a comunidade local, através da produção de hortícolas".
Ana Simões, que ficou como suplente na lista de candidatos a uma horta, realça que "estamos todos a precisar" desta partilha, de costumes e comunidades. Ainda mais nesta fase de crise, "devemos voltar a produzir para consumo próprio". Com origem numa família de Sintra, que trabalhava a terra, Ana vem ao Convento dos Capuchos acompanhada da filha Juliana Lopes, de 12 anos. A jovem confessa que "roubou" nêsperas em duas árvores junto à escola, onde também são plantadas alfaces. Gostava de cultivar vegetais, porque gosta "muito de saladas" e não se importa de ficar com as mãos sujas de terra.
De enxada na mão e galochas nos pés, a engenheira agrónoma Carla Vinagre é a formadora dos novos hortelãos. Nas sessões teóricas e práticas, explica a composição do solo, como se avalia o pH da terra e quais as culturas mais ajustadas aos níveis de acidez e alcalinidade. Há conselhos úteis, por exemplo, não deixar as ferramentas deitadas (para evitar acidentes), não usar enxadas demasiado pesadas, não regar por cima (para não propagar eventuais fungos), fazer a dupla cava (para limpar e arejar o solo), visitar a horta pelo menos uma vez por semana, usar apenas a calda bordalesa e o enxofre no combate aos fungos (únicos fungicidas autorizados na agricultura biológica), partilhar experiências, trocar sementes, conhecer os outros hortelãos. Afinal, salienta Carla Vinagre, trabalhar sozinho na horta pode ser uma "seca" e é mesmo preciso "meter a mão na massa. Não dá para fingir. Dá muito trabalho ter uma horta. É preciso dedicação, é preciso gostar. É preciso vir regar, adubar, mas as compensações são tão boas que valem muito a pena".
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Entusiasmada e com as mãos protegidas por luvas, Isabel Stucky confessa que ficou preocupada com a formação. "Nunca pensei que fosse tão complexo e interessante", mas não podia estar mais motivada. Aliás, o projecto teve mais interessados do que se esperava. Cerca de uma centena de candidatos, dos quais 45 "conseguiram fazer uma candidatura correctamente formulada", revela Elsa Isidro. As hortas biológicas começam numa escala pequena - com quatro talhões -, mas o objectivo é "expandir brevemente" para as 25 hortas.
Um dos desafios será a coexistência com os visitantes do Convento dos Capuchos. O monumento continuará a receber turistas, enquanto os hortelãos trabalham a terra. Os baús onde serão guardadas as ferramentas podem também ser usados como bancos pelos visitantes. O Convento será, assim, um "espaço com duas funções". A formadora Carla Vinagre avisa que "vai dar trabalho, vamos suar aqui um bocadinho". Nada que assuste o grupo de novos agricultores, já de mangas arregaçadas e dedos escuros de terra.
Entre as primeiras seleccionadas, Maria Figueiredo espera dividir os talhões pelos sete netos, com destaque para os mais velhos, para que eles "apreciem e comecem a gostar muito (de estar) ao ar livre, apanhar Sol e fiquem com a referência de que a avó gosta da terra". A antiga professora, que tem um terreno junto à praia das Maçãs, onde não consegue produzir muito, sempre gostou de agricultura. Agora, "finalmente, vou conseguir fazer o sonho da minha vida", afirma com um sorriso luminoso.
* A autora não escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico