A decisão do processo, agendada para esta tarde, coincidiu com a greve parcial dos funcionários judiciais.
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Por causa da greve parcial dos funcionários judiciais, foi adiada a leitura da sentença do processo Vistos Gold no Juízo central de Lisboa.
O ex-ministro Miguel Macedo, o antigo presidente do Instituto de Registos e Notariado António Figueiredo e os restantes arguidos só vão conhecer a decisão no próximo ano, dia 4 janeiro pelas 10h00.
O Ministério Público pediu a condenação de Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna no governo PSD/CDS, a cinco anos de prisão, pena passível de ser suspensa na sua execução, e oito anos de prisão para António Figueiredo e ainda suspensão de funções públicas durante dois a três anos.
Chegou a ser apontado como possível sucessor de Passos Coelho na presidência do PSD. Mas em 2014, dias depois da detenção de alguns dos arguidos neste processo, Miguel Macedo demitiu-se.
O antigo ministro da Administração Interna chegou ao banco dos réus por, alegadamente, ter dado várias "mãozinhas" a amigos, sobretudo ao empresário Jaime Gomes. Terão crescido juntos e a vida nunca os separou, pelo menos até ao dia em que ouvem juntos a sentença.
Miguel Macedo quase não saiu do Parlamento e do papel de deputado desde 1991. Uma das raras saídas foi em 2011, para o governo de Pedro Passos Coelho. Jaime Gomes nunca deixou os negócios e, segundo o Ministério Público, uma área em particular, "a facilitação de negócios" em troca de comissões.
Aqui e ali, ao longo dos anos, foram sócios em várias empresas. Parcerias que Macedo nem sempre terá declarado no Tribunal Constitucional tal como estava obrigado por lei, primeiro enquanto deputado e depois como membro do governo.
O Ministério Público garante que, numa dessas empresas, Miguel Macedo e Jaime Gomes também eram sócios de Ana Luísa Figueiredo, filha de António Figueiredo, o ex- presidente do Instituto de Registos e Notariado que é o principal arguido neste processo.
A acusação afirma que é a partir destas amizades e proximidades que se espalha depois um Labirinto (nome da operação da Polícia Judiciária) de favores e facilitismos. Alegadamente a troco de dinheiro, logo, crimes que justificam a condenação de 17 arguidos e de quatro empresas.
Entraram no rol de principais arguidos também empresários chineses e um angolano bem como altos dirigentes da Administração Pública. Caso do antigo diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Manuel Palos, que surge acusado de ter cedido indevidamente a pedidos do ministro da tutela. Já a antiga secretária geral do Ministério da Justiça, Maria Antónia Anes, responde, nomeadamente, por alegada manipulação do concurso que haveria de reconduzir António Figueiredo no cargo de presidente do Instituto de Registos e Notariado.
Os acusados
Miguel Macedo, ex- ministro da Administração Interna: três crimes de prevaricação e um crime de tráfico de influências.
António Figueiredo, ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado: 4 crimes de corrupção passiva para ato ilícito, 2 crimes de recebimento indevido de vantagem, 1 crime de peculato de uso; 3 crimes de tráfico de influência; 1 crime de branqueamento de capitais; 1 crime de peculato de uso; 1 crime de prevaricação.
Manuel Palos, ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras: 1 crime de corrupção passiva para ato ilícito; 2 crimes de prevaricação.
Maria Antónia Anes, ex-secretária-geral do Ministério da Justiça; 1 crime corrupção ativa para a prática de ato ilícito; 2 crime corrupção passiva para a prática de ato ilícito, 2 crimes de tráfico de influência.
Jaime Gomes, gestor e amigo de Miguel Macedo: 1 crime de corrupção passiva para ato ilícito (como cúmplice de António Figueiredo); 1 crime de prevaricação (em coautoria com Miguel Macedo, António Figueiredo e Manuel Palos), 1 crimes de tráfico de influência (um deles em coautoria com Miguel Macedo).
Paulo Lalanda de Castro, administrador da Octapharma e ILS e arguido em mais dois processos, Operação Marquês e Máfia do Sangue: 2 crimes de tráfico de influência.
