Para que servem os conhecimentos inúteis? Foi a pergunta a que Pedro Mexia foi dar resposta aos alunos da Universidade do Minho.
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O escritor e consultor do Presidente da República para a área da cultura, Pedro Mexia, foi esta quarta-feira à Universidade do Minho, em Braga, fazer a defesa da utilidade dos conhecimentos inúteis, como ler um romance, observar um quadro ou ver um filme.
A palestra sobre "Para que servem os conhecimentos inúteis" decorreu no âmbito de mais uma edição do programa de desenvolvimento de competências transversais (EEGenerating Skills) que a Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho decidiu criar há seis anos para potenciar o sucesso individual e profissional do aluno.
"As pessoas estão sempre a achar que os conhecimentos inúteis por serem inúteis não fazem falta mas depois, como esses conhecimentos, na verdade, ligam as coisas umas às outras, fica-se sem instrumentos para descodificar a realidade", sublinhou Pedro Mexia. E avançou com o exemplo: "Imagine-se uma pessoa que não tem convicções religiosas nem interesse nenhum pela religião. Vai ao Museu de Arte Antiga e, se nunca se deu ao trabalho de estudar, não percebe nada. Como provavelmente não vai perceber quando alguém lhe diz que é preciso dar a outra face ou se refere a alguém como um filho pródigo ou um judas".
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Perante um auditório completamente cheio, Pedro Mexia não se cansou de dar exemplos de como o conhecimento aparentemente inútil, decorrente nomeadamente da leitura de um livro, da observação de um quadro, do visionamento de um filme ou série de televisão pode, a todo o momento, relevar-se da maior utilidade ou mesmo tornar-nos mais empáticos.
"Um dos grandes problemas da Europa neste momento é como lidar com pessoas diferentes, que acreditam noutras coisas, que se portam, que se vestem de outra maneira. Uma das formas é pormo-nos na pele deles através. De que forma? Lendo romances, vendo filmes ou séries de televisão porque temos acesso, às vezes na primeira pessoa, a experiências de vida e modos de ver o mundo que não são os nossos e que não entenderíamos", afirmou.
É, pois, tão útil o que se aprende na universidade como fora dela. Ler um prosador pode ser a melhor aula sobre como funciona a língua, para compreender, por exemplo, a ironia. "O meu colega de programa Ricardo Araújo Pereira [Governo Sombra] fez uma crónica há uns anos quando uns ex-agentes da PIDE receberam uma pensão do Estado. Houve uma grande contestação e houve alguém que disse que eles eram apenas funcionários, não tomavam decisões de repressão. E o Ricardo escreveu que, de facto, eles não pregavam pregos nas pessoas, só iam comprá-los ao AKI. Mais tarde recebeu um mail extraordinário de uma pessoa a dar-lhe os parabéns pelo artigo a assinalar que o artigo tinha apenas uma incorreção, a de que no tempo do Estado Novo ainda não havia AKI", contou, provocando gargalhada geral.
Para Pedro Mexia é "catastrófico que uma pessoa não tenha a capacidade de entender níveis de linguagem e alusões, colocando-a desmunida para a vida prática, para a vida útil".
O palestrante recusou o ataque aos especialistas mas saiu em defesa dos generalistas, advertindo, no entanto, que não é "exemplo para ninguém", pelo percurso profissional "incoerente" ou mesmo "bizarro". Licenciado em Direito, "tive a sorte de ter alguns convites, nomeadamente da Cinemateca e, agora, da Presidência da República".
A tal "sorte" que tem faltado, por exemplo, a alguns dos melhores alunos, como exemplificou, a partir da plateia, o economista Fernando Alexandre, professor Universidade do Minho: "Ainda ontem me contaram mais uma história, de um ex-aluno nosso que fez um percurso académico espetacular mas que não passa numa entrevista porque... é completamente quadrado. Teve uma média fantástica, é espetacular, mas não chega", partilhou.
Foi exatamente para evitar situações como esta e potenciar o sucesso individual e profissional do aluno que a Escola de Economia e Gestão criou há seis anos o EEGenerating Skills - Programa de Desenvolvimento de Competências Transversais, onde se aprende o "inútil" mais relevante para a vida prática dos alunos.