Guilherme Figueiredo é o convidado desta semana da entrevista DN/TSF.
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Um pacto da justiça que muitos consideram curto e uma enorme vontade de credibilizar essa mesma justiça já este ano, que muitos podem considerar demasiado ambicioso. O convidado desta semana foi eleito Bastonário da Ordem dos Advogados à segunda tentativa e já cumpriu dois anos de mandato. Se trabalho não lhe tem faltado, polémicas também não. A começar pelas contas da antecessora, Elina Fraga, que quis ver auditadas, já deu muito que falar. Consumidor compulsivo de cinema, já publicou um livro de poesia, fez teatro quando era jovem e aos vinte anos partiu do Porto em direção a Coimbra para tirar um curso de Direito. Guilherme Figueiredo Tem 62 anos e é o convidado desta semana da entrevista DN/TSF.
A chegada de Rui Rio à liderança do PSD vem ajudar estes entendimentos que são precisos ter quer nestes assuntos mais específicos quer ao nível da reforma da justiça?
Não consigo caracterizar essa situação. Como sabe os partidos têm os seus líderes e eu, pessoalmente, e com toda a franqueza, conhecendo o Dr. Rui Rio porque foi presidente da Câmara Municipal do Porto e eu sou do Porto, existe essa proximidade territorial e conheço os mandatos que ele exerceu e sobre os quais naturalmente não falarei mas, acima de tudo, não conheço o pensamento político dele sobre as questões da justiça.
A escolha de Elina Fraga não lhe diz nada sobre isso?
É sabido que eu não tenho a mesma forma de pensar que a Drª. Elina Fraga. Eu diria que há uma diferença substantiva no olhar sobre a justiça, mas uma pessoa não caracteriza a política da justiça de um dado partido.
Quando percebeu que Elina Fraga era uma escolha de Rui Rio para a vice-presidência do partido não lhe passou pela cabeça que o pensamento político de Rui Rio e do PSD seria, no futuro, aquela que Elina Fraga corporiza?
Não, de maneira nenhuma. Eu conheço muitas pessoas da área jurídica, nomeadamente advogados que são do PSD, trabalham com o PSD, alguns até do grupo parlamentar, uma vice-presidente, a Drª. Isabel Meireles que foi membro do meu Conselho Geral durante um certo tempo, e reconheço-lhes uma maneira de pensar a justiça, a meu ver, diferente daquela da Drª. Elina Fraga. Agora, os partidos têm sempre uma forma que é discutir, partir pedra, encontrar mecanismos e soluções que não partem unicamente disso. Por outro lado, li na imprensa, não sei se é verdade ou não, que Elina Fraga não ficaria com a tutela na área da justiça, mas não veria mal nenhum. Para isso é que existem as outras instituições, a sociedade civil, a Ordem dos Advogados para poderem também opinar e até contrariar se for caso disso. Eu diria o seguinte, num discurso mais politicamente correto, que reconheço e confesso: um membro não fará a política da justiça. Com toda a franqueza não me reconheceria se fosse aquilo que julgo ser o pensamento da Drª Elina Fraga.
Isso seria até uma coisa que lhe causaria algum desconforto, não é? Quando chegou a Bastonário apresentou uma queixa no Conselho Superior da Ordem contra a sua antecessora por suspeitas de pagamentos irregulares. O que é que foi que lhe levantou suspeitas, porque é que tomou esta decisão?
Bom, essa é uma matéria da qual eu tenho feito tabu.
Por isso é que lhe estamos a perguntar aqui.
Nós, a única coisa que fizemos, em rigor, foi uma auditoria. A auditoria não visou perseguir ninguém, nem a senhora Bastonária nem nenhum membro do Conselho Geral. Ela visou sabermos com que o que contávamos e podermos ter uma linha de demarcação que dissesse claramente como é que as coisas estavam antes de nós chegarmos. Porque, como deve calcular, há responsabilidades dos titulares dos órgãos e há também que saber como é que está a casa.
Mas independentemente de quem lá estivesse antes, era uma coisa que faria sentido?
No caso da Ordem dos Advogados fazia. Porquê? Porque houve grandes alterações do ponto de vista legislativo, por exemplo, a contratação pública não era uma questão obrigatória, os procedimentos administrativos também não, é tudo relativamente recente. Nós entrámos numa fase em que não conhecíamos o que se passava e precisávamos que uma auditoria independente, como foi o caso, nos fizesse, no fim da auditoria, sugestões para que no futuro não cometêssemos nenhum erro.
Mas já tinha suspeitas ou não?