Os alegados crimes
O concurso dos helicópteros
Miguel Macedo estava indiciado por um crime de tráfico de influências por ter, alegadamente, enviado ao amigo Jaime Gomes o concurso para a gestão de seis helicópteros Kamov de combate a incêndios, com uma particularidade: terá enviado o documento, do correio eletrónico oficial do Ministério da Administração Interna, semanas antes do anúncio da abertura do concurso.
A empresa Everjets acabou por ir a concurso sem nunca ter levantado o documento. O Ministério Público viu aqui uma vantagem indevida da empresa.
Miguel Macedo admite ter enviado o caderno de encargos ao amigo, mas justifica que só o fez para evitar que o concurso para gestão dos Kamov ficasse novamente deserto.
O homem na China
Foi o único caso que envolveu realmente os chamados vistos gold e que acabou por batizar o processo.
A acusação defendeu que Jaime Gomes, António Figueiredo, do Instituto de Registos e Notariado, e um empresário chinês criaram uma empresa na China, uma espécie de agência de vistos gold que angariava clientes à procura de visto de residência em Portugal, dispostos a investir mais de 500 mil euros no país, e propunham-lhes os respetivos investimentos imobiliários. A empresa cobraria comissões por agilizar o facilitar todo o processo dos vistos bem como os negócios.
A pedido do empresário Jaime Gomes, o então ministro da administração interna terá dado ordem a um diretor de serviço sob a sua tutela para propor a criação do cargo de oficial de ligação na embaixada portuguesa em Pequim. É aqui que entra Manuel Palos, o então diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Diz o Ministério Público que acedeu ao pedido do minsitro da tutela, embora sem efeitos práticos.
Os vistos para os doentes líbios
O empresário Lalanda de Castro começa aqui um percurso de suspeitas junto do Ministério Público. Vem a ser arguido em mais dois processo - na Operação Marquês, onde surge como o homem que oferece emprego ao ex-primeiro ministro José Sócrates, na Octapharma, e na Máfia do Sangue, onde é suspeito de corrupção para obter o monopólio de venda de plasma ao Serviço Nacional de Saúde.
No processo dos vistos gold, Lalanda de Castro é acusado de ter beneficiado de tratamentos de favor através de outra empresa, a ILS. A empresa apoiava cidadãos líbios que vinham fazer tratamentos médicos em Portugal e terá contratado uma empresa de Jaime Gomes para lidar com a parte logística das viagens. O Ministério Público acredita que Jaime Gomes voltou a pedir ajuda para os negócios ao amigo ministro e Miguel Macedo acedeu. De novo, o ministro terá pedido ao diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que facilitasse a vida à ILS.
Miguel Macedo contestou a acusação de favorecimento, alegando que pretendeu apenas que Jaime Gomes ficasse a par de toda burocracia para a estadia dos líbios.
A ajuda ao antigo patrão de José Sócrates
A suspeita recaiu sobre um encontro entre Lalanda de Castro e Paulo Núncio, então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. O Ministério Público defendeu que a reunião aconteceu a pedido de Miguel Macedo e serviria para garantir que a ILS de Lalanda de Castro não seria obrigada a pagar o IVA sobre perto de três milhões de euros cobrados aos cidadãos líbios que vieram tratar-se em Portugal.
Ouvido como testemunha, Paulo Núncio confirmou o telefonema de Miguel Macedo, achou-o o normal, mas garantiu que nunca interferiu em qualquer decisão da autoridade tributária. Miguel Macedo, retoma a alegação de que se limitou a promover um encontro sem qualquer intenção ou objetivo de favorecimento.
O castigo
Em nome do Ministério Público, o procurador José Niza assumiu que não conseguiu provar todas as alegações. O procurador admitiu que grande parte da prova foi conseguida através de escutas telefónicas e interceção de emails e referiu que, em tribunal, os arguidos terão alinhado numa espécie de pacto de silêncio com muitas alegações de "falta de memória".
A acusação pediu pena suspensa de prisão até cinco anos para quase todos os arguidos. A exceção foi o empresário Jaime Gomes, com pedido de prisão efetiva até cinco anos, e António Figueiredo, o ex-presidente do Instituto de Registos e Notariado que, pelo Ministério Público, devia cumprir pena de prisão efetiva até oito anos.