Utilizadores e médicos cada vez mais distantes da StayAway Covid

A aplicação de rastreamento de contactos desenvolvida em Portugal foi descarregada 3,1 milhões de vezes, mas, atualmente, só 1 milhão de pessoas a usa. Em três semanas, apenas um infetado inseriu o código no telemóvel e os médicos atribuíram menos de 60 códigos.

Os últimos números oficiais sobre a utilização da aplicação StayAway Covid revelam um afastamento cada vez maior entre esta aplicação de rastreamento de contactos e os utilizadores.

Desde que foi lançada, a 1 de setembro de 2020, a app teve 3.166.109 downloads, mas, "neste momento, apenas um terço está ativo e contacta diretamente com os servidores", diz à TSF o coordenador do projeto, Rui Oliveira.

Segundo este responsável do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), "as pessoas terão desinstalado ou desativado a aplicação por verem que o sistema em si não estaria a funcionar".

O sistema só é eficaz se os médicos gerarem códigos e os utilizadores os colocarem na aplicação e de facto, em quase oito meses de funcionamento da aplicação, os médicos geraram apenas 14.790 códigos e só 3.136 (17,6%) destes códigos foram inseridos pelos utilizadores nos seus dispositivos móveis. "Não havendo pessoas infetadas a colocar a informação no sistema, ter a aplicação no telemóvel é inútil", resume Rui Oliveira.

A título de exemplo, nas três semanas entre 25 de março e 15 de abril apenas um (1) utilizador inseriu o código na aplicação (foi na semana de 25 de março a 2 de abril). Quanto aos médicos, também nestas três semanas, geraram apenas 57 códigos (36 códigos de 25 de março a 2 de abril; 8 códigos entre 2 e 8 de abril e 13 códigos de 8 a 15 de abril). Nestas duas últimas semanas, houve zero códigos inseridos pelos utilizadores. Curiosamente, na última semana houve 11.405 downloads da aplicação.

O Governo já anunciou que pretende tornar mais fácil a atribuição de códigos, mas, até ao momento, ainda não foram tomadas medidas efetivas. Segundo Rui Oliveira, a equipa da StayAway Covid tem tido semanalmente reuniões de trabalho com os SPMS (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde), empresa pública responsável pelas tecnologias de informação no Serviço Nacional de Saúde, pelo que só falta "que esse ajuste seja efetuado".

O INESC TEC também aguarda por instruções do Governo para avançar com a interoperabilidade da StayAway Covid com outras aplicações semelhantes de países europeus. "Estamos a trabalhar há vários meses na integração", diz Rui Oliveira, garantindo que o sistema "está pronto e pode ser colocado a funcionar em qualquer momento".

Em pleno desconfinamento, com a mobilidade a aumentar e a dois meses de começar o verão, o responsável do INESC TEC defende que a aplicação continua a ser importante. "Enquanto não estivermos todos vacinados e tendo em conta as variantes do vírus, o rastreio de contactos é essencial", argumenta.

Rui Oliveira também não acredita na necessidade de uma campanha de comunicação para incentivar os portugueses a voltarem à StayAway Covid. "As questões da confiança e da privacidade já não se colocam, é algo mais tangível: se as pessoas virem que as ações no terreno funcionam, aderem no dia seguinte".

Associação de defesa dos direitos digitais arrasa criadores da aplicação

O vice-presidente da Associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais, Ricardo Lafuente, não ficou surpreendido com o desinteresse da população na aplicação StayAway Covid.

Em declarações à TSF, afirma que "era previsível desde o início" o falhanço da aplicação, que considera ter "vários problemas fundamentais no desenho e na implementação".

"Na Europa, nenhuma destas aplicações teve qualquer resultado visível e positivo. Já havia indícios para pensar que isto não seria uma coisa tão mágica e maravilhosa como o INESC TEC e o Governo nos queriam fazer crer", refere.

"A aplicação falhou redondamente. Acho que, neste momento, só o INESC TEC é que ainda acredita numa eventual reviravolta - porque as pessoas não são parvas: mesmo quem não percebe de tecnologia já percebeu que esta tecnologia não funciona", atira.

Ricardo Lafuente espera que o INESC TEC altere o discurso e reconheça o fracasso, "em nome da idoneidade científica". "É isso que uma entidade científica tem de fazer quando uma coisa não corre bem: tem de dizer, não pode mentir", frisa.

O vice-presidente da associação de defesa dos direitos digitais vai mais longe e acusa mesmo o INESC TEC de ter feito um "absoluto anti-serviço público" e alega que "da próxima vez que aparecer uma aplicação para gerir crises de saúde pública, as pessoas não vão acreditar" na sua capacidade.

Ricardo Lafuente condena ainda o discurso de culpabilização dos cidadãos e da classe médica pela falta de funcionamento da aplicação, que classifica como "uma perversidade absoluta".

"Isto é, claramente, uma falha no desenho de todo o fluxo da aplicação, que não pensou que há gente na linha da frente - os médicos - que vai estar extremamente ocupada para estar a fazer formação sobre o novo sistema (...) e que as pessoas, se tiverem um resultado positivo [no teste à Covid-19], a primeira coisa que vão fazer não é pegar no telemóvel para começar a meter códigos", condena.

A TSF questionou o Ministério da Saúde sobre este assunto, mas, até ao momento, não obteve resposta.

Notícia atualizada às 10h19

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