O que eu dizia durante a campanha - e isso foi uma questão pública -, e sempre disse, foi que achava estranho muitas coisas que se estavam a passar, nomeadamente que a campanha me parecia excessiva porque todos os órgãos da Ordem se estavam a movimentar e eu achava que, do ponto de vista financeiro, se estava a gastar muito, mas gastar muito não significa nenhuma irregularidade. Claro que depois isso comprovou-se com as contas, o Conselho Geral teve cerca de um milhão e cento e vinte mil euros de negativo - suponho que é um valor histórico na Ordem - e, portanto, quando entrámos não podíamos ignorar uma coisa destas e avançar para políticas de gestão que têm de ser rigorosas sem sabermos previamente o que se passava.
O que fizemos foi isso e, depois, também no cumprimento da lei, o que fizemos foi endereçar esse dossier de auditoria para diversas entidades, mas isso foi só no cumprimento daquilo a que a lei nos obriga.
Mas com base nessa auditoria, está hoje convencido de que o mandato de Elina Fraga à frente da Ordem dos Advogados foi prejudicial?
Não, relativamente à auditoria eu não tiro essa conclusão nem nenhuma outra.
Então para que é que servem as auditorias se não é para tirar conclusões?
Ela tira conclusões, mas são conclusões que nos dizem que devemos fazer assim, devemos fazer assado, não devemos fazer isto ou não devemos fazer aquilo; desde logo não devemos gastar tanto como se gastava. Mas isso são conclusões que, aliás, estão publicadas, foram entregues aos advogados, os advogados verificaram o que está lá no site e, portanto, isso são conclusões de natureza de gestão.
Então, sem a auditoria, ela foi prejudicial à Ordem?
Se colocarmos a questão na natureza política eu diria que os mandatos da senhora Drª Elina Fraga, na nossa perspetiva - o que aliás é natural pois temos uma perspetiva política diferente - não foram positivos. Da mesma forma que entendemos que os mandatos do Dr. Marinho Pinto também não foram positivos. Esses mandatos, na perspetiva política que nós temos e que ganhou as eleições, não foram positivos. Embora reconheçamos que porventura, no fim do nosso mandato, o Dr. Marinho Pinto e a Drª Elina Fraga pensarão o mesmo. Esta é uma nota de pensamento político, de ação política - às vezes Portugal tem muito pouco disto - mas a grande questão da ação política é criar e definir as prioridades políticas de ação.
Se o senhor concordasse politicamente com Elina Fraga não teria concorrido contra ela. Mas, perante mais de um milhão de euros negativos não tira daí a ilação de que financeiramente foi um desastre, o mandato dela?
Eu diria que do ponto de vista da gestão não foi nada positivo. Não quero é que daqui decorra que eu estou a fazer uma imputação de qualquer tipo de ilícito, não é isso, estou a dizer é que a gestão não foi positiva; para a gestão ser positiva não devia ter gasto mais do que o que podia, esta é uma perspetiva política nossa. Nós estamos a ser muito rigorosos nessa matéria e vamos continuar a sê-lo até ao fim do mandato, no sentido de não criar situações deste tipo.
Por outro lado, também era preciso definir regras do ponto de vista do que são as obrigações da contratação pública, do direito administrativo, etc. É preciso olhar para a Ordem também com obrigações de uma gestão muito, muito prioritária, e é o que nós estamos a fazer.
Para além disso, também é preciso olhar para outras medidas, por exemplo: é evidente que eu nunca estaria de acordo em participar criminalmente contra um governo por violar qualquer regra do Estado de Direito democrático. É evidente que não estava de acordo com isso, mas foi feito, como não estava, porventura, de acordo com algumas ideias-chave dos mandatos destes dois anteriores bastonários.
Tem ideia sobre como é que estão os processos, quer na Procuradoria-Geral quer no Tribunal de Contas?
Não, não tenho. A senhora procuradora-geral e a Procuradoria estarão com certeza a fazer o seu trabalho. Uma coisa é a gestão e a auditoria e outra completamente diferente é saber se daí decorre algum indício da coisa criminal, francamente não faço a menor ideia. Nós não fizemos uma participação no sentido formal, apenas mandámos o dossier.
E podiam não o ter mandado, certo? São obrigados a mandar?
Do ponto de vista legal, a partir do momento em que nós entendemos que era obrigatória uma auditoria, a nossa perspetiva, também jurídica, foi de que tínhamos uma obrigação de a entregar às diversas entidades. Do ponto de vista do Tribunal de Contas também não fazemos ideia, vamos aguardar com calma e serenidade.
Estará para breve?
