Poucas medidas duradouras, espaço para trabalhar no pós-Orçamento e um cenário "demasiado pessimista". A análise do fiscalista Sérgio Vasques, Professor de Direito da Universidade Católica, ao Orçamento do Estado para 2023, no âmbito da parceria da KPMG Portugal com a Católica Tax.
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À luz da proposta de Orçamento do Estado para 2023, entregue no passado dia 10 de outubro no Parlamento, torna-se imperativo avançar para uma análise mais profunda do que ficou definido e do que ainda há para fazer, num contexto extra Orçamento.
O Orçamento
Há dois pressupostos neste Orçamento que são muito claros. Primeiro, que a prioridade do Governo é a ordenação das contas públicas e, portanto, todas as medidas fiscais do Orçamento do Estado estão subordinadas à redução da dívida, à contenção do défice, por exemplo. Se tivermos em conta o preço que pagámos no ano passado pela desordem nas nossas contas públicas, parece-me fazer sentido.
Fica também claro que o Governo olha para os instrumentos fiscais como uma entre várias ferramentas, pois a maioria delas não apresenta um caráter duradouro, sendo apenas uma resposta às circunstâncias atuais. Encontramos a resposta à crise social, pelo lado da despesa, mais do que pelo lado da receita.
Dito isto, nós, quando olhamos para o Orçamento, por vezes sentimos algum desencanto, porque o conjunto de pequenas medidas, sobretudo tocantes aos impostos sobre o rendimento - IRS e IRC - isoladamente não têm grande impacto, ainda que tragam algum desafogo às famílias e às empresas. Há apenas duas medidas com caráter mais estruturante que têm um efeito sobre o sistema e que se prolongam ao longo da atual conjuntura: a introdução de um regime para os criptoativos e a eliminação do prazo de limite de reporte para os prejuízos fiscais.
O pós-Orçamento
Para além do que foi entregue no passado dia 10 de outubro, há dois grandes temas de fundo que deveriam manter-se na agenda do Governo, ainda que não precisem de ser integrados no Orçamento do Estado. Em primeiro lugar, perceber como se vão tributar as empresas. E isto não apenas referente à questão da taxa nominal de IRC, mas também pensar como é que esse imposto se articula com as muitas contribuições setoriais que nós fomos criando ao longo dos últimos dez ou 15 anos e que fazem com que as empresas em Portugal sejam tributadas de forma muito diferenciada consoante o setor em que laboram.
É também importante saber como é que queremos tributar o trabalho, porque a verdade é que, mesmo com estas medidas pontuais de desafogo no IRS, aplicamos taxas superiores a 50% ao trabalho qualificado em Portugal. Portanto, o Governo tem de pensar como é que, a longo prazo, quer reter capital humano e recursos qualificados no país, ou se queremos apenas beneficiar com taxas reduzidas aqueles que residem no estrangeiro e deslocam a residência para Portugal.
Uma avaliação final
Ainda assim, olhando aos números, não vejo que o Orçamento possa ser criticável por excessivo otimismo tendo em conta o cenário macroeconómico que está por trás. Pode apontar-se até que os números são demasiado pessimistas e que, de certo modo, o Governo estará a guardar folga para responder ao agravamento das circunstâncias, ou seja, para fazer um brilharete.
É importante reter que, desde há dois anos para cá, seja ao nível da União Europeia, seja ao nível dos estados-membros e de Portugal também, temos trabalhado de modo largamente reativo. Assim, há que ter capacidade de imaginação e folga orçamental para, perante uma degradação das circunstâncias, introduzir novas medidas. O próprio Ministro das Finanças já disse publicamente que temos alguns cartuchos de sobra, caso seja necessário introduzir medidas dirigidas às famílias, às empresas, ainda no decurso de 2023. Assim, é dentro deste quadro de risco agravado que temos de nos mover.
Sérgio Vasques, especialista em Direito Fiscal