O caminho que o doente tem de percorrer no acesso aos Cuidados de Saúde na Enxaqueca esteve em discussão na conferência "Vida com Enxaqueca".
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A enxaqueca é uma doença neurológica crónica subdiagnosticada e subvalorizada, ou "silenciosa", como se ouviu na iniciativa da TSF, que reuniu, no Museu do Oriente, diversos especialistas, para debater de forma transversal uma doença que afeta quase dois milhões de portugueses.
"É uma doença invisível e incapacitante, o que dificulta a sua explicação, mas que precisa de ser tratada e encarada como a doença neurológica que é", alertou Madalena Plácido, presidente da MiGRA, a Associação Portuguesa de Doentes com Enxaqueca e Cefaleias. "O problema começa com os episódios de dor. Muitas vezes essa dor é desvalorizada e associada a outras patologias. Nos serviços de saúde o processo de diagnóstico é lento e a falta de conhecimento dos profissionais atrasam o tratamento", sintetizou.
Francisca de Almeida, jovem universitária de 22 anos que vive com a doença desde os 14, embora diagnosticada apenas há três anos, testemunhou todos os problemas e limitações que a doença lhe causa. Como sugestão para outras pessoas que sofrem de enxaqueca afirmou ser "fundamental cada um construir a própria rede de apoio para enfrentar melhor as limitações quotidianas". Apesar do longo percurso que atravessou, a estudante sente-se agora satisfeita com a medicação que toma. A terapêutica permitiu-lhe, em média, reduzir os episódios de crise mensais de mais de vinte dias para oito. O tratamento, iniciado no setor privado, foi, entretanto, interrompido devido ao elevado custo a ser pago integralmente pela doente. A solução foi percorrer o chamado "caminho das pedras", como dizem os doentes, em busca das consultas de especialidade e do acesso à mesma terapêutica comparticipada pelo SNS. Houve vários testemunhos na conferência que demonstraram as dificuldades no acesso aos cuidados de saúde destes doentes. "É um acesso limitado, sobretudo para conseguir uma consulta de especialidade. Algumas das novas terapêuticas preventivas já estão comparticipadas pelo Estado, mas como só podem ser prescritas por especialistas o acesso acaba por estar condicionado", esclareceu a representante da MiGRA Portugal.
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Esta iniciativa foi organizada pela TSF com o apoio da empresa farmacêutica Teva que, nas palavras de Marta Gonzalez, diretora-geral em Portugal, tem a responsabilidade de ajudar os doentes a ter mais informação, porque a literacia em saúde os ajuda a fazer melhores escolhas em relação à própria saúde. "O trabalho em conjunto permite a partilha de informações e recursos que promovem progressos significativos nas terapêuticas e nos cuidados prestados aos doentes".
Raquel Gil Gouveia, presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias, explicou porque é que a enxaqueca é um problema de saúde pública e salientou que o Serviço Nacional de Saúde tem de dar uma maior resposta às necessidades. "Esta doença é a segunda causa mundial de anos vividos com incapacidade, representando um impacto económico de 70 milhões de euros anuais. Deste valor, 80% vem de custos indiretos, associados à menor produtividade e ao maior absentismo destes doentes, e 20% de custos diretos, de consumo de recursos de saúde".
"É preciso um Programa Nacional para as Cefaleias"
No painel de debate "Caminhos para Melhorar os Cuidados de Saúde na Enxaqueca", foi unânime a opinião de que é fundamental criar um Programa Nacional para as Cefaleias que venha dar resposta às várias necessidades identificadas no caminho que o doente percorre pela rede de cuidados de saúde.
Raquel Gil Gouveia da Sociedade Portuguesa de Cefaleias comentou a falta de tempo em formação académica dedicado às "dores de cabeça". "Na Europa, os planos curriculares dedicam-lhes uma média de apenas quatro horas, em seis anos de curso - é preciso alterar este padrão". Por outro lado, referiu, "importa saber que as novas terapêuticas estão a ter eficácia nos doentes, ao contrário da medicação preventiva de primeira linha muito utilizada e que esta não foi desenvolvida para tratar a doença especificamente, sendo a sua eficácia menor e com mais efeitos secundários".
Jorge Hernâni-Eusébio, da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, defendeu a necessidade de capacitar os colegas de profissão, os futuros profissionais de saúde e os próprios utentes para o conhecimento e tratamento da enxaqueca, bem como a necessidade de integrar os cuidados necessários para acelerar os processos de tratamento, mitigando as dificuldades existentes no serviço de saúde.
"Esta doença é a segunda causa mundial de anos vividos com incapacidade, representando um impacto económico de 70 milhões de euros anuais."
Para Helena Farinha, coordenadora do Serviço Farmacêutico do Hospital Egas Moniz, é preciso uma integração em todos os níveis de cuidados, desde os cuidados primários até aos cuidados hospitalares, para uma visão de 360 graus do doente. Para este propósito a farmacêutica defendeu também uma comunicação mais eficaz, mais literacia em saúde e a monitorização regular e multidisciplinar. "Apesar das novas terapêuticas estarem a resultar, está a faltar o "retrato nacional" para que seja possível perceber como os doentes com enxaqueca estão a ser tratados em Portugal"
"Apesar das terapêuticas mais recentes estarem a resultar, está a faltar o "retrato nacional" para que seja possível perceber como estão a ser tratados os doentes com enxaqueca em Portugal"
Na sessão de encerramento, Sónia Dias, diretora da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, mencionou a relevância da conferência "Vida com Enxaqueca "para maiores ganhos em saúde e para a criação de uma sociedade mais equitativa. Por outro lado, disse ser fundamental a organização e o acesso aos dados em saúde para melhorar os cuidados ligados à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento dos doentes com enxaqueca.