Não sei. Essas coisas nunca sabemos, como dizem alguns: a justiça é lenta. [Risos]
Elina Fraga chegou mesmo a processá-lo? Ela ameaçou agir criminalmente contra todos os que lhe imputavam a prática de irregularidades enquanto Bastonária e ameaçou processá-lo.
Não, eu não tenho conhecimento. Em primeiro lugar porque eu nunca imputei coisa nenhuma. O que foi dito foi dito durante as eleições, depois das eleições continuei a dizer certas matérias logo no início; atalhei no momento em que tivemos a auditoria; o que eu digo e continuarei a dizer é que temos uma perspetiva diferente, não só sobre a política, mas também sobre a gestão. Temos de facto uma posição completamente diferente relativamente a estas matérias, se há ilícitos ou não há ilícitos, isso deixamos que as entidades competentes o verifiquem. Eu nunca lhe imputei nada em concreto, claro que disse que achei que ela gastou demais, disse-o logo na própria campanha - diriam alguns que isso também faz parte da retórica política, mas não - e disse-o com a convicção de que me parecia que haveria gastos a mais e que isso poderia conduzir a um défice. Foi o que aconteceu, confirmámo-lo depois, mas daqui não se retira mais nada.
Quanto à questão de pôr ou não pôr processo e contra quem, não faço a menor ideia, não tenho conhecimento, estou sereno e sossegado; se acontecesse uma coisa dessas, o que nós faríamos era responder com os elementos que temos, mas não tenho conhecimento de que tal tenha sucedido, embora nenhum cidadão que ocupe cargos esteja livre disso.
Ela no entanto moveu um processo, enquanto Bastonária, contra um governo em funções. Isto não é a tal judicialização da política de que tantos falam e criticam?
Eu, nessa altura e como advogado, quando soube disso fiquei estupefacto, até tentei perceber que tipo de crime teria sido cometido e a partir de que causas. A única coisa que sei é que foi tudo arquivado e depois de ter uma perceção mais profunda do assunto continuo a pensar o mesmo: acho que não se justificava, acho que não se justificou e, acima de tudo, acho que não faz bem à justiça. Não faz bem à justiça, nós temos de ter muito cuidado com aquilo que avançamos até por causa da necessidade de uma maior credibilização da justiça por parte do cidadão. Eu julgo que uma Ordem, nomeadamente a dos Advogados, que talvez seja a Ordem do ponto de vista político mais importante em Portugal, não tenho grandes dúvidas sobre isso - não é a que tem maior número, como sabemos, mas do ponto de vista político é de facto uma Ordem importantíssima e com um histórico fundamental, quer antes do 25 de abril quer depois do 25 de abril -, não pode propor certas coisas. Isso faz parte de uma forma de olhar a política que não tem a ver comigo pessoalmente, sempre fui um advogado discreto, acho que sou um dirigente discreto, não aceito aquela quantidade de solicitações que os jornalistas me fazem, acho que os colegas até pensam que eu falo pouco e comunico pouco, que devia comunicar mais. Eu tenho uma ideia de que quando quem está nestes cargos fala deve ser ouvido, não deve falar todos os dias, deve ter qualquer coisa para dizer.
Institucionalmente sentar-se-á à mesa com Elina Fraga, com o PSD, por exemplo?
Claro que sim. Com o PSD com certeza, aliás, já depois de a senhora Drª Elina Fraga ter sido escolhida para vice-presidente, eu tive reuniões com o grupo parlamentar do PSD. Tenho uma boa relação com o senhor presidente do grupo parlamentar, com quem me dou muito bem, e com outros deputados. Se a senhora Drª Elina Fraga numa reunião a um outro nível, do partido com a Ordem, aparecer, eu sentar-me-ei sem problema nenhum, discutirei porque parto com uma grande vantagem, como ela parte com um grande vantagem que é sabermos a maneira de pensar de cada um de nós. Isso é sempre bom porque, por um lado, não somos surpreendidos e por outro lado, essa identidade própria que eu tenho e que reconheço que ela tem na área da política, nomeadamente da justiça, é uma identidade que não se confunde.
Portanto, com certeza que conseguiremos conversar, até porque quando a conversa é fora do domínio eleitoral ela também tem uma serenidade muito maior, a conversa passa-se de forma diferente. Agora, em algumas matérias, não direi em todas apesar de tudo, porque nós temos também aquilo que é a formação que decorre de sermos ambos advogados e, portanto, há de certeza linhas condutoras do ponto de vista da convergência, mas nas grandes linhas de pensamento político da macrojustiça é evidente que temos formas de ver, pensar e agir diferentes. Mas isso não me impediria, nem me impedirá com certeza, de reunir com a Srª Drª Elina Fraga, só não lhe posso responder se o mesmo pensa ela.